terça-feira, 20 de agosto de 2019

WOODSTOCK, A CONTRACULTURA E A DITADURA

O que quero mostrar neste post é que, mesmo nos chamados "anos de chumbo", eles foram tempos incríveis, intensos e criativos para nossos artistas nas mais variadas áreas, seja música, seja teatro, seja literatura. Parece até que a repressão estimulava a criatividade, como numa espécie de revolta, ou mesmo vingança, e esta não é opinião só minha. Mesmo com todos os medos e limitações, analisando os trabalhos que deixaram, notamos claramente que eles deram o melhor de si e criaram obras fantásticas naquele que é um dos períodos mais fecundos e criativos deste País, ou seja, o fenômeno da Contracultura por aqui.

Leiam este trecho de reportagem (sobre os 20 anos de Woodstock e sua repercussão no Brasil), a cargo de um dos ícones desse movimento no Brasil, o Antonio Bivar (1939), escritor e dramaturgo brasileiro - sujeito que abraçou a onda hippie e o drop out, e viveu intensamente esta época. Notem que, a certa altura, ele confessa com sinceridade, falando como que em nome da galera daquela época: "Na verdade, mesmo com todos os seus momentos difíceis, foram, por assim dizer, os melhores anos de nossas vidas."

Mas aonde quero chegar? Pois bem: esse depoimento deve analisado e ser levado em conta pelas novas gerações, de modo que saibam que mesmo com a "guerra" e aquela repressão toda, as perseguições, as censuras, o exílio de alguns, o escambau, os artistas em geral curtiram muito, criaram demais, deixaram obras-primas definitivas e eternas.

E vou mais longe ainda, e vou fazer uma pergunta aos músicos de MPB, aos rockeiros, aos teatrólogos e escritores da época. Amigos, digam se, na verdade, lá no fundo, vocês não queriam voltar à essa época instigante, e digam também se ela não foi a melhor de suas vidas com as obras que lançaram, os shows que fizeram, as peças que encenaram, as viagens pelos País, os festivais, a galera da época, aquele período mágico de criação?

E quem escreve aqui é também, de certo modo, uma testemunha ocular da história, de modo que endosso a colocação do Bivar sem pestanejar, pois, mesmo naquela minha fase de menino à adolescente (no auge da Contracultura), eu acompanhei tudo e me joguei de corpo e alma no movimento: no dia-a-dia, nos shows que ia, nos programas de TV que assistia, nas revistas que lia, nos discos, revistas e livros que comprava, etc. , e posso garantir que nada foi melhor e mais incrível que aquilo tudo, e tanto o é que essa geração de artistas faz sucesso e é endeusada até hoje pelas novas gerações, e tenho a certeza que serão eternos!

Enfim, a benção, Bivar! Evoé, Contracultura!


quarta-feira, 10 de abril de 2019

AS MALUQUICES DO HERMETO PASCHOAL E DO CESAR LOUCO NA ARARAS OITENTISTA

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O Hermeto e sua partitura
No já distante dia da graça de 12 de março de 1987, a banda do mundialmente famoso multinstrumentista Hermeto Paschoal ia fechar o "III CANTORIA DAS ARARAS" no Ginásio de Esportes de Araras, um festival de MPB criado pelo finado cantor e compositor ararense, Borg Domingues, falecido em 2001, artista que era de minha banda e parceiro de composição em muitas músicas. Foi um festival de altíssima qualidade, do qual participaram todos os vencedores de festivais do gênero do Brasil, artistas que o Borg conheceu em suas participações nos mesmos festivais. Ressalte-se que esses, eram os chamados festivais populares que ocorriam no interior de muitos Estados brasileiros, portanto, nada a ver com os festivais de TV.

O Borg, de cangaceiro, num festival em Leme, com nossa banda.

Depois do festival, o Hermeto foi convidado para ir a uma república de estudantes - a então República Covil -, e ele, para não fugir às suas costumeiras excentricidades, escreveu numa das paredes de um quarto a partitura (complexa) que se vê na foto, de uma música que fez na hora, segundo me disseram! Mas acontece que algum iluminado registrou esse momento histórico, o que pode ser checado na foto! Hermeto batizara a criação de "Música da Parede Linda"...

