domingo, 20 de julho de 2008

PARDAL, 100 ANOS DE BRASIL?


Não se pode imaginar a paisagem brasileira sem presença do café, a cana de açúcar, o algodão, certas espécies de bambu, o capim colonião, a mamona e o eucalipto – plantas exóticas introduzidas que promoveram uma verdadeira “colonização da paisagem” no país, dando a inúmeras regiões naturais uma característica estética que originalmente não era a sua, e que a maioria da população, há muito, sempre acreditou ser. Quanto às aves introduzidas, o que dizer, então, do “onipresente” pardal – pássaro exótico que em 2006, segundo o consenso geral, completou 100 anos de Brasil, ave cuja vocalização está entre as mais ouvidas dentre os pássaros que costumam habitar as zonas urbanas?

“Pardo pardal por que palras?

Palro e sempre palrarei

Porque sou o pardal pardo

Palrador d’El Rei.”

(Travalínguas colhido em 1954)



No ano 1983, o filósofo carioca Nataniel Dantas escreveu na revista “Cultura” do MEC (Ministério da Educação e Cultura): “Os pardais (Passer domesticus L.) estão fazendo 81 anos de Brasil, sem que um poeta, um cronista ou os jornais digam alguma coisa”. Ele pode ter se equivocado na estadia do pardal em terras brasileiras, mas agora que chegamos ao provável centenário da introdução deste pássaro no Brasil, é oportuno discorrer sobre ele e suas implicações, que, por ser ave introduzida, é acusado de trazer problemas aos locais onde apareceu, fato que não impediu os mexicanos de transformá-lo em ave símbolo. Sabe-se de naturalistas que tinham verdadeira aversão ao pardal. m deles, o conservacionista e taxidermista Willian Hornoday, em sua “História Natural” escreveu: “Deixa-me molhar a pena em ácido corrosivo; ferve-me o sangue ao pensar que devo escrever seu nome!”. O pardal é citado até mesmo na Bíblia em alguns salmos (84; 102). Nelson Vainer cita a famosa a história de Frederico Guilherme II da Prússia, o Grande, Rei da Prússia (1740-1786) “que, irritado contra os pardais, estipulava um prêmio de seis cêntimos pela cabeça de cada pardal morto. Resultado: a destruição desta ave foi rápida e os insetos, livres desse de seu terrível inimigo, atacaram de tal forma as culturas a ponto de as árvores frutíferas nem sequer chegaram a dar folha. Outro resultado: o mesmo monarca, certo que cometeu outro erro gravíssimo, revogou o seu decreto e estipulou outro preço – a importação de pardais!”

No Brasil é personagem de lendas de cunho religioso ou não. Seu nome foi popularizado entre as crianças brasileiras na figura do personagem de histórias em quadrinhos, o Professor Pardal, criado por Carl Barks para os estúdios de Walt Disney em 1952, cujo nome nos EUA é Gyro Gearloose, uma gíria, algo como a popular expressão “fora do cabo”. Na realidade, este personagem não é um pardal, mas sim um frango...

No Brasil, se tem introduzido aves exóticas desde os tempos coloniais. Com fins ornamentais trouxeram o pombo doméstico (Columba livia doméstica), os galináceos (Phasianidae) como provisão alimentar, e até aves com a finalidade de se combater pragas naturais, como o próprio pardal, e, em alguns casos, a introdução foi acidental, como aconteceu com o bico-de-lacre (Estrilda astrild). Pelo que leremos a seguir, poder-se-á constatar que o pardal adquiriu cidadania plena na Terra Brasilis, não honorária, naturalmente...

DISSEMINAÇÃO

É consenso que o pardal surgiu no Velho Mundo já no período Terciário, entre 65 e 2 milhões de anos atrás. A diáspora desta ave, pertencente à família dos Ploceídeos é impressionante: sua disseminação se deu a partir das regiões de entorno da Europa e da Ásia, invadindo, em seguida, a África. Foi introduzido na Austrália, Nova Zelândia, na América do Sul e na do Norte, aonde chegou primeiro a Cuba (1850), depois aos EUA, no ano seguinte, quando 100 pássaros foram soltos em Brooklyn, Nova Iorque. Hoje, a presença do pardal é garantida em quase todos os países do mundo, o que lhe caracteriza como uma éspecie exótica e bioinvasora. A bioinvasão é a chegada, o estabelecimento e a expansão de uma espécie exótica em um local onde não é o seu habitat natural historicamente conhecido, resultante de dispersão acidental ou intencional por atividades humanas (Carlton, 1996). Hoje é encontrado até mesmo no Pólo Norte ou nas estepes geladas da Terra do Fogo (foto) e na Argentina (1872). Consta que o pardal, por seu alto grau de especialização e grande potencial biótico para a vida em um novo meio, dobrou, durante cerca de um século, sua área de distribuição geográfica mundial como resultado de sua introdução, ora intencional, ora acidental, habitando atualmente mais de um quarto do globo, sendo considerado, numericamente, a segunda ou terceira ave do Mundo, tendo à sua frente a galinha doméstica, seguido pelo estorninho (Sturnus vulgaris). Como ave sinantropa, é imbatível, e ao contrário da África, por exemplo, não existem espécies congêneres de exigências bióticas semelhantes. É considerado pássaro com alto quociente de inteligência, estando sempre alerta e desconfiado, inclusive não se deixando domesticar. Sentindo ameaçado, foge imediatamente, estratégia que o tornou ave privilegiada dentre todas no que diz respeito à autodefesa.

