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Trecho do livro “Do Barreiro das Araras à Capela de Santa Cruz –
Revelações históricas sobre o município de Araras”, livro em andamento
desde 2003 (Wenilton Luís Daltro)
Detalhe do "centro histórico" de Araras, em meados do século 20.
Daquilo que se poderia chamar o
“centro histórico” de Araras, pouca coisa restara; a saber: o sobrado do
Albino Cardoso, a igreja Matriz, a Casa da Cultura, o Solar Benedita
Nogueira, o prédio onde se situava a gráfica Odeon, o City Foto e a
bicicletaria São Luiz, o cine Santa Helena e a residência adjacente à
ele (a do falecido Darci de Lima), o casarão da esquina da rua Silva
Telles com a Coronel Justiniano, os grupos “Zurita”, e, mais adiante o
“Justiniano”. Do pouco que permanece, a maioria são construções
centenárias, mas não em número suficiente para se compor algo que possa
ser nomeado centro histórico; melhor dizendo, todos os exemplares
arquitetônicos que compõem esse acervo da região central estão diluídos
em meio às construções modernas e suas altas densidades volumétricas, e
essa descontinuidade e a conseqüente descaracterização visual, impede
que se desfrute um visual panorâmico que represente fielmente uma
“vitrine” histórica – o centro ficou com tantas caras e ao mesmo tempo
com nenhuma! Assim, é comum ver casas e edifícios antigos próximos de
construções feitas com elementos arquitetônicos que se repetem, os mesmo
elementos pré-fabricados e a insuportável monotonia: a terrível moda
dos prédios de cores berrantes, verdes ou azuis, revestidos de vidros
brilhantes e pastilhas, com interiores padronizados e aparelhos de ar
condicionado em constante funcionamento.
Uma das funções de um
centro histórico é reproduzir um pouco do clima da época em que ele foi
erigido – tem que ter “sabor histórico” –, e, nesse quesito, ele falha
completamente – estes restolhos arquitetônicos que sobraram na “alma da
cidade”, por sua própria descontinuidade, não nos permite uma viagem
sentimental, não chegando a constituir um documentário vivo onde, nas
horas do presente, ainda possamos ver e sentir a nostálgica atmosfera de
encantamento e saudade que, num misterioso vínculo, deveria nos invadir
e contagiar, fazendo com que nos sentíssemos seculares, arrebatados aos
tempos de outrora. O
acervo que estaria mais próximo daquilo que se possa chamar “museu ao
ar livre”, seria o composto pelos edifícios históricos da praça
Monsenhor Quércia e entorno. Como disse o arquiteto mexicano Ricardo Legorreta, lugares assim são áreas em que "mexer nelas tem impacto até psicológico.” E a velhice, nas demandas da atual sociedade
industrial, é extirpada em seus gratos lugares e recordações. As mudanças
promovidas pelo “progresso” do avanço imobiliário é maléfico
para a velhice, pois destrói-lhes o palco e o cenário de sua biografia – os
recantos tão caros das andanças de toda uma vida. O sentimento de continuidade
da pessoa é rompido de modo abrupto e irreversível; além disso, o fato constitui uma séria
ameaça às maiores realizações culturais e artísticas da civilização ararense.
Analisando-se o conjunto das edificações modernas do quadrilátero da praça Barão, conclui-se que, ele vai tendo um destino semelhante ao da Avenida Paulista, em São Paulo, que teve seus suntuosos casarões dos barões do café, bem como os palacetes dos industriários da década de 1920, demolidos para dar lugar à um conglomerado econômico e comercial. O advento dos bancos e casas comerciais (mais aqueles que estas) foram os responsáveis diretos pelo demolição de importantes edifícios de valor altamente histórico e de expressiva arquitetura. Nefasta e impiedosa essa estranha força centrípeta que ainda hoje atrai os bancos para a praça principal das cidades interioranas! Em nosso caso, pôs-se abaixo verdadeiras relíquias como, p. ex., o casarão do barão de Araras (Edifício Zurita), o palacete do barão de Arari (banco Itaú), a residência de Ignácio Zurita Júnior (hoje estacionamento), a Rádio Zurita (banco HSBC), a Sociedade Italiana (Nossa Caixa), o Araras Clube (Casas Bahia), o Círculo Operário Ararense (Cebrac Cursos), o Hotel dos Viajantes (antigo Unibanco), o cartório etc. Dentre todas as demolições, as mais lamentáveis foram as dos citados casarões dos barões, pois ambos eram as residências dos beneméritos doadores do terreno que deu origem ao núcleo urbano que gerou a cidade. Sobre a residência do barão de Araras, numa crônica intitulada “À maneira de Manoel Bandeira”, em 28-8-1955, o radialista e jornalista Cardoso Silva, escreveu:
“E aquele casarão da esquina?
