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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

GARIBALDI INVADE ARARAS!

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O leitor talvez estranhe esse enunciado, mas é a mais pura realidade: o Garibaldi está mesmo invadindo a cidade! E ele vêm em bandos numerosos, vem fazendo alarde, invadem as ruas e as praças, muito embora há os que não percebam essa invasão... Houve pelos menos um observador, que, à serviço das causas ambientais, munido de um binóculo, ao se deparar com o bando ao longe, constatou: “– Sim, olha lá: é mesmo o tal do Garibaldi!!”: este que isto vos escreve...

Não, leitor, eu não estou delirando nem afirmando que o legendário Giuseppe Garibaldi ressuscitou e está invadindo a cidade. Não, eu não me refiro ao herói da Guerra de Farrapos – o mesmo da minissérie da Globo, personagem tão homenageado em Araras nos tempos da extinta colônia italiana “Società Independente Progressista Umanitária”. Eu explico.

Neste mesmo blog, em matéria semelhante, eu alertarei sobre uma nova espécie de ave – a Lavadeira-mascarada (Fluvicola nengeta) –, que se instalou nos jardins da praça Barão pela primeira vez, o que se deu no ano de 2003. Chamava a atenção o fato, pois é ave exclusiva de ambientes aquáticos. Em fevereiro de 2008, em socozinho (Butorides striatus) foi visto na fonte d’água em frente à banca de jornais do Orpinelli.

Agora, há algo mais no ar além da chuva de carvão particulado das queimadas. Coisa de pouco mais de dois anos, numa verdadeira invasão, uma nova espécie de ave chegava à zona urbana – o Garibaldi (Agelaius ruficapillus), ave muito popular entre os que costumam fazer pescarias próximos à brejais e alagadiços, também conhecido como Do-re-mi. Tal como a Lavadeira, o Garibaldi também vive em wetlands (áreas alagadas), mais especificamente no meio de taboais. Surpreendentemente, na praça Barão, p. ex., eles não costumam ficar na vegetação da fonte nem nos dois lagos, mas sim no alto das árvores, onde chamam a atenção por cantarem constantemente, e com um canto bem atrativo, possuindo um chiado característico. Na verdade, os bandos estão sendo vistos em todas as praças da região central, e até mesmo nos arvoredos de ruas e residências, isto, sem o mesmo retraimento de quando estão nos brejais, pois ficam marinhando despreocupadamente pela ramaria das árvores, e sequer se assustam com o trânsito e as pessoas, o que é notável para uma ave que em seu habitat original é arredia. Eles surgem na região central da cidade em agosto ficando, ao que parece, até outubro.


Este é mais um dos chamados casos de sinantropia envolvendo pássaros, ou seja, o de espécies que conseguem freqüentar a zona urbana ou mesmo se adaptar sem grandes dificuldades a um ambiente diferente do seu. No entanto, ao contrário da Lavadeira, o Garibaldi não se instalou e nem procria na zona urbana, mas apenas a freqüenta diuturnamente quando lhe dá na veneta. Não podemos afirmar, por enquanto, que, como a Lavadeira, o Garibaldi tenha alguma estratégia para vir a sobreviver um dia neste novo ambiente, mas, por viver nos brejais, talvez não encontre um refúgio similar na zona urbana onde possa se fixar.


Curiosamente, existe ainda uma outra ave da mesma família que habita os brejais – o Chopim-do-brejo (Pseudoleistes guirahuro) –, que vem sendo visto freqüentando os canaviais. Quem vai ou vem de Rio Claro, poderá vê-los às vezes sobrevoando as plantações, ou pousados nas fiações elétricas que marginam a rodovia. Um dia, num final de tarde, tive a impressão que um bando deles adentraram um canavial para pernoitar. E eu pergunto, qual o motivo de o Chopim-do-brejo estar sendo visto nos canaviais? Mais adiante eu sugiro algumas pistas.