NO BRASIL

Não se sabe com precisão quando o pardal veio para cá disputar os beirais de telhados com as residentes andorinhas, e há diversas versões sobre sua introdução no Brasil. Entre as versões mais aceitas destacam-se duas: uma, é a que diz que o engenheiro e prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, autorizou, em 1903, a soltura de exemplares provenientes de Lisboa na região de Campo de Santana. O renomado ornitólogo Helmut Sick cita história algo semelhante, e, assim como Werner Bokermann, dá a data de 1906, e diz que foi Antônio B. Ribeiro, que trouxe de Leça da Palmeira, Portugal, 220 exemplares, para soltá-los na mesma região carioca com a aprovação de Passos, e acrescenta que “alegaram colaboração de Oswaldo Cruz na sua campanha de higienização da cidade, pois os pardais eram considerados inimigos dos mosquitos e outros insetos transmissores das enfermidades que grassavam no Rio”. Curiosamente, o professor Manoel Pereira de Godoy, ex-funcionário do CEPTA, de Pirassununga, em seu livro Contribuição à História Natural e Geral de Pirassununga(1974), citando Helmut Sick, num dado extraído da publicação Zoologia - Boletim do Museu Nacional do Rio de Janeiro, No 207, página 8,diz que “o Prefeito Pereira Passos mandou uma pessoa buscar 200 casais de melros... e trouxe pardais!”.


Na verdade, o pardal se alimenta basicama vacinação em massa, a situação já estava sobre controle e havia apenas 9 casos de febre amarela. A iniciativa de Pereira Passos teve também um conotação simbólica – o prefeito achou que os pardais iam “tornar o rio mais atraente”, fixando não só na terra como nos ares a imagem da civilização que ansiava. Segundo a professora Maria Ercília do Nascimento, por ser pássaro comum nas grandes capitais européias, o pardal foi associado à modernidade e ao progresso. Além destas duas versões, há outras, como a que atribui a um negociante português sediado no Rio Grande do Sul, a encomenda do primeiro casal, e mesmo ao jornalista Assis Chateaubriand, que os teria trazido de Paris para auxiliar as URBs brasileiras. Outra ainda, cita que foi o engenheiro e jornalista Garcia Redondo quem mandou vir pardais da Europa, e, considerando-os “muito proveitosos, sendo insetívoros por excelência”, soltou-os no Rio, em setembro de 1907.


Cita-se que no Recife, os minúsculos insetos conhecidos popularmente como “lacerdinhas”, Gynaikothrips ficorum (Marchal, 1908), infestavam figueiras ornamentais da espécie Ficus retusa (var. nitida Thumb.), do Parque 13 de Maio, e traziam problemas às pessoas que passavam por sobre estas árvores nas horas quentes do dia, caindo-lhes nos olhos, provocando forte irritação com o líquido cáustico que expeliam. Inicialmente cogitou-se de exterminá-los através de fumigação, mas constatou-se que o procedimento seria nocivo às árvores. Não se têm informações precisa sobre quem sugeriu a introdução de pardais neste parque como forma de se erradicar os “lacerdinhas”. Comenta-se que o primeiro casal a entrar no Recife (1964 ?), eram provenientes de Santos, trazidos por um Português. Em 1979, a Prefeitura do Recife, anunciou pela imprensa que iria acabar com a “praga de pardais”, mas temendo a polêmica que tal medida poderia gerar, desistiu de levar a empreitada adiante. Há registros de que estes insetos surgiram no Brasil em 1961, vindos da Ásia Oriental, invadindo, a partir de então, diversos estados brasileiros. Helmut Sick, em seu livro Ornitologia Brasileira, 1997, faz um amplo e minucioso apanhado com localização e datas sobre a disseminação do pardal no Brasil.


Em 5 de abril de 1914, num artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, Rodolpho von Ihering, então assistente do Museu Paulista, atacava violentamente o pardal e sua importação. O professor acusa o pássaro estrangeiro de granívoro e, portanto, destruidor de lavouras. Ressalta ainda o fato do pardal afugentar os úteis pássaros nativos como o tico-tico (comedor de insetos), a corruíra, os anus, os bem-te-vis e as tesouras. Citando um relatório norte-americano sobre a nocividade do pardal, Ihering pediu imediata caça e destruição da ave. Mas Nelson Vainer cita que, mais tarde, Ihering também fora realista com a situação, do qual transcreveu: “Apesar de sermos inimigos declarados desta ave estrangeira (...), devemos agora incluí-lo no rol da nossa fauna, pois em vários pontos do país já se acha o pardal acimado, de forma a não mais podermos nutrir a esperança de um dia vê-lo desaparecer.”


A introdução deliberada de animais, feita sempre sem nenhum estudo científico levando em conta seu impacto, é praticada em todo o planeta e em todas as épocas. Mesmo assim, são imprevisíveis suas implicações, pois nunca se sabe se uma espécie exótica virá a se tornar praga, seja por competir com as espécies nativas, seja comprometendo o meio ambiente e o próprio ser humano. Eurico Santos, denominando-o “calamidade de pena e bico”, acusou o pardal de atacar a corruíra (Troglodytes aedon) e o tico-tico (Zonotrichia capensis), chegando mesmo há afirmar que não havia mais corruíras nos litorais e havia rareamento de tico-ticos. Uma publicação no Nordeste, sob o tema ecologia, apresentou-o como “mau caráter”. Herman von Ihering, afirmando que todas as suas credenciais são negativas, definiu-o como “briguento e egoísta”. A má fama do pardal chegou mesmo a ser cantada em uma marcha lançada no Carnaval de 1948 (Continental, 78 rpm), pelo grupo “Namorados da Lua”, do qual o cantor Lúcio Alves fazia parte.

