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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

AS REINAÇÕES FUTEBOLÍSTICAS DO PAULINHO SUJEIRA

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Apesar de, atualmente, “saber de carteirinha” quem era este rapaz, não vou dar aqui dando o seu nome verdadeiro – não se faz necessário – mas vou recordar uma das reinações que ele aprontou, reinação esta que justificava o curioso apelido, muito apropriado por sinal: Paulinho Sujeira (foto). E tanto justificava que somente esta historiazinha que agora narrarei bastará para evidenciar o tipo de pessoa que ele encarnava, bem como uma das intenções incomuns que iam-lhe pela cabeça. Recordando o episódio novamente, sou capaz ainda hoje de imaginar a cara maquiavélica do Paulinho Sujeira, esfregando seus dedos enclavinhados, os ombros erguidos, e gargalhando como um perdido, todo orgulhoso de suas “façanhas”...


Foi no ano da graça de 1972. Desgraças também, como se verá... Local: estádio Joel Fachini, mais precisamente nas escadarias de sua belíssima arquibancada – aquela maravilha de rara arquitetura, que algum insensato mandou demolir ao invés de restaurar – a “picareta do progresso” do ararense não falha nunca!...


Nestes bons tempos, formávamos um grupo de crianças, todos com cerca de uma década de existência, e todos, sem distinção, completamente loucos por futebol. Éramos meninos puros e ingênuos, crianças que, até então, acreditavam piamente no chamado “leite da bondade humana”, e essa foi a nossa desgraça neste malfadado dia.


Todos os sábados de manhã, nos reuníamos no “Comercial” para treinar no então time infantil, o “Dente de Leite”. Nesta ocasião a que me refiro, um sábado, o desmiolado do técnico cometeu a imperdoável imprudência de esquecer a chave do vestiário alternativo que fazia fundos com as quadras da escola Cesário Coimbra (antes não esquecesse...). E para piorar, o uso do vestiário subterrâneo nos era vetado.


Mas, caramba, onde então iríamos nos trocar?! O técnico, após tentar abrir bestamente a porta do vestiário usando um canivete fornecido pelo juiz, sugeriu, pior, ordenou que usássemos as escadarias da arquibancada e, todos, puros e ingênuos, assim o fizemos...


Uma vez uniformizados, todos, sem exceção, orgulhosos de nossas camisas e chuteiras, descemos a escadaria e entramos finalmente no palco da peleja. Eu, todo feliz, estava estreando uma ultra-anatômica e macia chuteira Stadium de cravo-de-rosca que ganhei de meu pai. E estava orgulhoso, pois ia jogar como ponta direita e usando a camisa 9, camisa que eu fazia questão de usar pois era o mesmo número usado pelo meu ídolo do futebol na época, o não menos danado “Cezar Maluco” do Palmeiras (foto) – o timaço do grande “Divino” Ademir da Guia, a saudosa equipe do periquito verde – “porco” uma ova!


Uma lacuna aqui: a verdadeira peleja, como se verá, foi acontecer realmente – e em sua mais fiel tradução – lá nos recessos silenciosos da arquibancada, onde não havia um torcedor ou olheiro sequer, ou, pelo menos, se acreditava que não... Por esta altura, seria oportuno perguntar pelo tal do Paulinho Sujeira, e onde é que ele entra na história, mas já vou adiantando que dentre os pequenos desportistas, nenhum viu sequer a sombra dele por lá (antes o tivessem visto...)


A partida correu à mil maravilhas, acabando em empate, fato que se não alegrou ninguém, também não magoou. A mágoa mesmo os meninos só travariam contato com ela no retorno ao improvisado vestiário...


E o juiz soou o derradeiro apito. O sol já ia alto e muito quente e o melhor mesmo era deixar as intenções de um joguinho de “rêba” para outro dia e retornar à arquibancada, pegar a roupa e partir para uma ducha refrescante no vestiário, mas... caramba, o técnico havia esquecido a chave!


Pobres garotos, mal sabiam eles que este detalhe viria a ser um mal menor...


O que eu sei dizer é que quando os 22 futuros aspirantes ao juvenil, mais o infeliz do técnico, o juiz e um olheiro subiram a escadaria, não acreditaram com o que se depararam lá nos recessos da então silenciosa arquibancada - cena estarrecedora, a que se viu ali: dizer que aquele monte de roupas reunidas na arquibancada mais parecia uma banca de feirão em fim de expediente, seria fazer uma comparação mais que imperfeita.


