terça-feira, 4 de maio de 2010

“THE GENIUS OF JIMI HENDRIX” – UM DISCO DIVISOR DE ÁGUAS

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Carlos Lopes, do site Rock Express, analisando a caixa com quatro CDs e 56 faixas, lançada em setembro de 2009, escreveu: “Ao escutar esta caixa de pandora que é The Jimi Hendrix Experience, a primeira pergunta é: o que aconteceu com Hendrix "Marbles" (seu apelido à época) no verão de 1966? A caixa responde?” Lopes diz que não; e, na verdade, essa fase anterior à ida de Hendrix para a Inglaterra não é muito comentada tampouco analisada como deveria, que é o que pretendo fazer nesta matéria, lançando algumas luzes sobre este seu período relativamente obscuro. (Na foto, Hendrix em 1966, período de que trata esta matéria).

Então, caros amigos músicos amantes da arte da guitarra, para começar, vou fazer uma pergunta aqui que talvez seja desnecessária: Vocês já ouviram o disco “The Genius of Jimi Hendrix”? Se não, aqui terão motivos para buscar esse disco e analisá-lo como, acredito, ele merece.

Antes de mais nada - e sem querer parecer arrogante -, para se entender o que quero passar com essa matéria, é importante saber de antemão qual era o nível virtuosístico e capacidade inovadora dos grandes guitarristas de rock da época, mais especificamente no ano de 1966 e até antes, bem como saber contextualizar a guitarra em épocas passadas. Desse modo, os parâmetros modernos tem que ser cuidadosamente dosados nas comparações (ah, a eterna "praga" Hendrix versus Slash!...).


Originalmente, "The Genius of..." foi lançado nos EUA em 1973 pela Trip Records, e no Brasil em 1976. O disco foi relançado aqui em CD há uns 5 anos atrás. Desconfio que este disco – que não é tão conhecido entre os fãs de Hendrix – tem (ou deveria ter) uma importância fundamental na carreira de Jimi, não só pelas inovações que trouxe, mas por ser uma peça-chave em sua trajetória, em especial na sua fase de pré-estrelato. No entanto, ele não é um disco oficial de Hendrix, mas apenas um bootleg trazendo uma coletânea de sessões feitas com a sua primeira banda, o The Blue Flames e outras acompanhando outros dois artistas. (Na foto Hendrix, na época do exército, com sua primeira guitarra, uma Supro Ozark). O disco, apesar de nas primeiras audições parecer mais um desses caça-níqueis mal gravados – uma dessas várias gravações ruins que foram lançadas no mundo todo por oportunistas –, é um item que merece uma melhor atenção dos hendrixmaníacos e estudiosos de sua arte. Aliás, quando se fala em Hendrix na fase anterior à sua ida para a Inglaterra, onde explodiu, só vemos discos mal gravados e ele tocando um material que está muito aquém da arte pela qual ele viria a se tornar conhecido – em suma, são aqueles discos que, em termos, só “queimam o filme” de Jimi ante os novatos, só se prestando mesmo à colecionadores curiosos de sua carreira – posso dizer até infeliz daqueles que conheceram Hendrix através desses discos, pois eles, em sua grande maioria, “mentem” sobre a sua genialidade. (na foto, Hendrix, como um aspirante de Pelé da guitarra...)

Voltado ao “The Genius of...”, particularmente, de todos os cerca de 30 vinis e CDs que tenho de Jimi, este para mim tem uma importância especial. Foi através deste disco que vim a conhecer realmente quem era Hendrix - desde que o ouvi pela primeira vez, a verdadeira mágica de Hendrix aconteceu para mim. Foi numa situação inusitada: eu estava num feriado num rancho às margens do rio Mogi Guaçú em Cachoeira das Emas, Pirassununga/SP, e um amigo levou uma fita cassete com essa gravação – resultado: fiquei quatro dias ouvindo-a sem parar, embasbacado, abestalhado, não crendo no que ouvia. (na foto, Hendrix em 1962, no exército).



Foi numa época em que eu que estava começando a aprender a solar uma guitarra, então o disco caiu como uma descoberta sensacional. Desde então, por estas duas gravações, tive a intuição de que era um disco especialíssimo, o que procuro confirmar hoje com esta matéria. Abaixo, Jimi Hendrix e Billy Cox nos tempos do exército.