Há relatos antigos sobre matanças de pardais na Europa. Thomas Keith em O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1988), diz: “Quanto aos pardais, a mesma paróquia (Deeping St. James, Lincolnshire) viu, entre 1764 e 1744, a destruição de cerca de 14 mil, mais 3500 ovos. Freqüentemente, esses troféus eram expostos nos adros das igrejas ou pendurados no estábulo – que Gilbert White (The Natural History of Selborne. 1788, carta para Pennant) chamava ‘o museu do campônio’.”. EM outra passagem menciona: “No começo do século XIX na Inglaterra, o foco deslocou-se novamente e houve uma proliferação de clubes suburbanos de pardais, cujos membros competiam para ver quem matava maior número dessas aves”.

O escritor Sergio Milliet cita que, por volta de 1810, a Câmara de São Paulo insistia sobre a urgência da matança em massa dos tico-ticos e viras, considerados altamente prejudiciais às lavouras. Mais, tarde, em 1820, um edital (Reg. Geral XVI, 119) mandado publicar em todas as freguesias, estabelecia um limite de 24 assassínios para cada “cabeça de casa em particular” e uma multa de 1$200 “contra aquele, ou aqueles, que assim não cumprirem”. Milliet menciona também que os “pássaros continuaram a viver e proliferar, com exceção do pobre tico-tico, hostilizado pelo pardal, que outro administrador entusiasta introduziu no Brasil”.

No município baiano de Souto Soares, em janeiro de 1994, o Centro de Recursos Ambientais da Bahia tentou dar cabo de uma praga de pardais que invadiu a cidade com a ajuda de dois gaviões carijó (Buteo magnisrostris) e quatro caracarás (Polyborus plancus), considerados predadores naturais destas aves. O biólogo Geraldo Aquino, que levou as aves do zoológico de Salvador até a cidade, afirmou que este é um tipo de controle de praga biológico e eficiente. “Um sobrevôo das aves predadoras já é suficiente para espantar os pardais da zona urbana”, citou. Como “pagamento”, as aves ganharam a liberdade.

Em todo o planeta há relatos de competição de aves autóctones com alienígenas, geralmente sempre em detrimento das primeiras. Todas as espécies translocadas que têm se adaptado à novas situações ecológicas, ou se apoderaram de um nicho disponível – o que é bem pouco provável na maior parte dos casos – ou tomaram-no das aves residentes. No caso do Brasil, Sick assevera que ele “encontrou um ‘nicho’ aberto” e sua introdução foi mais artificial do que natural, e houve mesmo quem, se aproveitando do fato de que ele era desconhecido entre as populações do interior, chegou a negociá-lo como ave de gaiola, situação em que o pardal chega a viver 23 anos.


ALIMENTAÇÃO, CARACTERÍSTICAS E PROCRIAÇÃO


Gregário por excelência, seus bandos podem atingir até meio milhar de exemplares. Como não se bastasse a sua onipresença e alta capacidade sinantrópica (adaptação às zonas urbanas), o pardal é onívoro e se alimenta de tudo o que lhe seja possível comer. Sick cita que “é extraordinário como o pardal descobre sempre novas fontes de alimento graças à observação atenta, verificando logo se há vantagem de um novo prato”. Surpreendentemente, em março de 1971, o pardal foi encontrado no Atol das Rocas, ilhas situadas a 250km do continente. Convém ressaltar que neste atol não há água potável e os dois exemplares encontrados – um casal – estavam em péssimo estado. Sobreviveram comendo beldoegra-da-praia (Portulacaceae?) e minúsculos crustáceos conhecidos por “pulgões-da-praia”. Em 1985 foram encontrados 16 exemplares saudáveis, o que denota a alta capacidade adaptativa deste resistente pássaro. O jornalista Nóbrega da Cunha relatou, em pesquisa publicada na revista “O Campo”, uma experiência que sobre a voracidade do pardal. Em um sítio seu em Jacarepaguá, plantou um lote de sementes de um sorgo norte-americano. Em sua experiência, documentada com fotografias, ele menciona que foram devorados 95% dos grãos. Não é consenso geral que o pardal cause prejuízos em hortas e pomares, danificando sementeiras e brotos de mudas de árvores, bem como culturas diversas. Há, porém, estudos comprovando que ele tem preferência pelo arroz, seguindo-se o milho, hortaliças, grãos e frutas.


Apesar de ser pássaro muito conhecido, muitos o confundem ainda com o igualmente popular tico-tico. O macho distingue-se da fêmea (pardoca) por seus tons castanhos mais escuros, possuindo uma coroa cor de chocolate e o bico escuro. Destoa da parceira também pela larga gravata preta no peito e pelo filete castanho-avermelhado que se estende dos olhos à nuca, mais escuro nele. Chamam também a atenção duas listas brancas na coberteira das asas.