Que tinha um quintal muito grande, onde as árvores copadas eram um
enfeite lembrando que se a gente fosse poeta aos 8 anos não havia de
existir canto melhor do que aquele que devia cantá-las? Aquelas árvores? Caíram? Foram cortadas. O quintal
grande não existe mais. Foi loteado. A casa da esquina desapareceu. Em seu
lugar um prédio moderno grita progresso dentro da sua cidade do passado. O
cenário, enfim, que foi do seu conhecimento está mudado. Profund-mente!”
Detalhe do "centro histórico" de Araras, em meados do século 20. Os dois casarões da extremidade da rua ainda existem.
Em suma,
pôs-se abaixo todos aqueles “vestígios” do passado que nos permitiam
recordar os grandes “feitos de nossa nação”. Todos eram fontes de
produção de conhecimento, pois conferiam maior importância às
realizações de nossos antepassados, bem como às técnicas e às tradições
que se manifestavam naquilo que erigiram, em suma, eram fontes que
permitiam o pleno exercício de cidadania.
Parodiando Rudyard Kliping, Araras é uma cidade que parece demolir-se diariamente, para ser reconstruída sempre mais moderna, pois há uma redefinição constante do traçado urbano, e no prazo de meros dois meses, uma pequena volta pelo centro revela novos e surpreendentes estabelecimentos, e até de grandes proporções. Pode-se dizer que inexiste na cidade orgulho de seu passado arquitetônico. Por exemplo, com as constantes demolições de residências surgidas a partir da década de quarenta e a construção de estabelecimentos comerciais em seu lugar, podemos concluir que o “centro velho” que deu origem à Araras urbana vem se descaracterizando irremediavelmente e perdendo suas feições originais, o que, convém ressaltar, não acontece na vizinha cidade de Rio Claro, como se verá. Isto constitui um dos mais bem acabados exemplos de insensibilidade e desrespeito para com a herança arquitetônica histórica. Ironicamente, ao contrário das cidades que preservam o máximo que podem de seus centros históricos, Araras não padece dos problemas decorrentes da perda de prestígio econômico das áreas centrais, pois com a baixa incidência de casas e prédios históricos tombados, não se dá a desvalorização da riqueza pública e privada, que, do contrário, transferiria a riqueza das áreas velhas ara as novas áreas de centralidade, através da redução do valor da propriedade na primeira e aumento na segunda. Araras, antes converteu a pluralidade à condição de unicidade, ou seja a maior parte do que era histórico foi demolida para dar lugar ao comércio, de modo que o antigo centro histórico não passa hoje de um centro comercial dominado por lojas.
Se relembramos, então, o que aconteceu com a nossa rica malha ferroviária, é algo que tem
que ser pranteado eternamente. Fábricas e galpões de empreendimentos
diversos que remontam ao início da industrialização da cidade, vêm
desaparecendo paulatinamente, em surdina, e ninguém se dá conta.
Belíssimo exemplar posto abaixo no início deste século era a serraria
Fachini, situada em frente aos galpões da Fepasa, e que não despertou o
protesto de uma só alma viva! É um truísmo que ainda impera na cidade a
ideia de que as construções antigas engessam o desenvolvimento urbano.
Temos de manter os acessos à diversidade da memória pois ele têm um
valor histórico e estético que permitem melhor qualidade de vida e pode
tornar a cidade mais atrativa e agradável. Lembremos da cidade de
Barcelona, que, impulsionada pelo advento das Olimpíadas, conseguiu
manter seu centro histórico e seus bairros medievais sem prejudicar seu
desenvolvimento.
Essa região central da cidade, com o constante boom imobiliário, é de uma mutação arquitetônica assustadora, e poucos são os que se incomodam com essa transformação caótica, que leva à perda de referência e identidade. Com isso, a memória se perde e a cidade vai distorcendo sua personalidade. A impressão que se tem é que as construtoras e imobiliárias, mais que o poder público, é que planejam a cidade. Com isso, o mercado não é capaz de regular-se e vive de construir novos imóveis em detrimento dessa região antiga e nobre. Essa forma de produzir-se novas centralidades que congregam tudo – comércio, diversão, educação, alimentação, estacionamentos, concessionárias etc. –, acaba por criar uma região exclusiva dos comerciantes e investidores. Os da elite – deveras alienados dos valores estéticos e históricos de seu imóvel –, demolem-no, e o terreno resultante, com o passar dos anos, vai agregando valor de mercado por se situar numa região nobre. Suas virtudes para com esse patrimônio moribundo parecem estar adormecidas e são insensíveis ao valor de um imóvel que possua história e características culturais. Estes, a que o arquiteto Paulo Mendes Rocha chamou de “sociedade amarga”, alugam seus apartamentos e vão residir em condomínios e subúrbios ricos; ou mesmo podem vir a residir nos edifícios erguidos na região central. Já os antigos moradores da classe baixa, e mesmo média, numa espécie de segregação social, são pressionados e expulsos pelo movimento do mercado, quando não pelos próprios investidores, e vão residir em bairros populares da periferia ou mais distantes, e, nos piores casos, em locais precários muitas vezes à beira de córregos e áreas de mananciais.