Para obter maiores informações sobre o disco, andei vasculhando sua vida neste período – entre 1964 e 66 –, época em que ele tocou e gravou com muita gente. Nesta matéria, acho interessante debater os motivos que levaram Hendrix até a Inglaterra, onde ele aconteceu como grande artista, assunto que os blogs nacionais não entram muito a fundo, ao que me parece. (na foto abaixo, Jimi com o The Isley Brothers, empunhando uma Fender Duo-Sonic, 1964). Tenho toda a certeza que essa gravação é uma peça-chave para entender esse processo. Para afirmar a vocês que posso ter razão no que digo, baixei os dois CDs “Jimi Hendrix -1964-1966 - Jimmy James Singles” e analisei música a música, e concluí também que nenhuma delas revela quem era o verdadeiro Hendrix no período, pelo menos o Hendrix que viria a explodir em terras britânicas. Dessas gravações, o que se constata também é que os artistas que Hendrix acompanhava seguravam a sua rédea, impedindo-o de usar a guitarra como gostava e sabia, ou seja, com muita distorção, alavanca e feedback, e dentre todos, só o Curtis Knight é que lhe abriu um pouco a porteira para ele dar vazão às suas “loucuras” (foto, ao vivo com Curtis Kinght, no clube Cheetah). A gente ouve essas gravações compiladas em “Jimmy James Singles” em 1966 e não acredita que é o mesmo Hendrix de “The Genius of...” – na maioria das músicas os artistas podaram o músico até onde puderam, sequer deixando espaço para ele fazer um mero solo. . Mas, pensando, bem, eles até que não estavam errados não, porque se o permitissem, já se sabe o que poderia acontecer... (Jimmy com Curtis Knight & the Squires, New York, 1965, usando "shaded sunburst" Duo-Sonic). A propósito, no disco “Jimi Hendrix -1964-1966 - Jimmy James Singles” Hendrix acompanha os seguintes artistas: Rosa Lee Brooks, The Isley Brothers, Don Covay & The Goodtimers, Little Richard, Curtis Knight (foto, disco lançado com a a banda), Curtis Knight & The Squires, Jayne Mansfield, Ray Sharpe com The King Curtis Orchestra, The Atlantic Sounds, The Icemen, Jimmy Norman, Lonnie Youngblood, Billy Lamont, Frank Howard & The Commanders, Owen Grey e, acreditem, Aretha Franklin!

O caso mais polêmico de Jimmy tocando numa banda, e sofrendo por não poder fazer tudo o que sabia na guitarra, se deu o então ídolo Little Richard, que detonava o guitarrista toda vez que ele avançava o sinal. Jimmy tocou com ele à partir de janeiro de 1965.

“Às vezes Jimmy se rebelava; era irresistível, ele não sabia explicar, as notas coçavam nas pontas de seus dedos, exigiam uma subida, ali onde Little Richard não esperava, um lamento, um toque na alavanca de sustentação, um... Richard fuzilava com os olhos, no palco, depois descarregava, no camarim: "Seu filho da puta, sou eu o patrão. EU, EU, O MAIOR, O REI DO ROCK'N ROLL, está entendendo? Só eu, EU posso brilhar!"

Num depoimento, o próprio Jimmy comentou o caso acrescentando outros senões:

"A razão pela qual eu sai não foi só por desentendimento monetário, mas porque Little Richard não me deixava usar camisas com babadinhos no palco, só aquelas roupas de seda que brilhavam. Ele me disse: 'Eu sou o único que pode estar bonito'".


Sobre este seis meses que Jimmy tocou com ele, há um caso que deve ter enfurecido pacas o vaidoso "Ricardinho": "Num desses shows, Jimmy é assediado violentamente pelas fãs, que o confudem com Little Richard"...



Veja este vídeo, de um filme sobre Hendrix, de 1973, em que Little Richard dá o braço a torcer após o sucesso de Jimi:

Voltando ao disco "The Genius of The Jimi Hendrix", encontrei isto na internet:

“This LP gathers nine pre-Experience recordings from 1966, some of which find Hendrix singing lead (including the 12-bar blues items 'Red House' and 'Peoples Peoples') and some of which find him working as a featured sideman for saxophonist/vocalist Lonnie Youngblood. 'She's a Fox' and the James Brown-ish 'Sweet Thang' are pure 1960s soul, whereas Hendrix's forceful, crunching, noisy guitar playing on the instrumental 'Lime Lime' could easily be described an example of early heavy metal. For the collector, a record like The Genius of Jimi Hendrix is quite interesting –although Trip's failure to list all of the personnel or provide any liner notes brings its rating down."