À cada estação de acasalamento, o pardal, que é monógamo, procura uma pardoca que esteja próxima para procriar. Eurico dos Santos menciona que um tal de Clark matou as fêmeas de um casal de pardais do dia 25 de março até 1o de junho, e, em princípios de junho o macho já estava com sua quinta fêmea. Os ninhos, enormes em relação à ave, são construídos entre fevereiro e maio. Os lugares para a construção do ninho são os mais diversos, como em vãos de forros de telhados, buracos em edifícios e muros, estruturas de semáforos, campânulas de luzes urbanas, ocasionalmente o fazendo em ocos de árvores e coqueiros, etc. A verticalização das grandes cidades não é favorável à sua acomodação e acarreta seu declínio populacional. Cita-se também que a umidade excessiva exerce influência negativa no pardal e, fato comum, são muito frágeis à temporais e chuvas de granizo. Atualmente, se vê ninhos de pardais até mesmo no emaranhado das fiações elétricas improvisadas nas favelas do país, as populares “gambiarras” (foto). Uma vez pronto o ninho, ele se exibe à companheira eriçando a penugem negra do pescoço. Se isto a seduzir, ela entra no ninho e ambos estão prontos para constituir família. O ninho é macio no interior, forrado de vegetação seca, penas, fios de cordas e papel, porém, bastante desleixado no lado externo, onde já se encontrou até fios de cabelo. No Rio de Janeiro, na época de carnaval, o pardal costuma forrar o ninho com confetes. De um a cinco ovos são postos, e ambos podem incubá-los, revezando em períodos pequenos de alguns minutos cada, com incubação durando até 14 dias. A taxa de mortalidade dos filhotes em seu primeiro ano de existência é alta, mas há referências de que a procriar até três vezes por ano. Eurico dos Santos menciona que um certo Th. Bisschop retirou do ninho de um pardal os ovos, cada vez que eram postos, e, no transcurso de 4 meses, obteve 29 ovos. O mesmo menciona que o pardal, às vezes, se apodera de ninhos de andorinhas e joões-de-barro. Sick menciona que também se aproveita de pombais.


PREDADORES


Muitos falcões e corujas (suindara, Tyto alba) caçam o pardal. Já gatos, cachorros, ratos, gambás (Didelphis sp.), morcegos (Desmodus rotundus) e muitas espécies de serpentes se alimentam de seus filhotes e ovos. Cita-se um caso, que em Rio Claro/SP, “revelou perspectivas de vir a ser controlado pela comuníssima ave parasita brasileira, o chupim, Molothrus bonariensis”, mas, na realidade, todos estão muito aquém de exercer controle populacional sobre o fecundíssimo e “imperialista” pardal. No rio Grande do Sul, o gavião chimango, Milvago chimango, bem como o anu-branco, Guira guira, foram vistos saqueando ninho de pardais.

O pardal, no que tange ao tema “aves nocivas ao homem”, não chega a ser pior que outras aves residentes com características semelhantes (vide caturrita, o próprio chupim, etc), aliás, o também exótico pombo-doméstico tem se mostrado bem mais nocivo que o pardal. Seus ninhos podem abrigar o barbeiro, percevejo transmissor da doença de Chagas, e, tempos atrás, foi realmente confirmada no pardal a presença de Toxoplasma gondii, micróbio causador da toxoplasmose, mas não há relatos de epidemias. Werner C. A. Bokermann, biólogo do zoológico de São Paulo, diz que ele é responsabilizado pela transmissão da bouba, virose comum a aves domésticas. Apesar de ser acusado de competir na alimentação com canários-da-terra ou afugentar pássaros como as andorinhas e corruíras, desalojando-os de seus ninhos, o fato não chega a constituir um problema sério. O pardal também tem seus pontos positivos: há relatos de que, em época de reprodução, destrói quantidades consideráveis de insetos em plantações, e colabora com a limpeza das cidades se alimentando de resíduos e lixos domésticos. Não há mais nada o que se fazer para se erradicá-lo do país, talvez seja mesmo desnecessário. Helmut Sick chegou mesmo a considerá-lo “inexterminável”, mas não se sabe com precisão se a situação é irremediável. Em 1972 foi proposto a “Semana de Combate ao Pardal”, campanha que acabou não vingando. Assim como as cobras, o pardal veio a se tornar vítima de propaganda injusta, baseada apenas nas opiniões nem sempre corretas do senso comum, com direito ao primeiro lugar no pódio de animal nocivo pela Portaria no 1 de 5-1-1957. É oportuno relembrar o escritor Vivaldo Coaracy: “Não haverá nisso muito preconceito, talvez até um pouco de xenofobia, por ser o pardal ave importada?”.

Gustavo Pacheco, membro do OAP - Observadores de Aves de Pernambuco, comentou:“Certamente, se um dia acontecer de todas as espécies nativas abandonarem os centros urbanos, ficará o fiel pardal para nos consolar”. Curiosamente, na obra de ficção científica “A Máquina do Tempo” (1869), o escritor H. G. Wells, menciona a existência de pardais no ano de 802.701. Caluniado como é, só restaria ao “raçudo” pardal o reconhecimento de granjear, tal como as baratas, a fama de antediluviano – per omnia saecula saeculorum...


BIBLIOGRAFIA

Contatar autor.



INTERNET

www.sombras.com.br/lucio/lucio.htm

www.saudeanimal.com.br


– Foto P&B do pardal nas fiações elétricas: Robson Fernandes. O Estado de São Paulo, 2003.

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segunda-feira, 14 de julho de 2008

ENTREVISTA INÉDITA: JOÃO RICARDO EXPLICA O FIM DOS SECOS E MOLHADOS!

Atenção, galera, diretamente da ARCA DO COBRA, uma entrevista inédita (na internet), sobre o polêmico fim da célebre banda Secos e Molhados. A entrevista foi publicada no jornal Hit Pop, encarte da revista POP, no distante setembro de 1974.

HIT POP ENTREVISTA JOÃO RICARDO: “OS SECOS E MOLHADOS JÁ EXISTIAM ANTES DO NEY E DO GERSON. POR QUE NÃO PODEM CONTINUAR SEM ELES?”

Entrevista a Carlos Eduardo Caramez



Com a saída de Ney Matogrosso e Gérson Conrad, os Secos e Molhados ficaram reduzidos a um só: João Ricardo. É o fim do conjunto? Não, diz o esperançoso João Ricardo. E afirma que o grupo pode sobreviver à deserção de sua maior estrela.