Arquibancada do Comercial Futebol Clube, década de 1948, demolida na virada das décadas de 1980 e 90.
Pode-se dizer que o
setor imobiliário de Araras sempre primou pelo caráter especulativo e
pelo agravante das dificuldades de se manter o pouco que restou de seu
bens históricos, em especial, os citados casarões erguidos pela elite
cafeeira. A cidade teve uma origem fundiária embasada por este caráter
especulativo e manteve essa vocação durante os ciclos da cana-de-açúcar,
do café e da industrialização. A análise da situação permite afirmar
essa ideia de que ainda prevalece na cidade essa política voraz de
especulação, e isso é comprovado pela não conservação e demolição de
bens que não tiveram a sorte de sobreviver até o surgimento do órgão
local de preservação, o COMPHAC, entidade que fez Araras ingressar em
uma etapa superior de civilização, mas nem sempre trabalhou para que
outros bens de incontestável valor cultural situados além da região
central fossem preservados. O descaso do órgão também se estende no que
diz respeito ao registro e preservação de bens culturais de natureza
imaterial, ou seja, os bens históricos que não podem ser tombados –
“bens culturais intangíveis” – e são passíveis de receber seu registro
no órgão responsável pelo patrimônio histórico local, porque carregam
valores culturais importantes para a identidade cultural de um lugar,
como, por exemplo, as comidas, as procissões, danças, músicas,
irmandades, grupos folclóricos, os toques de sinos, etc. Em 24-3-2005,
em reportagem no Tribuna do Povo, o autor – que já se empregou como
desenhista e fotógrafo do próprio COMPHAC – listou cerca de oito comidas
tradicionais que integram a “gastronomia patrimonial” ararense e são
passíveis de tombamento, bem como se ofereceu ao próprio órgão para
coletar e redigir o trabalho, mas não obteve respaldo algum, sequer
resposta, lembrando-se que o processo de tombamento de uma iguaria é
bastante simples se comparado ao do tombamento de um edifício. No caso
da célebre e sexagenária pizza de mussarela do Bar Sônia, a proprietária
confessou e lamentou que os próprios filhos não têm interesse em
aprender a receita.
Voltando ao tema dos prédios históricos, os
citados erros são frutos ainda não totalmente erradicados de uma época
em que se dava mais valor à natureza utilitária em detrimento da
estética, como se as administrações quisessem desmontar a cidade,
despindo-a de sua arquitetura histórica. O fato ajuda a entender um
pouco do porquê desse “atavismo” cultural, dessa tradição da gente do
lugar: a moldagem do tipus ararensis que foi se delineando desde o
período colonial até os dias atuais – os ecos que ainda repercutem na
sociedade ararense contemporânea: o mal da “memória de incinerador”, o
gritante descaso para com os monumentos antigos que raramente sobrevivem
à “picareta do progresso”. Uma coisa é certa: aqui, o bairrismo nem
sempre implica em amor pelas coisas do passado, assim como o ufanismo e a
mentalidade conservacionista raramente se ajustam pelo mesmo compasso.
Araras é uma cidade que vive de forma obsessiva sob o signo da
modernidade, e o denominador comum parece ser a ostentação pessoal, o
valor ao que se possui e se pode exibir – truísmo tão criticado por
forasteiros que aqui vem residir, trabalhar ou estudar. Os problemas
culturais gerados pelo fenômeno in loco desse passado distante em que
surgiu, são os motivos da existência de um processo personalíssimo e
bem-definido que reflete ainda na maneira de ser, pensar e agir do
ararense – é fato crônico e entranhado, e quase impossível de se
desarraigar. Inda que seja uma comparação injusta, que abismo há entre
Araras e uma São Luiz do Maranhão e seus 5.600 monumentos históricos
preservados, e que discrepância entre o ararense e a notória atração e
simpatia da opinião pública dos maranhenses por seus bens culturais –
tinham tanto para preservar e o preservaram; tínhamos pouco para
preservar e muito pouco preservamos!...
SAIBA MAIS:
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SAIBA MAIS:
AS SETE MARAVILHAS DESAPARECIDAS DA CIDADE DE ARARAS/SP
http://apologo11.blogspot.com.br/2008/12/as-sete-maravilhas-desaparecidas-da.html.