Eu aprendi a gostar do Jimi e a fazer solos de blues ouvindo exaustivamente este “The Genius of...”, em especial as versões de “Red House” e “People, People”, que são ótimas! (na foto, Jimi Hendrix e Billy Cox com os The King Casuals, 1962) Aliás, essa versão de “People, People” é tão boa quanto a clássica versão “C# Blues (People, People, People)” ao vivo, do disco “Experience”– o do filme –, do show de 18-2-1969, em London, Inglaterra. Aliás, é surpreendeente notar como as duas versões são distintas e belas, e chegam até a nem parecer a mesma música; nisto, está também a genialidade de Hendrix - a de recriar uma mesma música através do improviso. Quanto a “Red House”, ela tem uma levada e um arranjo diferente de todas as outras que se ouve em outros discos, aliás, é a minha versão predileta, pois é meio rhythm blues, suingada, e, pensando bem, é uma grande pena Jimi não ter mantido esse arranjo, pois assim ele "disfarçaria", ou fugiria um pouco do padrão comum e "enjoado" do blues "12 bar" (na foto,com King Curtis, 1965). Ouça "Red House" no disco "Are You Experinced?", e depois esta, e você vai concordar que é esta versão que devia estar no disco oficial. Ela é simplesmente animalesca! Aliás, no último dia de gravação do primeiro disco do Experience, em 13 de dezembro, que durou dois dias, Chas Chandler insistiu para que Hendrix desistisse de gravar "Red House" (existe uma mixagem onde esse pedido está registrado para a posteridade a fim de que ninguém possa negar) e ele acabou concordando porque estava mais interessado em novidades mesmo do que ficar tocando uma forma "tradicional" de blues. O fato é que a versão de "Red House" no LP inglês (ela não entrou na versão norte-americana) alavancou o álbum inteiro à categoria de "maestria de guitarra" com a técnica aprimorada de execução empregada na mesma música.

O uso da alavanca, o sustainer da guitarra e a velocidade dos solos – levando-se em conta o que rolava de inovador na época – são incríveis em ambas as músicas. Na minha opinião, a impressão que se tem é que nunca Hendrix solou tão bem como nessas gravações – ele estava muito à frente de seu tempo! (Na foto, Hendrix e Wilson Picket, maio 1966). Com muita probabilidade, ninguém até então havia tocado blues dessa maneira, tão suja, tão agressiva e tão rápida como ele. Pode-se até imaginar que o Hendrix era bastante "tesourado" pelos artistas que acompanhava, e por isso mesmo tocava meio reprimido, e quando ele podia tocar sem amarras alguma, com raiva ele abria as comportas e soltava seus demônios, o que é o caso do disco em questão.

Abrindo uma aspas aqui, por volta de 1987, o guitarrista Buddy Guy fez um show no Palace em São Paulo – foi a única vez em minha vida que vi alguém tocar algo próximo do que Hendrix fez em “The Genius of...”. E vale ressaltar que o show de Buddy foi um arraso, estonteante! (na 2 fotos, Jimi Hendrix no Isley Brothers, com uma Fender Jazzmaster, em maio de 1965). O que se constata ao ouvi-lo é que, em 1966, Hendrix já estava mais do que pronto para o sucesso mundial. Aliás, amps Marshall de Hendrix eram envenenados por seu engenheiro de som porque ele queria o som de Buddy, só que bem mais alto... Jimi era grande fã de Buddy Guy, à ponto de que quando ia aos shows de seu ídolo, levava um gravador e se sentava na primeira fila para gravar suas estonteantes performances e truques para tirá-los em casa depois. Sobre uma dessas passagens, Buddy comentou:

“Cover Guitar: - Como foi o encontro com Hendrix?
Buddy: - Uma vez, meu empresário veio correndo ao meu camarim depois do show, gritando que Hendrix estava na platéia e queria me ver. Eu apenas disse: ‘Quem é esse cara?’, eu nem sabia quem ele era... Jimi entrou no camarim, muito humilde, e me pediu desculpas por roubar um monte de meus licks... Disse a ele que tudo bem, que não me importava. O mais curioso é que existe uma fita de vídeo caseira deste show, onde dá para ver Hendrix na platéia, balançando as pernas e segurando um pequeno gravador nas mãos. E não é que o f.d.p. estava me roubando mesmo? (gargalhadas)”


Em uma antiga entrevista, Buddy contou de uma conversa com seu filho:

“Meu filho começou a tocar guitarra, e me perguntou o que devia ouvir. Eu disse: ‘Ouça Hendrix!’ Ele viu um show do Jimi na TV. Nesse show, Hendrix disse que aprendeu muito comigo. Meu filho começou, então, a ouvir meus discos!”


Aqui, as duas pérolas de "The Genius of Jimi Hendrix":

- "Red House" (18.60 MB). Baixe aqui:



- "People, People" (17.71 MB). Baixe aqui:
Para quem quiser baixar todo o LP da Internet aqui vai um link:

Há outras músicas boas no disco, como os dois souls “She’s A Fox” (acompanhando The Iceman) e “Sweet Thing” (com Billy LaMont) – que, aliás, constam de “Jimmy James Singles”, inclusive, vale a pena ouvir “She’s A Fox”, pois nela usa (de leve) a mesma técnica de “Little Wing” e os tais alto-falantes rotativos (caixa Leslie), mas as que importa mesmo nesta análise que faço são as duas citadas, cada uma abrindo um lado do disco. Uma pergunta que fica é porque as outras músicas de “The Genius of...” não entraram nessa coletânea “Singles...” – será porque esses dois discos só reuniram músicas em que Hendrix era músico acompanhante de outros artistas? Talvez. Porém, essas músicas excluídas muito provavelmente sejam músicas da banda de Jimi, o The Blue Flames (foto acima), banda formada em agosto de 1966(após abandonar o Joey Dee & The Starliters) e que durou 3 meses, até que Hendrix partisse para a Inglaterra (foto: Jimi com Curtis Knight). Ouvindo recentemente outro disco disco da época, o “Live Cheetah” (1965/66), com o Jimi Hendrix tocando na banda Curtis Knight and The Squires, notei que há músicas que cairiam melhor em “The Genius of...”, pois ambos os discos são gravações muito próximas, lembrando que o Curtis, apesar de "segurar" Jimi no que diz respeito ao uso de distorção, às vezes dava toda a corda àquele que ele chamava de “guitarrista muito talentoso”, permitindo que tocasse dois números instrumentais em cada show. Fayne Pridgeon costumava dizer o mesmo a Jimi, quando ambos faziam amor (na foto, na banda de Curtis Knight). Ouça esse disco neste link, que também é um bom exemplo do que o Hendrix estava tocando na época:



Quanto ao “The Genius of...”, ele foi gravado em 1966 em Nova York, no Abtone Recordings Studius. (na foto, Jimi com os The King Casuals, 1962). Não há informações de quem o acompanhou, mas há um baterista (Danny Casey?), um baixista [Jeff Baxter ou Randy "Texas" (Palmer)?], um gaitista (Lonnie Youngblood?) e um outro guitarrista, talvez o Randy California (Wolfe). O baterista até que manda legal, mas esses três últimos são músicos medianos. O baixista, aliás, comete um erro hilário na entrada de “People, People”: o Hendrix faz a abertura usual, mas a hora que acaba sua parte, surge o baixo completamente perdido, descontrolando Jimi , que para de tocar, e, em seguida, o “orienta” como fazer certo, e parece dar papinha na boca do baixista, tocando nota a nota... Jimi acompanhou muitos artistas nesse ano – por exemplo, em janeiro, entrou para a banda do saxofonista King Curtis onde tocou por meio ano, e realizou uma gravação que hoje se encontra desaparecida. (Na foto, Jimi causando furor com os Isley Brothers.)


A importância de “The Genius of...” reside também no fato de que Hendrix faz os vocais (nas músicas com o The Blue Flames) – talvez suas primeiras gravações solos como vocalista –, ressaltando-se que ele já se mostrava um inspirado cantor, usando todos os recursos de vocalização blues que aprendera com inúmeros artistas que tocara, como por exemplo, Curtis Knight e Little Richard (foto). Inclusive, em "Red House", já se evidencia - aliás, já está sacramentado - aquele estilo tão seu de cantar a música e dobrar a voz solando em uníssono (e em improviso), que - ao que eu saiba - ele levou para o túmulo consigo e não deixou descendentes. Na verdade, quem às vezes fazia algo próximo disso era um guitarrista inglês meio hendrixiano (até na voz!), o ótimo Roye Albrighton, da banda progressiva Nektar - ouça "Woman Trouble" e tire suas conclusões.

Em se falando da guitarra usada nestas gravações com o The Blue Flames, acho muito bom o timbre, mas que marca seria? Em 1964, quando chegou a Nova Yorque, Jimi tocava com Billy Cox, Leonard Moses e Jolly Joger, usando uma velha Epiphone (foto). Mas, ao que parece, a guitarra usada em "The Genius of..." não é uma Ephifone. Por que digo isso? Ocorre que, desde que ouvi este disco, eu conheço muito bem esse timbre de guitarra, e, por volta de 2005, ouvindo o disco duplo “The Blow-Up” (1978) da banda Television, reconheci-o na guitarra do Tom Verlaine. Fui conferir que guitarra era e vi que Verlaine usa com frequência uma Fender Jazzmaster (foto,). No entanto, convém lembrar que tanto Richard Lloyd quanto Tom Verlaine usavam Fender Duo-Sonic também. Na verdade, o fato tem de ser melhor checado. Para formar o The Blue Flames, em junho de 1965, ele comprou uma nova guitarra na loja Manny's,
mas antes de formar essa banda, Jimi tocava na banda de King Curtis usando uma Duo-Sonic branca (na foto, Hendrix com uma Jazzmaster). Enfim, as duas guitarras usadas por Jimi nessa época eram a Duo-Sonic e a Jazzmaster, mas a semelhança do timbre da guitarra de Jimi nas gravações de "People, People" e "Red House" com a guitarra de "Blow-Up" de Verlaine. A Cover Guitarra Nº 171, trouxe uma matéria com uma Jazzmaster 1960, em que diz:

“(...) a sonoridade desta guitarra é impressionante, mesmo desligada. O captador da ponte possui sonoridade bem aguda e ‘estalada’, como é característico das guitarras de surf music. O captador do braço lembra o da Stratocaster, pela sua sonoridade menos agressiva, porém mais encorpada, contida e macia em relação ao de sua ‘irmã mais
velha’. Com saturação, os captadores chiaram um pouco, exceto na posição central das chaves. Uma característica própria da Jazzmaster é o seu tone lead circuit. Ao acionar a chave de duas posições, que fica acima do captador do braço, conseguimos uma sonoridade mais cheia e encorpada, algo pensado para os músicos de jazz.”