POP - Queremos que você conte, desde o início, como foi a separação dos Secos e Molhados. A sua versão oficial.

João - Eu prefiro que você me faça perguntas a eu contar uma história qual­quer. Não quero responder ao que vem saindo na imprensa, porque achei algumas matérias parciais e não acredito que o Ney tenha dito certas coisas que saí­ram nos jornais.

POP - Seus desentendimentos com o Gérson foram o resultado de uma disputa entre os dois?

João - Não. Nunca houve esse tipo de problema entre nós.

POP - Então por que a música Trem Noturno, de Gérson, não entrou neste último LP?

João - Porque não estava de acordo com a filosofia dos Secos e Molhados, musicalmente falando, inclusive.

POP - E qual era a filosofia dos Secos e Molhados? Era você que estabelecia as coisas ou tudo era feito mesmo de comum acordo?

João - Bem, nós éramos um grupo em que cada um tinha sua função especifica. A minha, mesmo antes dos Secos e Molhados, era compor. Eu componho desde os 15 anos de idade. Então, normalmente, as músicas todas eram minhas. O Gérson começou a compor a partir dos Secos e Molhados, do primeiro disco. Eu sugeri que ele compusesse. Era uma vontade que ele tinha, mas nunca tinha traduzido de forma definitiva.

POP - Havia um líder no grupo? Quem era, se havia?

João - Havia. Era eu.

POP - Até que ponto sua liderança influenciava o trabalho artístico do conjunto?

João - Eu tinha traçado métodos específicos para o grupo. E quando convidei Gérson e Ney para fazerem parte deste grupo, disse o que pretendia com ele. E já tinha até as músicas do primeiro disco. As músicas foram aceitas normalmente, nesse caso, ai que deu uma sorte dana­da: estourou em primeiro lugar, e o resto já se sabe...

POP - Em termos do conjunto, o que você mais lamenta?

João - Eu lamento na medida em que o Ney é um belíssimo intérprete e tem uma voz fantástica, ótima para o trabalho que eu estava desenvolvendo. Quando ele apareceu foi maravilhoso. E ia continuar sendo... Mas isso não elimina nada.

POP - Não havia um jeitinho para o conjunto continuar?

João - Veja bem: eu nunca quis forçar nada, com eles. Muito menos forçá-los a ficar comigo – isso era bobagem. Foram decisões puramente pessoais, em que eu não tinha que interferir.

POP - E qual foi o motivo mais fone para a separação?

João - Não houve uma razão especifica. Foi bom... Nós precisávamos dar uma parada, mesmo para uma renovação nossa. Independente de eles terem saído, era importante a gente parar para ver o que podia acontecer...

POP - Então, se tivesse ocorrido essa parada, poderiam voltar os três juntos e o grupo não acabava, não é?

João - Sim, mas aí o Ney desistiu, disse que não queria, que estava a fim de curtir uma outra...

POP - E você diz que mesmo saindo o Ney e o Gérson, es Secos e Molhados continuam?

João - Continuam, claro que continuam.

POP - Engraçado, isso. Você garante que um trio sobrevive sem sua grande vedete e sem o outro músico!

João - Claro, claro! É bom que todos saibam o seguinte: os Secos e Molha­dos já existiam antes do Gérson e do Ney. Acontece que houve um sucesso estrondoso com a segunda formação do conjunto, e a saída deles não implica em que eu interrompa meu trabalho. Entre sempre houve a possibilidade de cada um sair para o seu lado e fazer o seu trabalho.

POP - Os caras que eram do conjunto, antes, saíram ou você mandou embora?

João - Aí foi o contrário. Fui eu que dei o toque. Chegamos a fazer algumas apresentações e tal... Mas ai achei que era outra coisa o que eu queria, e fui tentar. Então convidei o Gérson, depois descobri o Ney, e estouramos. Agora, o que é importante é que o conjunto não terminou. Apenas saíram dois integrantes, que serão substituídos ainda não sei por quem.

POP - O que parece claro é que houve algumas disputas de liderança entre o Ney e você, e também problemas com relação a você boicotar as músicas do Gérson.

João - Não é nada disso, ninguém brigou com ninguém. O Ney chegou e me disse: “Olha, João, eu estou confuso e vou dar uma parada”. E parou mesmo. Quanto ao Gérson. não me falou nada. Eu fiquei sabendo que ele também tinha saído do conjunto quando li a notícia nos jornais.

POP - Tudo bem. Você insiste em negar as acusações do Ney e do Gérson, que os jornais publicaram. O que a gente quer saber então é: você não vai procurar o Ney e o Gérson para passar as coisas a limpo?

João - Não, em absoluto. Eu não vou procurar... Me acusam de um monte de coisas, e eu vou ter que levantar e ir à procura das pessoas? Eu também pode­ria pegar os jornais e falar um monte de coisas, mas aí já estaríamos entrando no nível da fofoca. E eu acho que não pode haver fofoca e gozação com uma coisa que foi muito bonita até agora, que é o Secos e Molhados. Uma coisa que foi feita realmente por todo mundo, pelo Ney, pelo Gérson, por mim – todo mundo deu o que tinha que dar, e foi belíssimo. E chegou a um nível muito alto. Por isso, nem acredito nas declarações do Ney que os jornais publicaram. Nada daquilo que os jornais publicaram é verdade. Eu tenho provas concretas disso.

POP - E o Gérson? Diz que você boicotou o trabalho dele.

João - A única coisa que eu posso dizer é que ele nunca reclamou disso, nunca houve esse tipo de problema. Eu tenho milhares de composições, desde os 1 5 anos de idade. É só fazer uma análise entre as minhas e as composições dele...