O flyer do festival

Wenilton e Borg
Lembro-me que, apesar do alto nível do festival, a empreitada resultou em prejuízo, pois, já que, como era de se esperar, o povo de Araras não compareceu... O Borg, nesta época, tinha um violão Ovation - a coqueluche da momento -, e que valia uma nota, e para poder pagar o show do Hermeto, teve que abrir mão de seu estimado violão!... À propósito, o mesmo se deu com um show no mesmo ginásio, em 25 de novembro de 1978, do não menor Arnaldo Baptista - sim, o Loki dos Mutantes -, quando foram fora cerca de 20 pessoas assisti-lo (eu estava lá)!... Prejuízo total, mas o maior foi o prejuízo emocional do pobre Arnaldo, que chegou a chorar nos bastidores! É que, no mesmo dia, havia um show de dança discoteque na AAA e todo mundo baixou lá!...

O "Bruxo"
No mesmo dia do show - e eu presenciei isto - o Hermeto ia dar uma entrevista à TV local a partir do hotel Diplomata, no Jardim Cândida, onde estava hospedado sozinho, e pude vê-lo em mais umas de suas excentricidades: ele pegou duas garrafas plásticas com um pouco d'água cada e começou a fazer música soprando na boca delas, e, alternando, ia bebendo a água de cada uma aos poucos, no que as "reafinava" , e, assim, ia improvisando sons tribais!... O gerente do hotel torceu o nariz para aquilo que, para mim, não era nenhuma novidade! Eu, por minha vez, me esbaldei com a performance!...

O casarão do Horto Florestal do Loreto
No final de tarde deste mesmo dia, soube que o resto da banda do bruxo se hospedou no casarão do Horto Florestal do Loreto junto da maioria do músicos participantes do festival, e lá fomos nós, eu, o Jonas Bueno, o Jairzinho Francatto (baterista de minha banda) e o Cesar Louco, outro grande amigo músico, falecido exatos 10 anos depois do Borg, portanto, 2011. Soubemos também que ia ser  servida um a canja de galinha para a galera, mas chegamos tarde e não havia sobrado nada para nós a não ser arroz e caldo!...

Wenilton e Jair, no ano anterior ao festival
Acontece que, durante o trajeto, enquanto íamos atravessando a avenida central do Nosso Teto I, o Cesar foi no banco da frente ao lado do Jair aprontando as suas costumeiras loucuras... Resultado: o Jair se distraiu com a brincadeira e acabou batendo com uma das rodas da Brasília de seu pai na guia da rotatória, entortando gravemente o eixo, mas ainda dava para dirigir!... (no dia seguinte, o pai do Jair, ao ver o estado do carro, que puxava para o lado, chegou a chorar de raiva!...)

Em vista aérea, a sede do Horto Florestal do Loreto

O lendário Cesar Louco
Depois do "jantar", já à noite, fizeram uma fogueira em frente ao casarão e rolou um som de violão e flauta ali, mas os músicos do Hermeto se limitaram a só olhar, e ficaram rindo vendo o Cesar Louco tocar suas maluquices ao violão. À certa altura, o Cesar - sabe-se lá como! - descobriu (no meio da escuridão!) um pés de rama-de-batata atrás do casarão e, após desenterrar algumas, na melhor tradição secular indígena, trouxe-as para assar nas brasas da fogueira... Foi quando um acontecimento excêntrico se deu, tão louco quanto os do Hermeto, e desta vez, quem estava no comando do espetáculo era o próprio Cesar, que, por seu histórico, poderia ser encarado como o músico equivalente local, digo, o Hermeto ararense  (sim, guardadas as devidas proporções). Mas num quesito, como se verá, o Cesar era melhor que o bruxo - digo, se não era melhor músico, era, por assim dizer, melhor causador de excentricidades... 

A capela do Horto Florestal do Loreto
Pois bem. O doido do Cesar, enquanto ia retirando das brasas as fumegantes batatas e verificando com as próprias mãos se  já estavam assadas, ia improvisando uma cantiga maluca com a voz - um scating engraçado como só ele sabia fazer: retirava as batatas das brasas e ia recolocando-as rapidamente enquanto fazia uma cantiga meio tipo Escravos de Jó (pena não haver celular na época)!... Os músicos do Hermeto se esbaldaram com a performance, riram a valer! Pena que o Hermeto não estava lá.

Jonas Bueno
A uma certa altura, estávamos eu e o Jonas na varanda do segundo andar do casarão, e lá embaixo vimos o Jair - outro maluco da noite -, que havia pegado uma folha de árvore de unha-de-vaca, cortou-a ao meio e colocou sobre o nariz simulando um raybam B&L, e depois ficou desfilando com ela pelo gramado!...