O site Cifra Club News comentou a Jazzmaster:

"A Fender Jazzmaster é para a Jaguar o que a Telecaster é para a Stratocaster. Segundo Anderson Silva, essa guitarra mantém o timbre "mais estalado", um som mais "magro" com dois captadores single coil e um design próximo da Jaguar. "A Jazzmaster não é uma guitarra muito conhecida no meio dos guitarristas e tem pouco apelo. O corpo lembra a Jaguar e a parte de trás da guitarra lembra um pouco a a Telecaster também. É uma Fender, mas não é muito comercial.", diz o músico. A Jazzmaster tem presença marcante no cenário indie. Entre grupos que usam esse modelo, estão o Sonic Youth, Dinosaur Jr e Yo La Tengo."


Ouça amostras de “The Blow-Up” com o Television:


Ou baixe o disco:


Restava, então, checar que guitarras Hendrix usava quando gravou “The Genius of...”. Na revista On & Off (Nº 9) encontrei as guitarras usadas por Hendrix nesse período:

- Epiphone Wiltshare (foto), 1961, cereja, r/wood – usada em Nashville;

- Fender Duo-Sonic, 1964, sunburst, r/wood – usada na banda Isley Brothers (março a novembro);

- Fender Jazzmaster, 1965, sunburst, r/wood – quando tocava com Little Richard (1965); um vídeo de Hendrix tocando com os cantores Buddy & Stacey (foto) neste ano: http://www.youtube.com/watch?v=GaIxswG7d84

- Fender Duo-Sonic, 1964, sunburst, r/wood – usada no Curtiss Knight;

- Fender Stratocaster, 1964, sunburst, r/wood – comprada na Manny's , e, provavelmente, a que levou para a Inglaterra.


Após ouvir o “The Blow-Up”, acredito que Jimi tenha mesmo usado uma Fender Jazzmater na gravação do “The Genius of...”, pois o timbre é o mesmo. A distorção usada em ambas as músicas citadas leva a crer que, na época, ninguém tinha uma mais poderosa – tem um sustainer tremendo e a guitarra berra – é de se lamentar que o Hendrix não tenha mais o usado essa guitarra daí para diante. Acredito que ela tinha esse som incrível, com certeza era devido mais ao desenho do corpo que aos captadores. Convém lembrar também que foi nessa época que os Stones foram ver Jimi e os The Blue Flames no Café Wah? (foto), e Linda – a esposa de Keith Richards – ficou abestalhada com o que ouviu. Tanto o é que, depois, “intimou” Chas Chandler – que estava em excursão pelos EUA –, a ir vê-lo – o que se deu em 5 de julho de 1966. Linda disse que Chas (foto), ao ouvi-lo tocando “Hey Joe”, “ficou assim, de boca aberta, garganta seca, olhos esbugalhados”. Sobre a relação de Linda e o então Jimmy James (dizem que Keith Richards levou um belo par de chifres por isso...), o site Whiplash trouxe este ótimo e esclarecedor texto:

“Os Stones se apresentam em Queens, no Forest Hills Tennis Stadium, chegando e partindo de helicóptero. O estádio estava com apenas um terço da lotação em função dos caríssimos ingressos que Klein negociou a $5 e $10 dólares cada. Depois de sua apresentação, já de volta em Manhattan, seguem a sugestão de Linda Keith e vão ao Cafe Wha? em McDougal Street no Village, para assistirem um ow do Jimmy James & The Blue Flames.

