V-Newton Daltro - biólogo e escritor
Sabe-se que muitas das informações que uma criança absorve nesse período da vida em que o espírito é livre, curioso e despreocupado, ficam mais facilmente gravadas em sua memória receptiva, deixando assim uma recordação mais vívida, sentida e duradoura, não importa se se coisas felizes ou não. Este fato, há muito foi confirmado pelo antigo alienista espanhol Juan Luis Vives, que concluiu que o quê vemos ou ouvimos nos primeiros anos de nossa juventude, relembramos com mais facilidade e precisão quando adultos, por que nessa época “contemplamos tudo como novidade e observamos cuidadosamente o que nos produz admiração e assim é nossa alma”. E esses assuntos ecológicos, por seu próprio tom alarmista, faz com que algo mude dentro das crianças, mas algo que os impregna de alguma espécie de emoção isenta de qualquer convenção normativa – nestas cabecinhas tão temerárias quanto mal-formadas, não há ainda o domínio simbólico para processar tudo o que ouvem.
Para usar a mim mesmo como exemplo, lembro-me que, quando menininho, ouvi dizer que “o Rock ia acabar” – e realmente se dizia isso àquela época! – e eu fiquei realmente preocupado e, inocentemente, perguntei a mim mesmo quando isso poderia acontecer!... Noutra, eu brincava com a bolinha de borracha (uma "perereca") de um amigo com muito mais idade que eu, e ele me pedia que, a cada arremessada, eu batesse com a bola cada vez mais forte no chão; e assim o fiz, e, a cada vez, a bola ia mais alto para cima. À certa altura, bati a bola com tanta força no chão que ele gritou: – “Não bate tão forte assim, que a bolinha vai entrar em órbita!” Eu arregalei os olhos e, em minha ingenuidade, fiquei apavorado!... Estávamos em plena era fascinante das conquistas espaciais e o assunto da moda era “o homem em órbita em volta da Terra”, “o homem em órbita da Lua”, e eu estava começando a ser seduzido pelo assunto, portanto, justificava-se minha reação sobre a tal da bolinha entrar em órbita... Tem outra: com certeza, o milésimo gol do Pelé foi uma verdadeira paulada na minha cabeça, mas o milésimo do Romário... ah, foi uma piada – particularmente, é um feito, mas só se pisa uma primeira vez na Lua...
E as reações de muitas crianças, após ouvirem falar dos prováveis cataclismas que nos aguardam, têm sinais de comportamento compulsivo – medo e pavor são as palavras recorrentes. Ansiedade e mesmo pânico são relatados por pais e educadores. Normalmente, as crianças não tem a mesma capacidade de discernimento dos adultos, e costumam amplificar e superestimar os efeitos daquilo que ouvem – para usar uma expressão que vem a calhar, “criam tempestades em copos d’água”. As reações de algumas crianças chegam a ser hilárias, misturando realidade e fantasia: uma delas, citada num jornal, disse que ia haver “uma infecção global” que ia acabar com o mundo quando ela crescesse! Outra, acreditava que a água ia acabar mesmo, fato, aliás, que os próprios adultos acreditam, mas, o nível de água existente no planeta não se altera nunca – o que acontecerá é que as formas de se obtê-la é que tornarão mais difíceis – a quantidade de água que se perde no espaço é irrisória, e cometas e hidrometeoros, de tempos em tempos, injetam certa quantidade d’água no planeta ao adentrar a atmosfera. Uma criança foi mais realista: “A água de beber vai acabar, mas a água do mar vai aumentar, e invadir as cidades da praia.” As crianças cariocas imaginam mesmo que a cidade será invadida pelo mar, debaixo de uma violenta tempestade de água, ventos e raios. O caso mais engraçado é o de uma criança que, ao ver sua mãe acender um incenso, pediu a ela que o apagasse, para não “por em risco” a camada de ozônio!...
É uma pena que, à maioria de nós, esses temas não causem o mesmo impacto e a preocupação que causam às crianças, e, ainda que rações pueris, não tenhamos as mesmas sensações e temores delas, o que, por um ponto de vista positivo, poderia exigir de nós medidas mais imediatas e eficazes.
Por outro lado, todo esse manancial de informações alarmantes, muitas vezes, vão ao encontro de suas inclinações inatas, inclinações estas, que dependendo da criança, convém frisar, são mais de cunho existencial do que meras curiosidades de criança aprendiz. E isso tem um lado bom: em geral, quando adultas, terão elas uma consciência sobre estes problemas de maneira mais profunda que nós, e muitas delas poderão vir a trabalhar em áreas científicas no futuro, fato que se deu, em termos, com este que vos escreve. A escritora adventista Ellen White, era da opinião que “Pelos pensamentos e sentimentos alimentados nos primeiros anos, determina cada jovem a história de sua vida”, e, assim, creio, serão esses os frutos gerados pelas preocupantes transformações ecológicas dos dias atuais: o surgimento de uma nova classe de cientistas que, trabalhados pelas dores próprias, transformarão suas vidas em instrumentos que determinarão uma nova era na história do planeta.
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