Mas o fechamento da noite com chave-de-ouro ainda estava por acontecer. Não estávamos mais lá, pois tínhamos ido curtir a final do festival com o encerramento da banda do Hermeto. Nisto, estranhamente, o Cesar não voltou para a cidade com a gente. No outro dia, rolou um papo entre os amigos em que o caseiro do Horto contou que um sujeito magrelo e cabeludo entrou no meio da madrugada na igreja do casarão, virou todos os bancos para baixo e o crucifixo da parede de ponta cabeça, e disse que ia fazer uma missa negra no local!... Desnecessário dizer que era nada mais nada menos que o Cesar!... A turma rachou o bico! 

A banda do Hermeto Paschoal em 1989

Hoje, passados tantos anos dessa saudosa e engraçada e maluca noite, fico pensando que, se caso o Hermeto estivesse lá, quem sabe não ia rolar uma jam muito maluca entre ele e o Cesar Louco aos pé daquela fogueira - o bruxo na flauta e o Cesar ao violão!

Não custa sonhar, né, galera!...
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quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

EFEITO PIRELLI


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As agências de publicidade e propaganda gostam muito de criar slongans brincando com trocadilhos.

Houve um, da segunda metade da década de 80, que foi criado para a empresa Pirelli, fabricante de pneus, slogan que deu muito ibope na época, o famoso: "É mais que um pneu, é um pneu de aço, é um pneuaço!", feito para o pneu radial criado por André Michielin, porém, em 1948.

Em Araras (SP), teve gente que não deixou barato e recriou o slogan, porém, puxando para a malandragem!... A pérola, devidamente recolhida por mim, assim como muitas outras pichações que marcaram época na cidade, é esta: "É mais maconha, é maconha de maço, é maconhaço!". Ararense é foda!...

Então, como eu gosto muito de brincar com a Gramática, as palavras, os trocadilhos, notei que eu também podia criar umas frases no estilo, e criei a série "Efeito Goodyear", mas como os amigos podem notar, eu me equivoquei quanto à empresa, pois era a Pirelli...

Enfim, aqui vai a lista das expressões "Efeito Pirelli" que criei nas últimas décadas:
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É mais que uma jura, é a jura de um jumento, é um juramento.
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É mais que uma Áustria, é uma Áustria mais a Itália, é uma Austrália.
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É mais que uma dama, é uma dama com asco, é um damasco.
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É mais que uma terra, é uma cota de terra, é uma terracota.
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É mais que um ócio, é o ócio de um equino, é um equinócio.
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É mais que uma gare, é uma aragem na gare, é uma garagem.
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É mais que uma ema, é o dia da ema, é um diadema.
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É mais que um isqueiro, é um isqueiro na chuva, é um chuvisqueiro.
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É mais que um sapo, é o papo de um sapo, é um sopapo
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É mais que um asco, é um asco de churros, é um churrasco.


E a última, que é minha homenagem particular ao povo da Bahia:

É mais que um nego, é um nego com ócio, é um negócio.
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quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

AINDA O JOÃO DE DEUS!...


É deveras bizarro que uma pessoa de renome internacional - e milionária, que podia ter quantas mulheres quisesse -, tenha uma tara sexual que aflora justamente em serenos (e sagrados) momentos de trabalhos espirituais! E, real e ironicamente, ele curava grande parte de seus pacientes (ou, então, eram curas por auto-sugestão, ou sob efeito placebo?...)! 

Mas, eu pergunto: como, estando em transe, ele conseguia curar e dar vazão à seus desejos sexuais ao mesmo tempo? Afinal, nestes momentos, um médium se encontra sob orientação de seu guia espiritual! Teria, então, ele razão ao alegar que estava possuído por espíritos baixos, que o transformavam num sátiro concupiscente nestes momentos, se utilizando de seu corpo como meio para praticar atos libidinosos? 

Por mais vulgar que seja a comparação, este procedimento, inadmissível num momento espiritual, equivale a realizar uma cura espiritual fazendo sexo com uma mulher numa cama num quarto à meia luz... Ou não?

Mas, outra pergunta vem a calhar: quando encerrava um trabalho, ele se recordava do que havia acontecido, do grave erro cometido? Ao que parece sim, pois, p. ex., oferecer um quadro para um paciente depois de um abuso mostra que, ao que parece, ele estava lúcido e arrependido, e, acima de tudo, com remorso, ou, pior, medo de denuncia... 