Linda Keith (foto) que estava trabalhando em Nova York há algum tempo, havia assistido um show do Curtis Knight no Cheetah Club e ficou impressionada com o seu guitarrista Jimmy James. Achou inacreditável que um rapaz que ela julgou extremamente talentoso estaria tocando na banda de outra pessoa. Depois do show conversou com ele e os dois fizeram uma amizade forte. Linda, sendo namorada de Keith Richards, tinha muitos contatos no meio musical e convence James que ela teria como promovê-lo, mas ele precisaria ter uma banda sua.
Assim Jimmy James deixa Curtis Knight e acaba por montar o Blues Flames, conseguindo este gig no Café Wha? Jimmy era até então extremamente acanhado para cantar e Linda Keith fez um pesado trabalho psicológico para convencê-lo a abandonar suas preocupações. Sabendo da paixão de Jimmy por Bob Dylan, conseguiu mostra-lhe que não era mais preciso ter uma voz aveluda para cantar e que sentimento era o fator em voga.
Linda então usurpa uma guitarra Stratocaster branca da coleção de Keith Richards e presenteia Jimmy James com ela. Aproveitando a passagem dos Rolling Stones pela cidade, ela então consegue atrair a banda e principalmente Andrew Oldham para assistí-lo. De fato, todos ficaram um tanto impressionados com o talento de Jimmy James, mas Andrew não se interessou em contratar o músico ou a banda.
Linda sem se dar por vencida, continuaria a tentar apresentar pessoas do meio musical, convida-los a assistí-lo e, assim, conseguir uma carreira mais sólida para seu guitarrista predileto. Não seria até Julho, quando encontrou com Chas Chadler, por conta da passagem dos Animals pela cidade, que ela conseguiria realizar seu intento. Chas, recém saído da banda, estava começando a trabalhar como empresário, e Linda, sabendo disto, comentou sobre este guitarrista Jimmy James, cuja apresentação chamou tanta a atenção dela quanto a dos Rolling Stones. Chas acaba por ir assistir o rapaz e impressionado, o convence a ir com ele para Londres e começar uma nova carreira de lá. Chas também sugere que ele muda o seu nome artístico de Jimmy James para Jimi Hendrix. O resto desta história, faz parte de outra história.”


A história acima lembra também outro caso, ocorrido dois anos antes, em 1964, com Gene – o filho do Les Paul (o criador da célebre guitarra, falecido recentemente, 13-8-2009) –, que dando um rolê pela noite de Nova Jersey, pararam num clube em Lodi, e Gene foi conferir o show que rolava naquela casa. Ele ficou completamente estupidificado com o que viu e ouviu. Ele voltou e disse ao seu pai: “Pai, é melhor você ir conferir por si mesmo. Tem um cara lá estraçalhando a guitarra!” Les Paul (foto) entrou e parou para escutar, e ficou deveras impressionado com o que ouviu. Acredito que de 1964 a 66, foi o período em Hendrix estava com a bola toda, inspiradíssimo, e louco para acontecer após os encorajadores conselhos que lhe dera Muddy Water (foto, com sua Guild S200 Thunderbird, ano 63), afinal era nada mais, nada menos que Muddy Waters, o seu ídolo que lhe dava o aval.
Mas, afinal, o que disse Muddy para Jimmy? Pois bem: quando ele se encontrou com Jimmy pela primeira vez em Chicago, ao notar o seu notável talento - e também lhe dizer que ele se parecia com o bluesman Robert Johnson -, aconselhou: "Vá para Nova York, garoto. Se você quer alguma coisa além desse vida, vá para Nova York". Quanto à opinião de Linda que, se baseando em Bob Dylan, afirmou que Jimi também poderia cantar, houve uma opinião posterior dele em que ele disse sobre seu ídolo: "Você deve admirar um cara por ter a coragem de cantar tão fora do tom."


Tem outro depoimento interessante também – aliás, fantástico – no livro “Jimi Hendrix – O Domador de Raios” (1984), de Ana Maria Bahiana, em que ela fala das primeiras impressões que Hendrix causou em Fayne Pridgeon (a Foxy Lady, foto), que o ouviu em sua estreia no Palm Café em Nova York, em 1965:

“Essa noite ela havia ficado muda. Um rapaz novo, com uma cara estranha – era tímido ou louco aquele olhar perdido? – tinha ficado a noite inteira pentelhando para subir no palco com a banda da casa. Alta madrugada, os veteranos deram uma colher. O garoto subiu, ligou uma velha Fender, esquentou com alguns acordes no compasso do tema e, de repente, teve um troço. Era o que, aquilo? Fayne tinha ouvido falar em possessão de espíritos, nos holy rollers (nome dado aos pregadores e devotos das seitas fundamentalistas que pregavam e praticavam o transe como forma de comunicação com Deus) das igrejas batistas do Sul, seria isso? Mas holy rollers não tocavam guitarra. O garoto começou com um agudo inteiramente fora dos padrões de improviso, e foi distorcendo a nota até que ela se transformasse num rosnado, um ronco demente. Depois, uma cachoeira de notas rápidas, subindo e descendo aparentemente sem lógica: com chamas, uma fogueira, um clarão... Aí ele começou a pinotear pelo palquinho, ergueu a guitarra, passou-a para as costas, sempre tocando, abaixou quase até o chão, contorceu-se, sempre tocando, deu um salto, agachou-se, começou a arrastar-se pelo palco sempre tocando, a língua para dentro e para fora da boca (...).”



