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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

CAREGIVER STRESS ou TODO AMOR E RESPEITO AOS CUIDADORES DE DOENTES

“Dar tudo a todos o tempo todo
é deixar nada para si mesmo.”
(Irvin D. Yalon e Ginny Elkin)

Poucos tem ciência disso, mas as pessoas encarregadas de cuidar de familiares idosos doentes e incapacitados – os chamados cuidadores –, por seu dedicado e estafante trabalho de melhorar suas qualidades de vida, também sofrem estresse. Este mal a que estão sujeitos estas abnegadas pessoas também tem um nome apropriado: caregiver stress, ou estresse do cuidador.
Escrevo estas linhas hoje como um alerta e orientação àquelas famílias que passam por isso, o que, aliás, é fato comuníssimo, e, particularmente falando, escrevo-as como uma forma de “protesto”, já que houve um caso assim entre os descendentes de minha avó do lado paterno. Vale dizer que minha indignação sobre o triste final dessa história ainda não teve fim, passados mais de três anos do ocorrido. Para reforçar este “alerta e orientação”, convém lembrar que atualmente se prevê que, com o envelhecimento da população mundial e o aumento das doenças neurodegenerativas, a tendência é de que o número de pessoas que precisem atuar como cuidadoras aumente.
E esse foi o caso de uma prima minha, que dedicando-se por anos a fio como cuidadora de três familiares adoentados, sacrificou sua juventude e sua vida particular, além de afetar sobremaneira sua carreira profissional e seus estudos.
Neste período, notei que minha prima estava com algum problema, pois ela, que sempre fora uma pessoa jovial, falante e com o astral para cima, estava visivelmente mudada. Intuí que seu problema era derivado da vida desgastante que levava como cuidadora, fato que, estranhamente, ninguém levara em conta.

O QUE DIZ A CIÊNCIA
Uma pesquisa recente empreendida por Stella Velasques Cassis, clínica geral especialista em geriatria do Hospital das Clinicas da USP, avaliou 67 pacientes com demência e seus cuidadores. O tempo de cuidado foi um dos fatores determinantes. Ela relatou que “Quanto mais tempo a pessoa dedicava à tarefa, mais estresse sentia. Tanto que os cuidadores que moravam com o paciente sentiram-se pior”. Além disso, o estresse dos cuidadores também aumentava quanto maior era o grau de dependência do idoso. Constatou-se também que maridos e mulheres cuidadores reagem de formas diferentes: os primeiros tendem a ter mais transtornos de ansiedade, e elas, pendem para os sintomas depressivos. E o problema é mais que “contagiante”: quando o cuidador está estressado, a pessoa doente de que cuida tem mais chance de ser hospitalizada ou internada em uma instituição.

Segundo a assistente social Ursula Margarida Karsch, coordenadora do Grupo de Pesquisa Epidemiológica do Cuidador, da PUC-SP, em alguns países, o familiar que cuida do pai ou da mãe doente, já tem direito à benesses, como ajuda de custo, benefícios no trabalho e rede de cuidadores para cobrir folgas e férias. O Brasil ainda engatinha nesse quesito, mas países como Inglaterra, Alemanha e Canadá estão bem mais avançados nessa área.

Uma das cuidadoras entrevistada, se referindo à mãe doente, afirmou conta que às vezes sofre com a rotina e com algumas peculiaridades da doença, como mudanças de comportamento. “É um super desgaste, demanda muito tempo e energia. Ela fica teimosa, às vezes apática. Perco minha mãe todo dia, isso é muito doído.”

ABRINDO UM PARÊNTESES

Convém falar aqui de algo que a citada pesquisa não levou em conta, e que reforça mais ainda o meu “alerta e orientação”: será que aquelas pessoas cuidadoras que, flagradas em filmagens secretas que frequentemente vemos na TV espancando idosos, incapacitados, doentes, dementes e crianças, não seriam vítimas também do caregiver stress? É mais um caso a ser estudado: o de cuidadores totalmente estressados que são induzidos à atitudes extremas que os levam a perder a cabeça ante certos comportamentos que não toleram nas pessoas que cuidam. Logicamente, há os casos de sadismo e distúrbios de personalidade, mas são fatos que não podem ser descartados nas pesquisas.