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MORACY: “A GANÂNCIA ESTRAGOU TUDO!

Moracy do Val, ex-empresário dos Secos e Molhados, estava na porta do circo onde está apresentando Godspell, no Rio, quando chegou Gérson Conrad com um jornal na mão: “Olha, o conjunto acabou. Vim pra te comunicar pessoalmente”. E não falou mais nada. Mas Moracy abriu o jogo.

POP - Você, que foi acusado de má administração, como é que está se sentindo agora?

Moracy - Moralmente restabelecido, embora um pouco triste. Enquanto es­tive à frente do grupo, o faturamento era excelente e ninguém chiava por causa de dinheiro.

POP - Então que vem a ser a sua má administração?

Moracy - Foi a forma mau-caráter que pai (João Apolinário) e filho (João Ricardo) inventaram para meter a mão no tutu do grupo.

POP - Quem foi o responsável pela sua saída?

Moracy - A ganância de João Ricardo. Ele transformou os Secos e Molhados numa máquina de ganhar dinheiro em seu próprio beneficio.

POP - Como assim?

Moracy - Em princípio, não reconhecia o talento de Gérson como compositor. Até aí parece que é só vaidade. Mas não é. O grilo está nos direitos autorais, que rendem dinheiro.

POP - E por que o Gérson só chiou agora?

Moracy - Antes ele já chiava, sim, mas só de leve.

POP - E como era que o Ney reagia?

Moracy - Ele é uma figura humana sensacional e um excelente profissional. Ele calou muitas vezes para não precipitar os acontecimentos. Mas ficava muito triste e magoado.

FONTE:

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terça-feira, 8 de julho de 2008

AS INSCRIÇÕES FEITAS NAS CASCAS DAS ÁRVORES VÃO PARA CIMA ENQUANTO ELAS CRESCEM?

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“Lendo-os, a gente repassava um dos
mais interessantes capítulos da história
da fazenda. Quem não gosta de um lugar
não deixa espontaneamente nele,
como um pouco de si, o seu nome.”
(...e os Campos de Jordão foram Pindamo-
nhanguaba. Balthazar de Godoy Moreira. 1969)


“Ai! coqueiro do mato! Ai! Coqueiro do mato!
Em vão tentas os céus escalar na investida...”
(Juca Mulato. Menotti del Picchia. 1917)



Não são poucas as pessoas que acreditam que uma inscrição feita na casca de uma árvore vá aos poucos subindo para o alto, imaginando que o tronco cresça para cima. Nada mais equivocado, no entanto esta é uma lógica oriunda mais do universo infantil do que do de adultos, embora entre estes existam crentes nesta falácia. Eu próprio, nos meus tempos de adolescente, fiz uma poesia falando algo semelhante. O assunto dá ibope: em 1998 foi tema de uma questão no vestibular de Biologia da Unesp de Rio Claro, São Paulo.

A crença é antiga e oriunda da poesia bucólica latina. Virgílio (71-19aC) faz menção ao fato em sua obra Bucólicas (X, 52-54); Ovídio (43aC-17dC) cita-o em seu livro Heróides (23), bem como Petrônio (14aC-66aC), que escreveu sobre uma árvore que cresceu e um ramo encobriu as inscrições: Crescit arbor, gliscit ardor, ramus implet litteras. O engano passou da antiguidade à literatura moderna. Vou citar dois exemplos. O primeiro, do poeta brasileiro Fagundes Varella (1841-1875), na poesia "As Letras":

“Na tênue casca de verde arbusto
Gravei teu nome, depois parti;
Foram-se os anos, foram-se os meses,
Foram-se os dias, acho-me aqui.
Mas ai! o arbusto se fez tão alto,
Teu nome erguendo, que mais não vi!
E nessas letras que aos céus subiam
Meus belos sonhos de amor perdi”

O segundo, "Versos de circunstância", é de Jean Cocteau (1889-1963), poeta, dramaturgo, romancista e desenhista francês:

“Em vez de gravá-lo em mármore,
Guarde teu nome numa árvore,
Que ela crescendo, há de ver
Teu nome também crescer”

A título de curiosidade, transcrevo aqui a estrofe de minha infeliz poesia:


“Num gomo de velha palmeira
Gravei meu romance a punhal
No tronco que no céu mergulha
Lá onde não pisa o mortal.”


Desde as primeiras expedições dos catalães e portugueses, tinham os navegantes o costume de gravar os seus nomes em árvores, destacando as espécies baobá (Adansônia digitata) e a dracena (Dracaena draco), que, obviamente, não é o conhecido arbusto ornamental. Nem sempre o faziam por veleidade ou vão desejo de glória; muitas vezes a inscrição era para eles uma espécie de marco, algo como um símbolo de posse, um meio de assegurar à sua pátria os direitos de primeiro colonizador. Os navegantes portugueses escolheram, com frequência, para este fim, a bela divisa do infante D. Henrique, duque de Vizeu: Talent de bien faire