Outro que colaborou para a ascensão de Hendrix foi o cantor e guitarrista John Hammond Jr. (foto), filho do famoso crítico de jazz e blues. Segundo ele, o encontro do então Jimmy James com Chas Chandler se deu no Café Wha?, mas sim no noutro café, o Café a Go Go. Na verdade, Chas já havia visto Jimmy no Café Wha? e no  Go Go, acredito, se deram os acertos finais. Ele se recorda do dia em que o ouviu tocando em Greewich Village (onde Jimi conheceu Dylan), em 1966:

"Jimi estava tocando numa espelunca chamada Café Wha, e eu entrei numa noite. Ele estava tocando uma das minhas canções. Gostou de me encontrar e perguntei-lhe como poderia ajudá-lo. 'Me arranje alguma apresentação. Me tira daqui!', ele respondeu. Então arranjei para ele tocar no Café A Go Go e eu trabalhei lá com ele por um mês, com Jimi tocando guitarra solo. Bob Dylan, os Beatles e os Rolling Stones, todos foram lá ver a gente tocar. Então Chas Chandler o levou para Londres. Eu o vi logo depois, e ele havia se tornado um superstar.”


Hammond então, em agosto de 1966, entra para a banda de Jimmy e começam a tocar junto no Café a Go Go. No mês seguinte, após ouvir Jimmy atuando nesta casa, Chas Chandler convence-o a ir para a Inglaterra, o que se dá no dia 23 de setembro.

Acredito que todos os que já ouviram essas histórias do Les Paul, da Fayne Pridgeon, da Linda Keith, do Chas Chandler, do John Hammond Jr. e do próprio Jimmy James, ficam curiosos para saber o que é que ele estava tocando e qual seu nível musical nesse período. Então recomendo a audição destas duas músicas citadas do disco “The Genius of...” e algumas do “Live Cheetah”. Penso que, em se falando de guitarras, não tinha prá ninguém nos anos 60, e ainda tem um bando de leigos na Internet que vivem a dizer que o Jeff Beck tocava mais que o Hendrix!... Uma simples audição destas duas peças basta para notar que o Beck precisava comer muito, mas muito feijão!... Só a distorção e o sustainer animalescos que se pode ouvir em "Love or Confusion", do primeiro disco do Experience, já dá uma pequena amostra de que Hendrix tinha pulverizado todo mundo na Inglaterra. Sobre o Beck, ele não estava tocando tanto assim em 1966 – veja, p. ex., esta música: “Yardbirds - Train Kept A Rollin' (1966 with Jeff Beck )”:

Ouçam, e depois tirem suas conclusões, mas, sinceramente, não dá para comparar... No ano seguinte, com o lançamento do primeiro disco do Experience, só “Manic Depressions” já bastava para tirar Beck (foto) do campo das disputas, e mandar o cara enfiar sua violinha no saco e sair batido... Aliás, não só o Beck, como o Clapton, Page e o Pete Towshend também. "Truth" do Beck e "Wheels of Fire" do Cream são ótimos discos, mas não superam em virtuosismo e inovações os dois primeiros discos do Experience. Isto foi extraído do já citado site Rock Press, onde se analisa o primeiro disco do Experience, e mostra outras facetas inéditas sobre o disco:

“Segundo o texto de Dave Marsh no encarte do Experience (no CD remasterizado e autorizado pela família), Hendrix acertou onde álbuns clássicos como o Pet Sounds, dos Beach Boys, e o Sgt. Pepper’s, dos Beatles, falharam: em momento algum o Experience aboliu a ferocidade do rock and roll em prol de uma superioridade estilística e de uma concepção musical evoluída. Segundo Marsh, os discos citados anteriormente optaram por sacrificar a crueza, o poder e a velocidade pela causa evolucionista. Decididamente Hendrix não o fez. O lado mais negro e selvagem do blues estava presente a todo momento e isso não deixou o disco menos evoluído em relação a outros, e nem menos inventivo.”


Sobre o Beck e o Townshend, vejam a historia que o guitarrista Robertinho do Recife contou num exemplar do jornal Hit Pop de junho de 1977:

“Nos idos de 67, em Londres, numa época em que poucos conheciam Jimi Hendrix, Pete Townshend e Eric Clapton iam entrando na boate Speakeasy quando deram de cara com Jeff Beck que ia saindo naquele momento. Beck, só de maldade, virou-se para Pete e rosnou: ‘Tem um cara aí dentro quebrando o amplificador com a guitarra e fazendo misérias. Melhor você entrar lá e dizer a ele que quem faz isso é você’.”

