Nas noites de inverno ararenses, quem tem o hábito de olhar para cima, seja para ver a lua, o céu estrelado ou as nuvens, não raro se depara com algumas aves brancas fazendo evoluções sobre as luzes da cidade. Trata-se da ave conhecida popularmente como corucão (Podager nacunda), um tipo de curiango, ave pertencente à família Caprimulgidade. É espécie corpulenta, notável pelo porte, tendo 29,5 cm de comprimento e 71 cm de envergadura.
Chama a atenção pelo branco intenso do ventre, cor esta também encontrada no pescoço anterior, na extremidade da pequena cauda (macho) e nas extremidades medianas das asas (remiges primárias), sob a forma de uma larga faixa. O alto da cabeça é de cor marrom-escuro, o dorso também, porém salpicado de manchas pretas e amareladas. Os sinais brancos, mais desenvolvidos no macho, se destacam vivamente nas horas do crepúsculo, e na barriga são tão reluzentes que podem passar à cor-de-rosa quando expostos à luz do sol poente – esses sinais podem fazer com que a ave se assemelhe à um quero-quero (Vanellus chilensis), com o qual divide o mesmo habitat, ou a mocinha-branca (Xolmis coronata). Sua plumagem desarmônica e policrômica o camufla perfeitamente no ambiente em que vive, e só nos damos conta de sua presença no momento em que, espantados por nós, alça vôo subitamente dentre as moitas de capim rasteiro. Caso isto aconteça, o bando poderá facilmente ser localizado, bastando para isso olhar atentamente os arredores. O autor localizou um bando nos capinzais recém-cortados e queimados do jardim Rosana, e só deu conta dele quando alguns exemplares levantaram vôo, pois estavam perfeitamente camuflados entre as cinzas e carvões da queimada recente de capinzais, sendo mesmo quase impossível localizá-los (foto acima). O bico é provido de cerdas (vibrissas) tal corno os pelos sensoriais dos gatos, atribuindo-se à eles diversas funções. Os pés são pequenos, sendo que a unha do dedo médio possui também pequenas cerdas, dando-lhe o formato de um pente (unha pectinada). Este motivo, os distingue dos quero-queros, pois o corucão fica o tempo todo repousando com o ventre colado ao chão, enquanto os quero-queros caçam insetos caminhando entre a vegetação.
Sua silhueta de vôo (desenho), muito bonita quando vista de frente, é semelhante ao mocho-dos-banhados (Asio flammeus). Muito hábil no voar, é um verdadeiro acrobata aéreo – para perseguir os insetos em seu vôo irregular, faz manobras rápidas e ágeis, dá mergulhos fulminantes, freadas inesperadas em vôo reto, faz curvas abruptas para qualquer lado e ângulo. Chega até a librar no ar como os beija-flores, combinando o vôo rasante dos andorinhões (Apodidade sp.) com o voar ondulado dos quero-queros, tudo em movimentos silenciosos devido à maciez de suas penas.