À primeira vista, o Garibaldi pode lembrar o popular Chopim (Molothrus bonariensis), ave de plumagem negra e da mesma família, mas o que o distingue é a cor ferrugínea do alto da cabeça, garganta e peito (foto). A fêmea é de cor pardo-olivácea, garganta amarelada e o corpo todo estriado. Quando em grandes brejais, forma bandos de centenas de indivíduos, tornando-se a espécie mais numerosa ali. São pássaros alegres e notáveis cantores, possuindo voz estridente e chamativa, é a que mais se destaca neste ambiente. Alguém poderia perguntar: “– Por que o nome Garibaldi? Veio do Giuseppe seu nome?” Os dicionários afirmam que Garibaldi é o nome de um casaco curto de mulher ou blusa vermelha que se veste exteriormente, o que nos remete às cores que adornam a parte frontal do Garibaldi


Um outro cidadão, mais romântico, poderia imaginar que, um belo dia de Primavera, algum exemplar extraviado passou pela praça Barão e achou-a atraente. Depois voltou aos taboais do lado Leste ou Oeste da cidade e avisou aos colegas da novidade, e, desde então, eles deixam os brejais e vêm visitar as praças e fazer um footing à sua maneira, cantando e passeando animados pelos arvoredos que sombreiam as alamedas. A Ornitologia afirma que ele é tem tendências nômades, aliás, Garibaldis tem sido vistos junto de bandos de Chopins. Na Central de Abastecimento se reúnem bandos que ali são alimentados pelos funcionários. Há também uma senhora na rua Dom Bosco, descendo o Oratório São Luís, que consegue atraí-los num comedouro em seu quintal, atitude que vem colaborar para a sua “fixação” na cidade. É provável que os Garibaldis tenham, de alguma forma, acompanhado os Chopins em suas incursões pela cidade, mas, a coisa pode não ser bem assim: se você leitor, está entre aqueles que não notou que o Garibaldi está mesmo invadindo Araras, é hora de não só afinar os ouvidos como também procurar se informar dos assuntos que dizem respeito à Ecologia, e saber que, é possível que, com o avanço galopante dos canaviais, aterros, dragagens de rios e a construção de represas e barragens, etc., o que implica na destruição dos pântanos, várzeas, banhados e brejais, isto talvez esteja obrigando, a contragosto, o Garibaldi e outras aves a invadirem a cidade.

As wetlands estão entre os ecossistemas mais férteis e produtivos do mundo. São habitats imprescindíveis para inúmeras espécies vegetais e animais, desempenhando importante papel na regularização dos ciclos hidrológicos, na filtragem da poluição, na reciclagem de nutrientes, etc. Enfim, sugiro à administração que é chegada a hora de deter o avanço humano sobre estes preciosos ecossistemas e criar-se medidas eficientes para conter sua destruição, como, p. ex., fazer um levantamento das wetlands e instituir incentivos fiscais aos particulares que as conservem. É o mínimo que se pode fazer para evitar desastres piores do que a aparentemente festiva invasão do Garibaldi a Araras. Ainda assim, nesta Primavera, não deixemos de dar nossas boas vindas ao animado Garibadi.

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BIBLIOGRAFIA

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domingo, 20 de julho de 2008

PARDAL, 100 ANOS DE BRASIL?


Não se pode imaginar a paisagem brasileira sem presença do café, a cana de açúcar, o algodão, certas espécies de bambu, o capim colonião, a mamona e o eucalipto – plantas exóticas introduzidas que promoveram uma verdadeira “colonização da paisagem” no país, dando a inúmeras regiões naturais uma característica estética que originalmente não era a sua, e que a maioria da população, há muito, sempre acreditou ser. Quanto às aves introduzidas, o que dizer, então, do “onipresente” pardal – pássaro exótico que em 2006, segundo o consenso geral, completou 100 anos de Brasil, ave cuja vocalização está entre as mais ouvidas dentre os pássaros que costumam habitar as zonas urbanas?

“Pardo pardal por que palras?

Palro e sempre palrarei

Porque sou o pardal pardo

Palrador d’El Rei.”