Essa história, além de deixar entrever que o show estava incomodando o próprio Beck, mostra que ele, enfim, de modo indireto, reconhecia a evidente superioridade de Hendrix. Aliás, se analisarmos a vertiginosa ascensão de Hendrix como músico, cantor, explorador de tecnologias e domínio de estúdio no período compreendido entre 1967 e 1970 – que foi muitissímo superior à de Beck no mesmo período –, imagine-se o que Hendrix não teria feito em meados dos anos 70 quando Beck gravou “Blow by Blow” e “Wired”. É como uma “Regra de 3”, e quem poderia avaliar o que Hendrix estaria fazendo hoje se estivesse vivo!... Realmente, sua morte é uma perda sem precedentes para o mundo da música!

Sobre o primeiro encontro de Jimi com a banda Cream arranjada por Chandler no Regent Polytechnic College logo após sua chegada na Inglaterra, cita-se que ao executarem "Killing Floor", Jimi tocou de tal maneira que dizem que ali ele cometeu definitivamente o deícidio do então "God" Eric Clapton: Jimi, iniciando a música com um feedback destruidor, deixou Clapton arrasado não acreditando no que ouvia. Clapton desabafou: "Ninguém me disse que ele é tão bom." 

Townshend, instado sobre Jimi, foi sincero como Clapton: "Ver Jimi tocando me destruiu! Quer dizer, era difícil ver alguém fazendo o que você sempre quis!"

Beck, por sua vez, numa entrevista décadas depois, não deu o braço a torcer: "Meu relacionamento com ele era difícil, pois ambos estávamos à procura da mesma coisa: um jeito selvagem de tocar"... No entanto, na época, ele teceu este comentário após ouvir Hendrix nas primeiras vezes: “His music hits me straight between the eyes!”, ou seja, dizia que sua música o acertava diretamente na testa, entre os olhos... Aliás, esta frase serviu de título de um dos discos de um dos grandes fãs de Hendrix, Ritchie Blackmore e sua banda Rainbow, o disco lançado em junho de 1982, “Straight Between the Eyes”. 

Beck concedeu em abril de 2010 uma entrevista para o site Telegraph.co.uk onde, finalmente, ele entrega os pontos, e em um trecho ele explica que o guitarrista que realmente o impressionou foi Jimi Hendrix.

“Uma coisa que eu percebi quando eu o vi não foi apenas o seu blues incrível, mas também sua agressão física na guitarra. Suas ações eram todas explosivas. Eu, Eric (Clapton) e Jimmy (Page), fomos amaldiçoados, porque éramos de Surrey (condado situado ao sul da Inglaterra).
Nós todos parecíamos que tínhamos saído de uma vitrine da Burton (loja de roupas masculina mais famosa na Inglaterra). Lá estava o Jimi com sua jaqueta militar, seu cabelo esvoaçante, tocando com os dentes. Nós teríamos adorado ter feito isso.
Quando ele chegou me atingiu como um terremoto. Eu tive que pensar muito sobre o que fazer em seguida. Na verdade, as feridas eram muito profundas e eu tinha que curá-las sozinho.
Eu estava constantemente procurando outras coisas para fazer na guitarra, alcançar novos lugares. Eu tenho que sentir que isso é meu. Se eu não me sinto especial, eu simplesmente não faço."


Convém recordar que em Londres, naqueles tempos, qualquer coisa que os Stones e os Beatles dissessem sobre um artista ou um estilo musical, era aceito como verdade absoluta e indiscutível, e o entusiasmo de John Lennon, Paul McCartney e Mick Jagger muito contribuíram para que artistas como Bob Dylan e James Brown fossem aceitos e reconhecidos na Inglaterra, e assim se deu com Jimi Hendrix.

Enfim, voltando ao assunto principal, e finalizando, depois de si próprio a quem ficam os méritos do sucesso de Hendrix até que ele chegasse na Inglaterra? Enumeremos pela ordem no período que vai de 1964 a 1966:

1- Muddy Waters – que o incentivou a ir para Nova Yorque, pois lá teria sucesso garantido;
2- Fayne Pridgon – que o incentivou a enfrentar o reduto de jazzistas do Palm Café e mostrar sua arte sem medo;
3- Curtis Knight – que elogiava seu talento, abriu espaço em sua banda e o incentivou;
4- Linda Keith – que ajudou Hendrix, incentivou e falou mil maravilhas dele para Chas Clandler, intimando-o a vê-lo e ouvi-lo;
5- John Hammond Jr. - que levou Jimi para tocar num lugar onde pudesse chamar a atenção de artistas mais importantes;
6- Chas Clandler – que se deslumbrou com Hendrix e, finalmente, o levou para a Inglaterra;
7- John Lennon, Paul McCartney e Mick Jagger - que, após vê-lo atuando em Nova Iork, divulgaram Jimi em toda Londres, colaborando assim para sua meteórica ascensão.


Bom, amigos, era o que eu tinha a dizer. Boas audições, conclusões e aprendizados com o nosso mestre Jimi Hendrix!

BIBLIOGRAFIA (25 fontes)
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