O caseiro – o homem que cuidava do estádio –, que por aquelas horas havia se aproximado após ouvir o rebuliço que se instalou entre a molecada, disse que viu por entre a balaustrada da arquibancada um sujeito em atitude suspeita. Disse ainda saber de quem se tratava e bem conhecia sua fama, mas não lhe passou pela cabeça que ele estivesse sozinho ali (antes lhe passasse...)


Quando ele pronunciou o nome do tal sujeito, houve uma comoção entre os adultos, que se entreolharam com cara de desconsolo: era nada mais, nada menos que o terrível Paulinho Sujeira!...

A arquibanca do Comercial Futebol Clube em 1948


Não houve dúvida de que era ele mesmo o responsável por aquilo. E, vale dizer, o homem estava inspirado este dia... O danado teve a manha de reunir todas as roupas e outros objetos diversos, e, peça à peça, fazer uma maçaroca gigantesca com tudo! Nem mesmo os calçados, cintos e bonés escaparam de suas “urdiduras”. Deu nós-cegos nas pernas de calças, tomou fivelas de sapatos e tramou-as com alças de chinelos. Passou cadarços de tênis e botas por ilhoses de bonés e furos de cintos, e depois amarrou uma dezena de vezes – fez o diabo! Fez mais: aproveitou os pequenos rasgos de algumas calças e camisas, ou o furo de alguns tênis, tomou o laço da gola de uma camiseta, mais correntinhas, colares e penduricalhos, e improvisou cerzimentos sem conta. Fez mais ainda: pegou algumas daquelas velhas mochilas de napa e, de suas alças de cordonê, completou a urdidura reamarrando tudo o que já estava amarrado! O que eu sei dizer, caro leitores, é que não se vê com tanta freqüência emaranhados assim nem mesmo naquelas tranqueiras de galhos e cipós que se reúnem nas árvores baixas de curva de rio após as grandes enchentes do rio Mogi...


E quem disse que menino de 10 anos não chora por besteira? O berreiro que se abriu ali pelas escadarias causava pena, e a coisa só não pareceu um verdadeiro velório, por que dentre as lamúrias e choramingas soluçantes da meninada, se distinguia claramente uma enxurrada de palavrões da pior espécie, todo invariavelmente proferidos em memória do danado do Paulinho Sujeira. Suas orelhas devem ter queimado a valer neste dia.


Desenredar as infinitas tramas que ele urdiu é que foi elas – um imbróglio que cristão algum neste planeta seria capaz de desvencilhar. O canivete que o juiz trazia consigo teve
enfim alguma serventia, e acabou entrando em cena (ao menos isto...) Quanto ao esquecido, digo, o felizardo do técnico, o espertão, para variar, viera ao treino de carro já trajando sua roupa esporte... E se você prestasse bem atenção na fisionomia do “fiadamãe”, iria sugerir aos meninos que lhe destinassem um pouco de palavrões que praguejavam, por que, por dentro, o disgramado parecia rir a valer. Que ele merecia isso, ah, isso ele merecia! Quando vi muitas das peças de roupa e calçados destruídos em sem remédio, tive mesmo vontade de dizer: Molecada, manda a conta lá para a casa do fiadamãe desse técnico!


A propósito, um escritor ararense, o mestre Emílio Wolff, escreveu que, por volta dos anos 40, era comum entre as crianças que nadavam nos poços que existiam nas margens do Ribeirão das Furnas, “um deles sair das águas e, às escondidas, dar nós-cegos em todas as peças de roupa – o tradicional biscoito.” Este texto veio explicar que, em questões de tradições, o danado do Paulinho estava em dia e levava a bandeira adiante... Na foto, uma tarde de domingo no estádio Joel Fachini na década de 1950.


Caros leitores, este que vos escreve, falando assim parece que não foi vítima do Paulinho, não é? Eu não fui mesmo, e vocês vão ver o por quê.


Pois bem: justamente neste dia mais em que o Paulinho tramou uma das suas, por insistência de minha sábia avó materna, saí da casa dela trajado com o próprio uniforme de jogo e não levei uma muda de roupa...


Enfim, o que restou destes episódios futebolísticos foram as lembranças daquela saudosa década: o Paulinho Sujeira reinando nas arquibancadas e o César Maluco no palco dos gramados. E eu, por minha vez, após voltar a morar na cidade, me desiludi ao tentar integrar o time da A. A. A., e pendurei as chuteiras de vez me jogando de cabeça no mundo da música, porém,
infelizmente, não rezei pela sábia cartilha dos Novos Baianos, músicos que pregavam a união da música e do futebol.


Ah, antes que eu me esqueça: A benção, vó Ana!

.Negrito