(Travalínguas colhido em 1954)



No ano 1983, o filósofo carioca Nataniel Dantas escreveu na revista “Cultura” do MEC (Ministério da Educação e Cultura): “Os pardais (Passer domesticus L.) estão fazendo 81 anos de Brasil, sem que um poeta, um cronista ou os jornais digam alguma coisa”. Ele pode ter se equivocado na estadia do pardal em terras brasileiras, mas agora que chegamos ao provável centenário da introdução deste pássaro no Brasil, é oportuno discorrer sobre ele e suas implicações, que, por ser ave introduzida, é acusado de trazer problemas aos locais onde apareceu, fato que não impediu os mexicanos de transformá-lo em ave símbolo. Sabe-se de naturalistas que tinham verdadeira aversão ao pardal. m deles, o conservacionista e taxidermista Willian Hornoday, em sua “História Natural” escreveu: “Deixa-me molhar a pena em ácido corrosivo; ferve-me o sangue ao pensar que devo escrever seu nome!”. O pardal é citado até mesmo na Bíblia em alguns salmos (84; 102). Nelson Vainer cita a famosa a história de Frederico Guilherme II da Prússia, o Grande, Rei da Prússia (1740-1786) “que, irritado contra os pardais, estipulava um prêmio de seis cêntimos pela cabeça de cada pardal morto. Resultado: a destruição desta ave foi rápida e os insetos, livres desse de seu terrível inimigo, atacaram de tal forma as culturas a ponto de as árvores frutíferas nem sequer chegaram a dar folha. Outro resultado: o mesmo monarca, certo que cometeu outro erro gravíssimo, revogou o seu decreto e estipulou outro preço – a importação de pardais!”

No Brasil é personagem de lendas de cunho religioso ou não. Seu nome foi popularizado entre as crianças brasileiras na figura do personagem de histórias em quadrinhos, o Professor Pardal, criado por Carl Barks para os estúdios de Walt Disney em 1952, cujo nome nos EUA é Gyro Gearloose, uma gíria, algo como a popular expressão “fora do cabo”. Na realidade, este personagem não é um pardal, mas sim um frango...

No Brasil, se tem introduzido aves exóticas desde os tempos coloniais. Com fins ornamentais trouxeram o pombo doméstico (Columba livia doméstica), os galináceos (Phasianidae) como provisão alimentar, e até aves com a finalidade de se combater pragas naturais, como o próprio pardal, e, em alguns casos, a introdução foi acidental, como aconteceu com o bico-de-lacre (Estrilda astrild). Pelo que leremos a seguir, poder-se-á constatar que o pardal adquiriu cidadania plena na Terra Brasilis, não honorária, naturalmente...

DISSEMINAÇÃO

É consenso que o pardal surgiu no Velho Mundo já no período Terciário, entre 65 e 2 milhões de anos atrás. A diáspora desta ave, pertencente à família dos Ploceídeos é impressionante: sua disseminação se deu a partir das regiões de entorno da Europa e da Ásia, invadindo, em seguida, a África. Foi introduzido na Austrália, Nova Zelândia, na América do Sul e na do Norte, aonde chegou primeiro a Cuba (1850), depois aos EUA, no ano seguinte, quando 100 pássaros foram soltos em Brooklyn, Nova Iorque. Hoje, a presença do pardal é garantida em quase todos os países do mundo, o que lhe caracteriza como uma éspecie exótica e bioinvasora. A bioinvasão é a chegada, o estabelecimento e a expansão de uma espécie exótica em um local onde não é o seu habitat natural historicamente conhecido, resultante de dispersão acidental ou intencional por atividades humanas (Carlton, 1996). Hoje é encontrado até mesmo no Pólo Norte ou nas estepes geladas da Terra do Fogo (foto) e na Argentina (1872). Consta que o pardal, por seu alto grau de especialização e grande potencial biótico para a vida em um novo meio, dobrou, durante cerca de um século, sua área de distribuição geográfica mundial como resultado de sua introdução, ora intencional, ora acidental, habitando atualmente mais de um quarto do globo, sendo considerado, numericamente, a segunda ou terceira ave do Mundo, tendo à sua frente a galinha doméstica, seguido pelo estorninho (Sturnus vulgaris). Como ave sinantropa, é imbatível, e ao contrário da África, por exemplo, não existem espécies congêneres de exigências bióticas semelhantes. É considerado pássaro com alto quociente de inteligência, estando sempre alerta e desconfiado, inclusive não se deixando domesticar. Sentindo ameaçado, foge imediatamente, estratégia que o tornou ave privilegiada dentre todas no que diz respeito à autodefesa.

NO BRASIL

Não se sabe com precisão quando o pardal veio para cá disputar os beirais de telhados com as residentes andorinhas, e há diversas versões sobre sua introdução no Brasil. Entre as versões mais aceitas destacam-se duas: uma, é a que diz que o engenheiro e prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, autorizou, em 1903, a soltura de exemplares provenientes de Lisboa na região de Campo de Santana. O renomado ornitólogo Helmut Sick cita história algo semelhante, e, assim como Werner Bokermann, dá a data de 1906, e diz que foi Antônio B. Ribeiro, que trouxe de Leça da Palmeira, Portugal, 220 exemplares, para soltá-los na mesma região carioca com a aprovação de Passos, e acrescenta que “alegaram colaboração de Oswaldo Cruz na sua campanha de higienização da cidade, pois os pardais eram considerados inimigos dos mosquitos e outros insetos transmissores das enfermidades que grassavam no Rio”. Curiosamente, o professor Manoel Pereira de Godoy, ex-funcionário do CEPTA, de Pirassununga, em seu livro Contribuição à História Natural e Geral de Pirassununga(1974), citando Helmut Sick, num dado extraído da publicação Zoologia - Boletim do Museu Nacional do Rio de Janeiro, No 207, página 8,diz que “o Prefeito Pereira Passos mandou uma pessoa buscar 200 casais de melros... e trouxe pardais!”.


Na verdade, o pardal se alimenta basicama vacinação em massa, a situação já estava sobre controle e havia apenas 9 casos de febre amarela. A iniciativa de Pereira Passos teve também um conotação simbólica – o prefeito achou que os pardais iam “tornar o rio mais atraente”, fixando não só na terra como nos ares a imagem da civilização que ansiava. Segundo a professora Maria Ercília do Nascimento, por ser pássaro comum nas grandes capitais européias, o pardal foi associado à modernidade e ao progresso. Além destas duas versões, há outras, como a que atribui a um negociante português sediado no Rio Grande do Sul, a encomenda do primeiro casal, e mesmo ao jornalista Assis Chateaubriand, que os teria trazido de Paris para auxiliar as URBs brasileiras. Outra ainda, cita que foi o engenheiro e jornalista Garcia Redondo quem mandou vir pardais da Europa, e, considerando-os “muito proveitosos, sendo insetívoros por excelência”, soltou-os no Rio, em setembro de 1907.


Cita-se que no Recife, os minúsculos insetos conhecidos popularmente como “lacerdinhas”, Gynaikothrips ficorum (Marchal, 1908), infestavam figueiras ornamentais da espécie Ficus retusa (var. nitida Thumb.), do Parque 13 de Maio, e traziam problemas às pessoas que passavam por sobre estas árvores nas horas quentes do dia, caindo-lhes nos olhos, provocando forte irritação com o líquido cáustico que expeliam. Inicialmente cogitou-se de exterminá-los através de fumigação, mas constatou-se que o procedimento seria nocivo às árvores. Não se têm informações precisa sobre quem sugeriu a introdução de pardais neste parque como forma de se erradicar os “lacerdinhas”. Comenta-se que o primeiro casal a entrar no Recife (1964 ?), eram provenientes de Santos, trazidos por um Português. Em 1979, a Prefeitura do Recife, anunciou pela imprensa que iria acabar com a “praga de pardais”, mas temendo a polêmica que tal medida poderia gerar, desistiu de levar a empreitada adiante. Há registros de que estes insetos surgiram no Brasil em 1961, vindos da Ásia Oriental, invadindo, a partir de então, diversos estados brasileiros. Helmut Sick, em seu livro Ornitologia Brasileira, 1997, faz um amplo e minucioso apanhado com localização e datas sobre a disseminação do pardal no Brasil.


Em 5 de abril de 1914, num artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, Rodolpho von Ihering, então assistente do Museu Paulista, atacava violentamente o pardal e sua importação. O professor acusa o pássaro estrangeiro de granívoro e, portanto, destruidor de lavouras. Ressalta ainda o fato do pardal afugentar os úteis pássaros nativos como o tico-tico (comedor de insetos), a corruíra, os anus, os bem-te-vis e as tesouras. Citando um relatório norte-americano sobre a nocividade do pardal, Ihering pediu imediata caça e destruição da ave. Mas Nelson Vainer cita que, mais tarde, Ihering também fora realista com a situação, do qual transcreveu: “Apesar de sermos inimigos declarados desta ave estrangeira (...), devemos agora incluí-lo no rol da nossa fauna, pois em vários pontos do país já se acha o pardal acimado, de forma a não mais podermos nutrir a esperança de um dia vê-lo desaparecer.”


A introdução deliberada de animais, feita sempre sem nenhum estudo científico levando em conta seu impacto, é praticada em todo o planeta e em todas as épocas. Mesmo assim, são imprevisíveis suas implicações, pois nunca se sabe se uma espécie exótica virá a se tornar praga, seja por competir com as espécies nativas, seja comprometendo o meio ambiente e o próprio ser humano. Eurico Santos, denominando-o “calamidade de pena e bico”, acusou o pardal de atacar a corruíra (Troglodytes aedon) e o tico-tico (Zonotrichia capensis), chegando mesmo há afirmar que não havia mais corruíras nos litorais e havia rareamento de tico-ticos. Uma publicação no Nordeste, sob o tema ecologia, apresentou-o como “mau caráter”. Herman von Ihering, afirmando que todas as suas credenciais são negativas, definiu-o como “briguento e egoísta”. A má fama do pardal chegou mesmo a ser cantada em uma marcha lançada no Carnaval de 1948 (Continental, 78 rpm), pelo grupo “Namorados da Lua”, do qual o cantor Lúcio Alves fazia parte.

Há relatos antigos sobre matanças de pardais na Europa. Thomas Keith em O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1988), diz: “Quanto aos pardais, a mesma paróquia (Deeping St. James, Lincolnshire) viu, entre 1764 e 1744, a destruição de cerca de 14 mil, mais 3500 ovos. Freqüentemente, esses troféus eram expostos nos adros das igrejas ou pendurados no estábulo – que Gilbert White (The Natural History of Selborne. 1788, carta para Pennant) chamava ‘o museu do campônio’.”. EM outra passagem menciona: “No começo do século XIX na Inglaterra, o foco deslocou-se novamente e houve uma proliferação de clubes suburbanos de pardais, cujos membros competiam para ver quem matava maior número dessas aves”.

O escritor Sergio Milliet cita que, por volta de 1810, a Câmara de São Paulo insistia sobre a urgência da matança em massa dos tico-ticos e viras, considerados altamente prejudiciais às lavouras. Mais, tarde, em 1820, um edital (Reg. Geral XVI, 119) mandado publicar em todas as freguesias, estabelecia um limite de 24 assassínios para cada “cabeça de casa em particular” e uma multa de 1$200 “contra aquele, ou aqueles, que assim não cumprirem”. Milliet menciona também que os “pássaros continuaram a viver e proliferar, com exceção do pobre tico-tico, hostilizado pelo pardal, que outro administrador entusiasta introduziu no Brasil”.

No município baiano de Souto Soares, em janeiro de 1994, o Centro de Recursos Ambientais da Bahia tentou dar cabo de uma praga de pardais que invadiu a cidade com a ajuda de dois gaviões carijó (Buteo magnisrostris) e quatro caracarás (Polyborus plancus), considerados predadores naturais destas aves. O biólogo Geraldo Aquino, que levou as aves do zoológico de Salvador até a cidade, afirmou que este é um tipo de controle de praga biológico e eficiente. “Um sobrevôo das aves predadoras já é suficiente para espantar os pardais da zona urbana”, citou. Como “pagamento”, as aves ganharam a liberdade.

Em todo o planeta há relatos de competição de aves autóctones com alienígenas, geralmente sempre em detrimento das primeiras. Todas as espécies translocadas que têm se adaptado à novas situações ecológicas, ou se apoderaram de um nicho disponível – o que é bem pouco provável na maior parte dos casos – ou tomaram-no das aves residentes. No caso do Brasil, Sick assevera que ele “encontrou um ‘nicho’ aberto” e sua introdução foi mais artificial do que natural, e houve mesmo quem, se aproveitando do fato de que ele era desconhecido entre as populações do interior, chegou a negociá-lo como ave de gaiola, situação em que o pardal chega a viver 23 anos.


ALIMENTAÇÃO, CARACTERÍSTICAS E PROCRIAÇÃO


Gregário por excelência, seus bandos podem atingir até meio milhar de exemplares. Como não se bastasse a sua onipresença e alta capacidade sinantrópica (adaptação às zonas urbanas), o pardal é onívoro e se alimenta de tudo o que lhe seja possível comer. Sick cita que “é extraordinário como o pardal descobre sempre novas fontes de alimento graças à observação atenta, verificando logo se há vantagem de um novo prato”. Surpreendentemente, em março de 1971, o pardal foi encontrado no Atol das Rocas, ilhas situadas a 250km do continente. Convém ressaltar que neste atol não há água potável e os dois exemplares encontrados – um casal – estavam em péssimo estado. Sobreviveram comendo beldoegra-da-praia (Portulacaceae?) e minúsculos crustáceos conhecidos por “pulgões-da-praia”. Em 1985 foram encontrados 16 exemplares saudáveis, o que denota a alta capacidade adaptativa deste resistente pássaro. O jornalista Nóbrega da Cunha relatou, em pesquisa publicada na revista “O Campo”, uma experiência que sobre a voracidade do pardal. Em um sítio seu em Jacarepaguá, plantou um lote de sementes de um sorgo norte-americano. Em sua experiência, documentada com fotografias, ele menciona que foram devorados 95% dos grãos. Não é consenso geral que o pardal cause prejuízos em hortas e pomares, danificando sementeiras e brotos de mudas de árvores, bem como culturas diversas. Há, porém, estudos comprovando que ele tem preferência pelo arroz, seguindo-se o milho, hortaliças, grãos e frutas.


Apesar de ser pássaro muito conhecido, muitos o confundem ainda com o igualmente popular tico-tico. O macho distingue-se da fêmea (pardoca) por seus tons castanhos mais escuros, possuindo uma coroa cor de chocolate e o bico escuro. Destoa da parceira também pela larga gravata preta no peito e pelo filete castanho-avermelhado que se estende dos olhos à nuca, mais escuro nele. Chamam também a atenção duas listas brancas na coberteira das asas.


À cada estação de acasalamento, o pardal, que é monógamo, procura uma pardoca que esteja próxima para procriar. Eurico dos Santos menciona que um tal de Clark matou as fêmeas de um casal de pardais do dia 25 de março até 1o de junho, e, em princípios de junho o macho já estava com sua quinta fêmea. Os ninhos, enormes em relação à ave, são construídos entre fevereiro e maio. Os lugares para a construção do ninho são os mais diversos, como em vãos de forros de telhados, buracos em edifícios e muros, estruturas de semáforos, campânulas de luzes urbanas, ocasionalmente o fazendo em ocos de árvores e coqueiros, etc. A verticalização das grandes cidades não é favorável à sua acomodação e acarreta seu declínio populacional. Cita-se também que a umidade excessiva exerce influência negativa no pardal e, fato comum, são muito frágeis à temporais e chuvas de granizo. Atualmente, se vê ninhos de pardais até mesmo no emaranhado das fiações elétricas improvisadas nas favelas do país, as populares “gambiarras” (foto). Uma vez pronto o ninho, ele se exibe à companheira eriçando a penugem negra do pescoço. Se isto a seduzir, ela entra no ninho e ambos estão prontos para constituir família. O ninho é macio no interior, forrado de vegetação seca, penas, fios de cordas e papel, porém, bastante desleixado no lado externo, onde já se encontrou até fios de cabelo. No Rio de Janeiro, na época de carnaval, o pardal costuma forrar o ninho com confetes. De um a cinco ovos são postos, e ambos podem incubá-los, revezando em períodos pequenos de alguns minutos cada, com incubação durando até 14 dias. A taxa de mortalidade dos filhotes em seu primeiro ano de existência é alta, mas há referências de que a procriar até três vezes por ano. Eurico dos Santos menciona que um certo Th. Bisschop retirou do ninho de um pardal os ovos, cada vez que eram postos, e, no transcurso de 4 meses, obteve 29 ovos. O mesmo menciona que o pardal, às vezes, se apodera de ninhos de andorinhas e joões-de-barro. Sick menciona que também se aproveita de pombais.