Essas árvores, por seus troncos largos e robustos, era um prato cheio àqueles que gostavam de praticar tais hábitos. A descrição mais antiga de que se tem notícia do baobá data do ano de 1454; é a do veneziano Luís Cadamosto, cujo verdadeiro nome era Alviso ele Ca-da-Mosto. Encontrou ele, na desembocadura do Senegal, onde se juntou a António Usodimare, troncos cujo circuito avaliou em 17 toesas ou seja, aproximadamente, 33 metros. Pôde compará-los com as dracenas que de antes tinha visto. Perrottet, na sua Flora de Senegâmbia, diz ter achado baobás que mediam 10 metros de diâmetro por 23 ou 26 apenas de altura. O botânico Michel Adanson (1727-1806) indicou dimensões iguais na descrição de sua viagem feita em 1748. Os maiores troncos de baobás, que viu com os próprios olhos em 1749, uns nas ilhotas Madalenas, próximo de Cabo Verde, outros na desembocadura do Senegal, tinham de 8 a 9 metros de diâmetro e 23 de altura, com uma coroa de 55 de largura. Adanson acrescenta, porém, que outros viajantes encontraram troncos que chegavam a ter 10 metros de espessura. Navegantes holandeses e franceses tinham gravado os seus nomes nas cascas em letras de 16 centímetros de comprimento. Uma destas inscrições era do século XV, e não do XIV, como, por equívoco, Adanson afirma em sua obra Famílias das plantas, publicada em 1763. Outras não datavam de mais além do século XVI. Adanson calculou a idade das árvores, pela profundidade das incisões que tinham sido cobertas por novas camadas de madeira, e também comparando a sua espessura com a dos troncos das árvores da mesma espécie cuja idade era sabida. Para um diâmetro de 10 metros, Adanson achou uma idade de 5.150 anos.



Quanto ao fato de se crer que uma inscrição numa casa de árvore vá para o alto com o suposto crescimento do tronco e, por isso mesmo, não ser mais visível do chão, há certas espécies que possuem tal capacidade de regeneração que os talhos feitos em sua casca desaparecem por completo com o passar dos anos – uma explicação simples para o sumiço ou a “invisibilidade” de uma inscrição.

O viajante português Augusto Emílio Zaluar, em sua obra Peregrinação pela província de São Paulo – 1860-1861, cita um caso clássico envolvendo D. Pedro I: certa feita, o imperador passando por Guaratinguetá, deixou suas iniciais numa figueira monumental que se situava na entrada da cidade. Zaluar escreveu:

"Aí pernoitou esse dia, e foi por ocasião que entalhou a sua inicial no tronco da figueira. A árvore hoje tem crescido a ponto que as letras P. I., que então ficavam na altura do braço de um cavaleiro, agora tem a elevação de mais de três homens".

Agora, o biólogo e desenhista de botânica Wenilton vai falar: na verdade, o desenvolvimento de uma árvore ocorre de duas maneiras: a primeira pelas extremidades de todos os ramos, nos quais há um grupo de células que se dividem, fazendo-os alongar; a segunda, pelo câmbio, que é uma camada de células que recobre a parte do lenho da árvore. Quando as células do câmbio se dividem, o tronco, os galhos, os ramos e as raízes tornam-se mais grossos. (Na foto, inscrição minha em coqueiro em frente a casa onde eu morava na Usina Palmeiras; ela está na mesma altura de quando foi feita, quando tinha uns 10 anos. Saudades...)

Enfim, o fato de uma inscrição numa árvore ir para cima não passa de mera crendice popular – uma mentira pra lá de cabeluda! Verdade mesmo, só o daquele causo estrelado por um famoso contador de histórias ararense – o velho Civilico que, certa vez, esqueceu seu relógio dependurado numa pequena árvore quando foi pescar e, anos depois, retornando ao local, viu o mesmo lá em cima, num galho da árvore já crescida, e, pasmem, funcionando.. É que um raminho de cipó dava corda no bichinho enquanto crescia!... Êta fumico forte!


BIBLIOGRAFIA (9 fontes):
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O CORUCÃO, UM CURIANGO AMANTE DAS LUZES DA CIDADE

Nas noites de inverno ararenses, quem tem o hábito de olhar para cima, seja para ver a lua, o céu estrelado ou as nuvens, não raro se depara com algumas aves brancas fazendo evoluções sobre as luzes da cidade. Trata-se da ave conhecida popularmente como corucão (Podager nacunda), um tipo de curiango, ave pertencente à família Caprimulgidade. É espécie corpulenta, notável pelo porte, tendo 29,5 cm de comprimento e 71 cm de envergadura.

Chama a atenção pelo branco intenso do ventre, cor esta também encontrada no pescoço anterior, na extremidade da pequena cauda (macho) e nas extremidades medianas das asas (remiges primárias), sob a forma de uma larga faixa. O alto da cabeça é de cor marrom-escuro, o dorso também, porém salpica­do de manchas pretas e amareladas. Os sinais brancos, mais desenvolvidos no macho, se destacam vivamente nas horas do crepúsculo, e na barriga são tão reluzentes que podem passar à cor-de-rosa quando expostos à luz do sol poente – esses sinais podem fazer com que a ave se assemelhe à um quero-quero (Vanellus chilensis), com o qual divide o mesmo habitat, ou a mocinha-branca (Xolmis coronata). Sua plumagem desarmônica e policrômica o camufla perfeitamente no ambiente em que vive, e só nos damos conta de sua presença no momento em que, espantados por nós, alça vôo subitamente dentre as moitas de capim rasteiro. Caso isto aconteça, o bando poderá facilmente ser localizado, bastando para isso olhar atentamente os arredores. O autor localizou um bando nos capinzais recém-cortados e queimados do jardim Rosana, e só deu conta dele quando alguns exemplares levantaram vôo, pois estavam perfeitamente camuflados entre as cinzas e carvões da queimada recente de capinzais, sendo mesmo quase impossível localizá-los (foto acima). O bico é provido de cerdas (vibrissas) tal corno os pelos sensoriais dos gatos, atribuindo-se à eles diversas funções. Os pés são pequenos, sendo que a unha do dedo médio possui também pequenas cerdas, dando-lhe o formato de um pente (unha pectinada). Este motivo, os distingue dos quero-queros, pois o corucão fica o tempo todo repousando com o ventre colado ao chão, enquanto os quero-queros caçam insetos caminhando entre a vegetação.