Costuma sair do repouso cerca de meia hora depois do pôr-do-sol, não levantando vôo juntos. Caça em bandos, à procura de insetos, voando alto por cima das águas e dos campos, quando patrulha seguidamente uma área e faz mudanças bruscas de direção.. Chega a voar durante o dia, caso as nuvens obscureçam o sol. Pousa em estacas, e chega, à noite, a pousar próximo dos refletores das praças, fato observado pelo autor na praça “Calçadão”. Nas horas de caça, são facilmente visíveis no céu com seus vultos brancos destacando-se sobre à iluminação urbana refletida no céu. Nos eventos noturnos no Parque Ecológico, na época de inverno, chamam a atenção por caçarem voando alto por sobre as luzes do recinto. Em regiões selvagens, se avistam queimadas, lá se vai o bando a caçar os insetos expulsos pelo fogo, e chegam a voar tão baixo e de modo arriscado, que podem ser vistos à luz das labaredas. O fato de o corucão caçar sobre as luzes das cidades, talvez seja uma modificação desse hábito primitivo. Durante o período das secas, que vai de abril à setembro, são vistos mais facilmente à noite caçando insetos à grande altura sobre a luz laranja dos refletores de vapor de sódio (lâmpada Lucalox): essa luz com cor alaranjada semelhante à dos crepúsculos, o corucão tem por ela uma predileção especial. Ao que parece, junho é o mês que o corucão começa a freqüentar a zona urbana em busca de insetos. Aliás, desde que a administração municipal começou a trocar as luzes de vapor de mercúrio das ruas e avenidas (que desde meados da década de 1960 davam uma luminosidade azulada à cidade) pelas econômicas lâmpadas de vapor de sódio, os corucões começaram a caçar de modo disperso na zona urbana, ao contrário do que acontecia no início da década de 1990, quando poucos edifícios usavam esta última luz, como, p. ex., p. ex.. a Torque, a Civemasa e a igreja Matriz. Esta adaptação às luzes urbanas, é provável que possa levar o corucão à sinantropia, ou seja, à buscar gramados para repouso diurno dentro da zona urbana, fato que se deu há muito tempo com o quero-quero, que começou a freqüentar os campos de futebol.
Em setembro de 1970, a Enciclopédia Bloch fez uma previsão que levou cerca de 25 anos para se cumprir: “Dentro de pouco tempo, as cidades serão mais belas à noite. É que suas avenidas, ruas e praças estarão iluminadas pela lâmpada Lucalox – criada e desenvolvida por engenheiros norte-americanos. A Lucalox, utilizando o vapor de sódio metálico em altas temperaturas e pressões, apresenta uma eficiência de quase o dobro das grandes lâmpadas a vapor de mercúrio. E isto, além de proporcionar um índice de iluminação jamais atingido, significa uma sensível redução de postes e luminárias dos tempos atuais. (...) Trata-se da maior fonte de luz artificial jamais conseguida pelo homem, que utiliza o vapor de sódio metálico em altas temperaturas. Montadas em postes de 9 metros, espaçados de 26 metros, apresentam uma eficácia de mais de 100 lúmens por watt, quase o dobro das grandes lâmpadas de vapor de mercúrio. Em futuro próximo, segundo a previsão dos cientistas, as cidades, praças, ruas, aeroportos e todas as grandes áreas que necessitem de grande iluminação poderão manter excelente luminosidade com muito menos luminárias e postes, graças à Lucalox, considerada a luz do futuro.”
O corucão não tem um canto atrativo como os curiangos comuns. Costuma, como a maioria, cantar com mais freqüência nas horas crepusculares e em noites de luar. Voz: “pro-pro-pro...”, “trro ttt-rro” ou “prrr-du” (canto conto um sapo, seqüências prolongadas).
Ouça no link abaixo algumas vocalizações do corucão:
http://www.xeno-canto.org/sounds/uploaded/BEYMZHZHIB/Podager_nacunda.mp3
http://www.xeno-canto.org/sounds/uploaded/AOPMSCIDIA/Podager_nacunda_SC.mp3
http://www.xeno-canto.org/sounds/uploaded/BEYMZHZHIB/Podager_nacunda_III.mp3
O corucão não faz ninhos, pondo diretamente sobre a terra, areia ou pedras. Em geral, põe dois ovos elípticos, com os pólos iguais. São muito miméticos, fortemente salpicados.
Além dos locais citados, o corucão pode ser encontrado em paisagens abertas, pastos, campos limpos próximos dos curso d’água e cerrados. Um lugar da cidade onde ele pode ser encontrado durante o dia é nos gramados do aeroclube.
Veja alguns vídeos do corucão nos links abaixo:
http://ibc.hbw.com/ibc/phtml/votacio.phtml?idVideo=4759&Podager_nacunda
http://ibc.hbw.com/ibc/phtml/votacio.phtml?idVideo=4758&Podager_nacunda
* Fotos e desenhos do autor.
FONTE:
.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário