.Até pouco tempo atrás, eu não concordava com a famosa frase setentista de Rita Lee, a de que “Rockeiro brasileiro sempre teve cara de bandido”, frase que inclusive virou verso de uma música sua, o rock Ôrra, meu! (Lança Perfume, 1980). Ela própria, por seu envolvimento com drogas, foi vítima do sistema: Rita, em agosto de 1976, aos três meses de gravidez, foi presa em sua própria casa, sob a acusação de porte de drogas, num dos fatos de truculência explícita mais revoltantes da ditadura que vinha dominando o Brasil desde 1964. Imaginem uma mulher jovem, no meio de um monte de cabeludos – a banda Tutti Frutti (foto) –, abrindo as portas para o rock brasileiro feminino e com músicas falando de drogas em plena época da ditadura! O site CCUEC, da Unicamp, escreveu:
"Rita Lee foi roqueira num tempo em que o fato de ser roqueiro era caso de polícia ('... roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido ....'). Os cabeludos eram muito discriminados e eventualmente presos, e uma mulher roqueira era uma afronta quase insuportável."
Hoje, eu vejo a coisa por outra ótica: é que a polícia da época implicava com os cabeludos, não que eles fossem bandidos realmente – o problema era cisma mesmo com gente do ramo: rockeiros, motoqueiros e hippies e, reconheça-se, o envolvimento com drogas – a maconha e o LSD eram indissociáveis da cultura riponga... Houve, na história do cinema brasileiro , uma banda de rock psicodélico, a Spectrum, responsável pela trilha sonora daquele que é considerado o primeiro filme hippie nacional – "Geração Bendita: É isso aí bicho!" (1971) – que durante as filmagens, membros da banda e artistas foram presos e tiveram seus cabelos raspados pelas autoridades moralistas da cidade carioca Nova Fibrurgo.
É um episódio para lá de marcante e hilário – o pessoal preso durante a filmagem! O jornal acima relatou o que o delegado disse ao autuar os artistas em plena filmagem:
“- Corta! Está todo mundo em cana. Ninguém sai de cena. As representações serão, agora, no xadrez, mas com artistas carecas e todos de banho tomado, asseados e limpos.”
Vale lembrar que o movimento rock é que é o determinante no aparecimento dessas tribos, e não alguma forma de bandidagem ou violência. Convém lembrar também que esse pessoal da "Era de Aquarius" não era "inimigo" do estlablishment e tampouco sonhava em tomar as rédeas do controle social, para transformá-lo, no mínimo, em uma revolução contracultural, mas o que eles queriam mesmo apenas era curtir o espírito da filosofia da Nova Era, colocar o pé na estrada num estilo de vida baseado no ócio, voltar à natureza, se amar em liberdade, montar uma banda, transar artesanato, etc., em suma, nada mais nada menos que a utopia escapista da filosofia hippie. Mas o sistema pegava pesado com eles, e em se falando dos hippies, na época, o chefe de relações públicas chamou-os de de "inimigos irreconciliáveis da higiene, cheios de parasitas e frequentes portadores de doenças contagiosas (uma clara alusão às doenças venéreas e à hepatite, subprodutos do amor livre e das injeções de drogas)." Também a morte de grandes ídolos internacionais por seu envolvimento com drogas (Hendrix, Brian Jones, Janis Joplin e Jim Morrisnson), colaborou (e muito) para estigmatizar o pessoal ligado ao rock.
Me recordo que, em minha cidade (Araras/SP), era só a polícia passar e ver um bando de cabeludos em atitudes que nem precisavam ser suspeitas, e lá vinha a tal da “geral”... Aquela moçada feliz, descontraída, "cabeça feita", bebendo cerveja, coca-cola, fazendo ou ouvindo um som e se amando em liberdade, realmente incomodava os “meganhas” acostumados até então com o ingênuo, pacato e ultrapassado footing na praça principal...
Curiosamente, já na época da Jovem Guarda, a cisma com os cabeludos (as inocentes franjinhas dos Beatles...) já dava ibope negativo: uma indústria alimentícia disse que "'aquele cabeludo' daria indigestão aos cliente de sua comida." O cabeludo era nada mais nada menos que o Roberto Carlos ...
Ao contrário do Brasil, nos EUA os hippies eram considerados vagabundos inocentes. Já polícia brasileira da época sabia sim quem eram os verdadeiros bandidos, e para ser bandido não era necessário ser cabeludo, mas simplesmente ser bandido, independente da aparência. Aliás, roqueiro brasileiro nunca posou de visual bandido. Uma coisa era ser consumidor, outra era ser traficante, e a maioria dos rockeiros daquela época, ao que eu saiba, eram apenas consumidores, fato que, reconheça-se, não os exíme da cumplicidade na contravenção. Como bem sabemos, tanto o Raul Seixas quanto a Rita Lee – nossos papas do rock –, nunca traficaram, mas eram usuários, fato que nunca negaram – o Raul bem o disse em seu hit “Não quero mais andar na contra-mão”:
"Hoje uma amiga
Da Colômbia voltou
Riu de mim porque
Eu não entendi
Do que ela sacou
Aquele fumo rolou
Dizendo que tão bom
Eu nunca vi...”