ENTRE PARENTES...
Quanto à minha malfadada prima, primeiramente, ela ajudou a cuidar de nossa avó paterna (fotos fictícias), que era bem idosa e se encontrava doente, e, que além de ser pessoa de um certo gênio difícil, ficou meio “ranzinza” com a doença. Os cuidados com ela duraram mais de uma década, até que ela faleceu. Pouco tempo depois, foi meu tio que sofreu um derrame e ficou totalmente dependente do cuidado da esposa e da filha, cuidados que se estenderam por cerca de cinco anos, e foi um caso mais complicado que o de nossa avó, já que o meu tio ficava o tempo todo irritado com sua incapacidade locomotora e total dependência dos familiares. Com sua morte, foi a vez da mãe, que já na casa dos 80 anos, adoecera e ficara dependente dos cuidados da filha; felizmente, o caso mais “leve” dos três, mas, ainda assim, era um terceiro ente a ser cuidado... Esse processo todo durara cerca de 20 anos – e 20 de uma juventude, são uma vida! –, e nestes anos todos, minha prima, em plena flor da idade, se dedicara abnegadamente ao cuidado dos três familiares com que convivia desde que nascera.
Lembremos que, de todo os filhos de minha avó, somente os pais dessa minha prima é que cuidaram da matriarca diretamente, coisa, que, como se diz, ninguém gosta de morar com a sogra...
Acontece que minha prima não passou incólume ao mal do caregiver stress. Com os casos sucessivos de doença na família, ela, que, como já disse, era uma pessoa alegre e radiante, foi se tornando uma pessoa amarga e revoltada, nunca conseguindo esconder a desgastante situação emocional a que fora submetida nesses constantes cuidados. No contato com os familiares que visitavam sua casa, era-lhe impossível esconder o estresse que a dominava, reagindo com explosões e destratos, sendo frequentemente mal interpretada. Nisto, para piorar a situação, injustamente foi chamada de louca, mal educada, dentre outras coisas. Tudo bem, ninguém poderia adivinhar que suas reações fossem devidas à altas doses de estresse e depressão a que fora submetida, mas ter um pouquinho de bom senso e simancol não era exigir muito de alguém... Oras, ninguém estava ali para ajudar a cuidar dos adoentados, e ela, que o fazia incondicionalmente e de boa vontade, não tinha o direito dar vazão ao seu esgotamento, e, ainda por cima, tinha ouvir críticas injustas! Note-se que o fato de ela cuidar de três familiares adoentados, não a tornou imune à incompreensão e maledicência dos parentes.
O problema maior começou com a morte de minha tia, quando finalmente, os familiares começaram a cogitar do destino que seria dado à “casa da vovó”, como se, na mais pura falta de consideração, ninguém mais morasse ali, ou, se morasse, não seria empecilho para suas decisões. À todos os familiares e parentes que conversava sobre o destino a ser dado à casa de minha avó, sugeri que, pelos “serviços prestados” pela prima, a casa deveria ser invariavelmente doada à ela, e de papel passado, e nada mais justo para uma pessoa que cuidou sucessivamente de três familiares doentes. Não levaram a sério minha sugestão, e só faltou também me chamarem de louco. Inda afirmando que o valor que receberiam pela partilha era irrisório se rateado entre os descendentes, mesmo assim ninguém me deu ouvidos e até me ironizaram. A casa, só para ela morar e passar o resto de seus dias, era-lhe muito, mas dividida entre o restante dos herdeiros materialistas, uma mixaria que não melhoraria a vida de ninguém nem lhes faria falta. Era como se rapineiros se reunissem para arrancar a abnegada cuidadora do ninho onde nascera, para, sedentos, dividir entre si a “valiosa” partilha...
Por fim, ela, que não tinha onde morar, em suma, não tinha mais a própria família e sequer tinha um emprego, foi “banida” da própria casa e se não fosse a ajuda de cunhados e irmãos, sabe-se lá o que teria acontecido a ela na revolta, estresse e depressão em que se encontrava. Felizmente ela está viva! Convém notar que, usando a evasiva de que ela era louca e, assim, não digna de (ou capacitada para...) herdar a casa, foi mais fácil tirá-la dali. E ela, que tanto apoiou e ajudou o próximo, a hora e que mais precisava de apoio de todos os parentes – pois havia perdido tudo e todos os familiares com os quais convivia desde a infância –, perdeu até a casa onde morava!... e pior, saiu quase como uma espécie de vilã da história!! É por isso que esse mundo me mete nojo!!!