Sua silhueta de vôo (desenho), muito bonita quando vista de frente, é semelhante ao mocho-dos-banhados (Asio flammeus). Muito hábil no voar, é um verdadeiro acrobata aéreo – para perseguir os insetos em seu vôo irregular, faz manobras rápidas e ágeis, dá mergulhos fulminantes, freadas inesperadas em vôo reto, faz curvas abruptas para qualquer lado e ângulo. Chega até a librar no ar como os beija-flores, combinando o vôo rasante dos andorinhões (Apodidade sp.) com o voar ondulado dos quero-queros, tudo em movimentos silenciosos devido à maciez de suas penas.

Costuma sair do repouso cerca de meia hora depois do pôr-do-sol, não levantando vôo juntos. Caça em bandos, à procura de insetos, voando alto por cima das águas e dos campos, quando patrulha seguidamente uma área e faz mudanças bruscas de direção.. Chega a voar durante o dia, caso as nuvens obscureçam o sol. Pousa em estacas, e chega, à noite, a pousar próximo dos refletores das praças, fato observado pelo autor na praça “Calçadão”. Nas horas de caça, são facilmente visíveis no céu com seus vultos brancos destacando-se sobre à iluminação urbana refletida no céu. Nos eventos noturnos no Parque Ecológico, na época de inverno, chamam a atenção por caçarem voando alto por sobre as luzes do recinto. Em regiões selvagens, se avistam queimadas, lá se vai o bando a caçar os insetos expulsos pelo fogo, e chegam a voar tão baixo e de modo arriscado, que podem ser vistos à luz das labaredas. O fato de o corucão caçar sobre as luzes das cidades, talvez seja uma modificação desse hábito primitivo. Durante o período das secas, que vai de abril à setembro, são vistos mais facilmente à noite caçando insetos à grande altura sobre a luz laranja dos refletores de vapor de sódio (lâmpada Lucalox): essa luz com cor alaranjada semelhante à dos crepúsculos, o corucão tem por ela uma predileção especial. Ao que parece, junho é o mês que o corucão começa a freqüentar a zona urbana em busca de insetos. Aliás, desde que a administração municipal começou a trocar as luzes de vapor de mercúrio das ruas e avenidas (que desde meados da década de 1960 davam uma luminosidade azulada à cidade) pelas econômicas lâmpadas de vapor de sódio, os corucões começaram a caçar de modo disperso na zona urbana, ao contrário do que acontecia no início da década de 1990, quando poucos edifícios usavam esta última luz, como, p. ex., p. ex.. a Torque, a Civemasa e a igreja Matriz. Esta adaptação às luzes urbanas, é provável que possa levar o corucão à sinantropia, ou seja, à buscar gramados para repouso diurno dentro da zona urbana, fato que se deu há muito tempo com o quero-quero, que começou a freqüentar os campos de futebol.

Em setembro de 1970, a Enciclopédia Bloch fez uma previsão que levou cerca de 25 anos para se cumprir: “Dentro de pouco tempo, as cidades serão mais belas à noite. É que suas avenidas, ruas e praças estarão iluminadas pela lâmpada Lucalox – criada e desenvolvida por engenheiros norte-americanos. A Lucalox, utilizando o vapor de sódio metálico em altas temperaturas e pressões, apresenta uma eficiência de quase o dobro das grandes lâmpadas a vapor de mercúrio. E isto, além de proporcionar um índice de iluminação jamais atingido, significa uma sensível redução de postes e luminárias dos tempos atuais. (...) Trata-se da maior fonte de luz artificial jamais conseguida pelo homem, que utiliza o vapor de sódio metálico em altas temperaturas. Montadas em postes de 9 metros, espaçados de 26 metros, apresentam uma eficácia de mais de 100 lúmens por watt, quase o dobro das grandes lâmpadas de vapor de mercúrio. Em futuro próximo, segundo a previsão dos cientistas, as cidades, praças, ruas, aeroportos e todas as grandes áreas que necessitem de grande iluminação poderão manter excelente luminosidade com muito menos luminárias e postes, graças à Lucalox, considerada a luz do futuro.”

O corucão não tem um canto atrativo como os curiangos comuns. Costuma, como a maioria, cantar com mais freqüência nas horas crepusculares e em noites de luar. Voz: “pro-pro-pro...”, “trro ttt-rro” ou “prrr-du” (canto conto um sapo, seqüências prolongadas).

Ouça no link abaixo algumas vocalizações do corucão:

http://www.xeno-canto.org/sounds/uploaded/BEYMZHZHIB/Podager_nacunda.mp3

http://www.xeno-canto.org/sounds/uploaded/AOPMSCIDIA/Podager_nacunda_SC.mp3

http://www.xeno-canto.org/sounds/uploaded/BEYMZHZHIB/Podager_nacunda_III.mp3


O corucão não faz ninhos, pondo diretamente sobre a terra, areia ou pedras. Em geral, põe dois ovos elípticos, com os pólos iguais. São muito miméticos, fortemente salpicados.

Além dos locais citados, o corucão pode ser encontrado em paisagens abertas, pastos, campos limpos próximos dos curso d’água e cerrados. Um lugar da cidade onde ele pode ser encontrado durante o dia é nos gramados do aeroclube.



Veja alguns vídeos do corucão nos links abaixo:

http://ibc.hbw.com/ibc/phtml/votacio.phtml?idVideo=4759&Podager_nacunda

http://ibc.hbw.com/ibc/phtml/votacio.phtml?idVideo=4758&Podager_nacunda

* Fotos e desenhos do autor.

FONTE:

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