Cita-se que depois que a revolução empreendida pelos tropicalistas passou – caldeirão cultural onde se incluíam a psicodélica banda Os Mutantes –, o rock tupiniquim foi alçado à uma posição marginal no cenário da música brasileira. Em pleno apogeu da era do desbunde – de um lado a emergência da MPB, e de outro o clima pesado da política repressiva – , tudo isso concorreu para que na década de 1970 – como queria a Rita Lee –, o roqueiro brasileiro tivesse "cara de bandido", lembrando que o Maluco Beleza, por seus diversos problemas, foi um dos que mais “colaboraram” para a difusão desse estigma equivocado.
Agora, analise a situação: a maioria esmagadora dos favelados e marginais daquela época não eram cabeludos e barbudos (como forma de distinção de tribos, se assim posso dizer), e nem se trajavam com os adereços típicos dos rockeiros, ou seja, faixas na cabeça, pulseiras, colares, anéis, blusões de couro, botas, tachinhas, etc., aliás, que eu me recorde, bandidos nunca trajaram roupas típicas de rockeiros, no máximo as famosas calças "boca-de-sino" e sapatos "cavalo de aço". Tampouco o sotaque peculiar dos rockeiros tinha a ver com os verdadeiros bandidos. Na foto, bandidos da década de 80 presos em Porto Velho, após assalto ao Banco do Brasil. A legenda original diz que eles pareciam um time de várzea. Alguém aí vê alguma semelhança com roqueiros?
Mas, afinal, aonde quero chegar? É que, atualmente, a frase da Rita Lee tem ser refeita para se adaptar aos tempos atuais, digo, adaptada com mais propriedade: "Funkeiro brasileiro sempre teve cara de bandido". Mas porquê desejo isto? Veja agora os funkeiros e rappers da atualidade: cabeça raspada, touca (em pleno Verão!), tatuagens pesadas – é o mesmo visual dos malandros e contraventores das periferias, das favelas, os mesmo gesticular característico, as mesmas gírias de cadeia, o modo de falar com a mesma entonação de presidiários, em suma, é difícil distinguir um dos outros, aliás, a pergunta que fica é que se são os funkeiros e rappers que se vestem de bandidos, ou vice-versa... Aliás, parece que, atualmente, até membros de torcidas violentas de futebol adotam esse visual... (na foto, um bandido carioca moderno). Em tempo, não nos esqueçamos (jamais!), a ligação entre o cruel assassinato do jornalista Tim Lopes e funkeiros cariocas...
Um site, denominado Funk de Raiz, traz este texto como abertura:
“Em meados dos anos 90, há uma pequena reviravolta no mundo Funk. As equipes de som promovem Festivais de Rap's nas favelas onde haviam bailes e lançam em discos as gravações lá realizadas. Assim surgiram os MC's cantando funk nacional, conhecido como RAP.”
Inclusive, este site menciona como referência, e com orgulho, o nosso grande DJ Big Boy (foto) como se ele tivesse algo a ver com esses bailes funk modernos... Mas, se teve, a deturpação foi total. Nosso maior e inimitável DJ deve estar se revirando em seu túmulo! A propósito, bailes promovidos pelo Big Boy – o grande “Baile da Pesada” –, tocavam Funk verdadeiro (e muito rock e outros estilos também, ou seja, muita diversidade), algo muitíssimo superior – se é que se pode comparar – essa escória de rap e funk que se ouve por aí. Saiba, clicando aqui, quem foi essa fera.
Musicalmente falando, isso que esses cariocas chamam de funk, não tem nada de Funk (com F maiúsculo) – o que aconteceu, na verdade, é que o verdaeiro Funk foi vilipendiado por uma confusão estética, se é que os curtidores do falso funk tem noção disso. Esse "estilo" medíocre dos subúrbios cariocas não tem verdadeiros instrumentistas, suingue, groove, o vocal é linear e sem emoção, e o timbre da voz é horrível – resumindo, não são cantores em hipótese alguma, e tem mais, esse negócio ridículo de neguinho ficar esfregando discos de vinil e dizer que está tocando ou fazendo música, não passa de piada barata. As bandas de Funk autêntico – Funk primórdios da black music, de meados de 1974 até 1991 – chegavam à vezes a ter mais de 20 integrantes, tinham vocais excelentes e tocavam um estilo muito rico em se tratando de música instrumental. Quanto ao Funk carioca autêntico, só para ficar num exemplo, evidencio a grande (em todos os sentidos) banda Black Rio, do célebre Oberdan.
O site Ato ou Efeito, se referindo ao moderno funk carioca, o do estilo pancadão, traz o seguinte: “Não EXISTE música no Funk. É sempre a mesma coisa, sempre a mesma batida e sempre a mesma... coisa”. À esses alienados que desconhecem o verdadeiro Funk, recomendo uma simples audição do mega-hit “Get Off” da danda Foxy – ouçam neste link do You Tube. Agora, veja este funk, o Bonde dos 40 Ladrão, e sua clara apologia ao crime.