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Note-se que nem sempre a idade e a vivência torna alguém mais sábio, compassivo e humano – em questões de herança familiar, é um truísmo que a ganância e a cobiça, inda que seja por merrecas monetárias, sempre fala mais alto que os valores e princípios, e nisto, se passa por cima de todo e qualquer sentimento e periclitantes situações alheias com o rolo compressor de nossas friezas, injustiças e falta de compaixão.
Lembro-me que ela, ao deixar a casa, rasgou certas fotos de família, e dei-lhe toda razão pois ninguém era digno de guardar aquelas fotos hipócritas onde, numa festa de reunião da “grande família”, todos se abraçavam fraternalmente, riam, comiam, bebiam e brindavam à saúde de todos... Pobre prima... ela não imaginava o que lhe estava reservado anos depois!...
Às vezes, eu me pego pensativo, remoendo estes assuntos e me pergunto: “Será que, dentre todos os descendentes de minha avó, só eu enxerguei estas coisas?” Certa vez, o escritor Humberto de Campos (1886-1834) – o “Pai dos que sofrem” – disse algo assim:
“Trabalhado pelas dores próprias, meu coração está melhor preparado para a compreensão das dores alheias.”
Talvez seja isto...
Há uma outra sábia frase que já fora usada em outra postagem neste blog, e que urge ser repetida. É também do grande e compassivo Humberto de Campos:
“Qualquer que seja o bem que procuremos fazer neste mundo, e quaisquer os esforços para praticarmos o bem, não evitaremos jamais que se digam mal de nós. Zombemos, pois do mundo, meu filho, e percamos a esperança de nos pôr de acordo com ele.”
À esta altura, o que me preocupa é que eles lendo isto, como reagirão? Caindo em si, reconhecendo que erraram, baterão no peito o “mea culpa”, ou se atreverão a dizer que o injusto e insensato (ou louco) estou sendo eu? Bom, não raro, os parentes – apesar de parentes –, sem que saibamos (e sem conhecimento de causa), nos criticam injustamente e falam horrores sobre nossa indefesa pessoa (como fizeram com minha prima), e eu digo: o que podemos fazer contra isto? Nada? Podemos sim, e, então, hoje, agora, foi a minha hora de criticar – mas criticar com sensatez e compaixão – por uma causa nobilíssima e mais que justa, e aqui levada à baila de um modo corajoso, e não lançando mão de cochichos, conversinhas e tramoias secretas, travadas às escuras, longe de nossas vistas...
Alguém talvez perguntará malicioso: mas e você, não recebeu nada na partilha? Recebi sim – mas não ia receber nada! –, porém, como não atenderam minha sugestão de deixar a casa para minha prima, exigi a parte que julgava me caber. Já que a ela não ficaria com minha prima, pelo menos que viessem parar nas mãos de quem lutou pelo mais justo e mais sensato – minha parte para eles é que não podia ficar!
Quanto à esses parentes, lembrando certas verdades que o povo diz como: “o mundo dá muitas voltas”, “a gente não sabe o dia de amanhã”, e que a chamada “ironia do destino” anda à ronda e pode nos reservar uma desagradável surpresa um dia desses, desejo-lhes toda a saúde de mundo e torço para que nunca venham a passar pelo o que minha prima passou, e muito mais, pelo o que minha avó, meu tio e minha tia passaram...
Prima, te aquieta - dias melhores virão! E eu estou contigo nessa!

ADENDO
10 Conselhos para os cuidadores
1 - Permita a si mesmo pausas freqüentes. Cuidar da saúde de um familiar é um trabalho difícil e você merece um descanso;
2 - Atenção aos sintomas de depressão. Não demore a buscar ajuda profissional quando necessitar;
3 - Aceite quando alguém oferecer ajuda. Sugira objetivamente o que pode ser realizado;
4 - Aprenda sobre a condição da pessoa querida e como conversar de forma efetiva com os médicos;
5 - Utilize a tecnologia e idéias que promovam a independência do familiar que você cuida. Existem diferenças entre cuidar e fazer;
6 - Confie em seus instintos pois, na maioria das vezes, o levarão ao caminho correto;
7- Cuidado com a sua coluna. Os cuidadores freqüentemente realizam atividades que exigem esforço, como empurrar, puxar e levantar;
8- Lamente as suas perdas, mas não deixe de lado os novos sonhos e esperanças.
9 - Faça valer os seus direitos como cuidador e cidadão;
10 - Busque apoio de outros cuidadores. Além de retirar a impressão de que está só, você pode aprender muito.
Taí gente, simples assim… Mas faz toda a diferença!
FONTE:
Folha de São Paulo. Com todo cuidado. Equilíbrio. São Paulo, 28 fev. 2008, págs. 7 a 9.
http://www.thefamilycaregiver.org/
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