PREDADORES


Muitos falcões e corujas (suindara, Tyto alba) caçam o pardal. Já gatos, cachorros, ratos, gambás (Didelphis sp.), morcegos (Desmodus rotundus) e muitas espécies de serpentes se alimentam de seus filhotes e ovos. Cita-se um caso, que em Rio Claro/SP, “revelou perspectivas de vir a ser controlado pela comuníssima ave parasita brasileira, o chupim, Molothrus bonariensis”, mas, na realidade, todos estão muito aquém de exercer controle populacional sobre o fecundíssimo e “imperialista” pardal. No rio Grande do Sul, o gavião chimango, Milvago chimango, bem como o anu-branco, Guira guira, foram vistos saqueando ninho de pardais.

O pardal, no que tange ao tema “aves nocivas ao homem”, não chega a ser pior que outras aves residentes com características semelhantes (vide caturrita, o próprio chupim, etc), aliás, o também exótico pombo-doméstico tem se mostrado bem mais nocivo que o pardal. Seus ninhos podem abrigar o barbeiro, percevejo transmissor da doença de Chagas, e, tempos atrás, foi realmente confirmada no pardal a presença de Toxoplasma gondii, micróbio causador da toxoplasmose, mas não há relatos de epidemias. Werner C. A. Bokermann, biólogo do zoológico de São Paulo, diz que ele é responsabilizado pela transmissão da bouba, virose comum a aves domésticas. Apesar de ser acusado de competir na alimentação com canários-da-terra ou afugentar pássaros como as andorinhas e corruíras, desalojando-os de seus ninhos, o fato não chega a constituir um problema sério. O pardal também tem seus pontos positivos: há relatos de que, em época de reprodução, destrói quantidades consideráveis de insetos em plantações, e colabora com a limpeza das cidades se alimentando de resíduos e lixos domésticos. Não há mais nada o que se fazer para se erradicá-lo do país, talvez seja mesmo desnecessário. Helmut Sick chegou mesmo a considerá-lo “inexterminável”, mas não se sabe com precisão se a situação é irremediável. Em 1972 foi proposto a “Semana de Combate ao Pardal”, campanha que acabou não vingando. Assim como as cobras, o pardal veio a se tornar vítima de propaganda injusta, baseada apenas nas opiniões nem sempre corretas do senso comum, com direito ao primeiro lugar no pódio de animal nocivo pela Portaria no 1 de 5-1-1957. É oportuno relembrar o escritor Vivaldo Coaracy: “Não haverá nisso muito preconceito, talvez até um pouco de xenofobia, por ser o pardal ave importada?”.

Gustavo Pacheco, membro do OAP - Observadores de Aves de Pernambuco, comentou:“Certamente, se um dia acontecer de todas as espécies nativas abandonarem os centros urbanos, ficará o fiel pardal para nos consolar”. Curiosamente, na obra de ficção científica “A Máquina do Tempo” (1869), o escritor H. G. Wells, menciona a existência de pardais no ano de 802.701. Caluniado como é, só restaria ao “raçudo” pardal o reconhecimento de granjear, tal como as baratas, a fama de antediluviano – per omnia saecula saeculorum...


BIBLIOGRAFIA

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INTERNET

www.sombras.com.br/lucio/lucio.htm

www.saudeanimal.com.br


– Foto P&B do pardal nas fiações elétricas: Robson Fernandes. O Estado de São Paulo, 2003.

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