Veja agora um dos clássicos do funk original, a música "Pick Up The Pieces", um tema instrumental da banda escocesa Average White Band, peça que vira e meche o Quinteto Onze e Meia, a banda do Programa do Jô, executa:
Se referindo à uma gang de bandidos, o Mooca Chapa Quente, bando que assalta e estupra orientais, o site da Globo noticiou agora, em 19 de maio:
"Membros da quadrilha "Mooca Chapa Quente", que assaltava casas de estrangeiros na Zona Leste de São Paulo e foi presa pela Polícia Civil, não fazia questão de se esconder. Eles planejavam os crimes em bailes funks e divulgavam vídeos de armas e munição na internet. Quem faz parte do bando tem a tatuagem de um cifrão na mão."
O Mooca Chapa Quente e o Bonde dos 40 Ladrão são a mesma galera. Enfim, nada que uma "boa" cadeia resolva, aliás, já resolveu...
O disc jockey carioca Humberto DJ, por sinal nascido no mesmo dia, ano deste que voz escreve (mas no mês de agosto; sou de janeiro) , disse:
“Sou de uma época que o funk era regido pela essência da cultura musical, atrelado aos bons costumes e a prática da verdadeira parceria, com produtores cercados de ética, profissionalismo e um grande 'feeling' em determinar o que seria sucesso ou não.”
Poderia até dizer , à esta altura, que o que se salva no funk carioca são as letras e a mensagem que elas passam, mas, sejamos realistas: elas beiram a total alienação, mediocridade e baixaria – é coisa de analfabeto funcional mesmo; e olha que, nestes tempos doidos, tem gente insensata (me refiro ao Wagner Montes!...) que cria projetos de lei querendo tornar o funk carioca uma manifestação cultural oficial. Em junho deste ano, a funkeira Fernanda Abreu (ex-Blitz) afirmou que o funk carioca é "estudo sociológico"... Vejam o que pesquisador de Ciências Sociais Antonio, o professor Fernando Borges, escreveu em seu blog:
“Cada vez se produzem mais panfletos e menos obras literárias, sendo que no Brasil, como é de hábito, as coisas vão ao exagero: a pretexto de se ‘dar voz aos excluídos’, eleva-se à condição de literatura o discurso dos rappers e funkeiros, malandros e contraventores da periferia das grandes cidades.”
O mesmo DJ acima, se referindo ao teor das letras do funk carioca, escreveu:
“Afinal, neste país quando o assunto é sexo, tráfico e sacanagem a massa aplaude, bate palma, acha engraçado, ao contrário de antigamente, cujo repúdio era mantido, ou melhor ainda é mantido.”
Como se vê, o Rio de Janeiro começou por roubar a capital da Bahia (1763), e agora compete com os baianos para ver quem faz música de pior qualidade: é bundaxé de um lado e funk do outro... Ai, que saudade dos bons tempos do James Brown (outro que está a revirar em seu tumulo) e do verdadeiro e original Funk!
Pois é, meus caros, como se vê, entre os "bichos" dos rockeiros e o "manos" dos funkeiros e bandidos há um abismo imenso... Flower & Power era paz e amor mesmo, e não essa apologia do crime, da violência e da banalização do sexo que fazem essa outra gente, isto para não falar da exploração sexual de menores nos bailes funks financiados pelos traficantes, na favela carioca da Vila Cruzeiro (vide Elias Maluco).
Galera, olha só o comentário que descolei numa comunidade do Orkut, a “Memorias de uma época!”, falando dos rockeiros e dos bandidos do Rio de Janeiro dos anos 70, comentário de um cara que vivenciou intensamente esta época:
“(...) E como ninguém era santo e nem tudo eram flores e boas lembranças, existiam as 'bad-trips' das chamadas 'bolinhas “marcha-ré' (Mandrix, Optalidon, Artânia...), xarope Pambenil (acho que era esse o nome), Melhoral moído no cigarro, fluido de isqueiro, chá de cogumelo, etc...OBS: mas tudo isso parece 'fixinha' tendo em vista do que se consome hoje !!!
Teve gente que tremeu na rua com a simples aproximação de um Dodge preto e branco (Camburão) ou a 'Joaninha', parando para 'dar um bote' nos 'Bichos cheios de grilos na cuca'?
Parece tambem piada, mas se não me falha a memória, só existiam 3 bôcas no RJ: Saçú, Cabeção e Inferno Colorido e nenhum 'bang-bang'na rua, nem balas perdidas, nem essa verdadeira guerra civil atual do trafico.”
O depoimento veio a calhar, e o cara resumiu tudo!
Enfim, viva o James Brown, a Rita e o Raul (e o Foxy também...), e, daqui para adiante, mais respeito com essa "geração bendita"!
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