Porém, se ele sabia o que fazia ou o que estava acontecendo, porque não procurou ajuda de seus irmão de casa?  

Por outro lado, tudo leva a crer que ele gostava muito do que fazia - e podia ser algo até incontrolável, mais forte que ele -; mas, até quando ele achava que poderia agir assim sem ser denunciado e pego?

Enfim, amigos, pelo que se constata, isso vai dar motivo para muitos debates pelos anos afora, pois ao que eu saiba, é um caso inédito na história da espiritualidade.

Com a palavra, os entendidos!
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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

1918-2018: OS 110 ANOS DA EPIDEMIA DE GRIPE ESPANHOLA EM ARARAS.

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Araras foi também uma das inúmeras cidades brasileiras que, em 1918, não passou incólume ao surto da terrível pandemia, a chamada gripe espanhola, ou vírus Influenza — “o grande mal do século XX”. Não se sabe ao certo a sua origem geográfica, mas a imprensa espanhola, durante a I Guerra, anunciava que civis estavam adoecendo e morrendo em números alarmantes; depois, em março de 1918, a doença foi observada nos EUA. Os primeiros casos conhecidos da gripe na Europa ocorreram durante a guerra, em abril, atacando tropas francesas, britânicas e americanas estacionadas em portos de embarque na França.

Hospital de campanha nos EUA durante a pandemia de gripe de 1918 

A epidemia matou muito mais que a própria Primeira Guerra Mundial, que terminou em novembro de 1918 com um saldo estimado em 16 milhões de vítimas. Segundo afirmara o Ministro da Saúde Britânico na época, essa epidemia ocupou "nada menos que o terceiro lugar, talvez o segundo, na escala das grandes pragas" de todas as registradas pela História, tendo como rivais a do Reinado de Justiniano e a “peste Negra” do século XIV. Esta gripe foi excepcional em termos de disseminação e gravidade, e acredita-se que até 5% da população mundial tenha sido infectada, falecendo em todo o planeta entre 20 e 40 milhões de pessoas; porém, outras estatísticas elevam o número a 100 milhões.

Rodrigues Alves
Depois do surto ocorrido na Europa, ele propagou-se pelo Brasil através dos navios de passageiros que aqui desembarcavam trazendo imigrantes. No Rio de Janeiro a gripe aportou em junho a bordo do navio Demerara, que teve a sua tripulação atingida pela epidemia em Dakar. No princípio, umas poucas mortes foram registradas, mas em outubro 300 pessoas pereciam por dia na cidade. Ocorreram no País 35 mil casos, entre eles o próprio Presidente eleito, o carioca Rodrigues Alves (1848-1919). No Estado de São Paulo, o número de vítimas chegou a cerca de 8 mil casos. Em Araras que, por sinal, tinha 8 mil habitantes na época, houve mais de uma centena de casos, registrados tanto na zona urbana quanto na rural. Nunca, em época alguma, o Dr. Narciso Gomes, o padre Alarico Zacharias e Luiz Tozzato, o zelador do Cemitério, se viram diante de tantos doentes e falecidos num espaço de tempo tão curto.

Os atacados pela gripe, geralmente eram jovens entre 20 e 40 anos, de modo que por nunca terem sido expostos à vírus semelhantes, não tinham nenhuma imunidade contra o da Influenza, no que sofriam bem mais que os atacados de uma gripe normal: os pulmões, congestionados e enrijecidos, tornavam o ato de respirar numa tarefa quase impossível. As infecções evoluíam rapidamente, e as pessoas morriam em poucos dias, às vezes, em questão de horas, logo depois do aparecimento dos primeiros sintomas, no que eram sufocadas pelos fluídos que tomavam conta dos pulmões. De cada seis ou sete casos, um degenerava em pneumonia tão grave que o paciente só teria duas possibilidades, em três, de escapar. O que tornou essa linhagem tão mortal era um mistério médico, até que, em 2006, cientistas norte-americanos desenvolveram técnicas que permitiram resgatar e ressuscitar os genes do vírus de 1918 de tecidos de uma vítima da época cujo corpo fora encontrado congelado em neve. Análises desses genes e de proteínas codificadas revelaram características do vírus que poderia suprimir as defesas do corpo e provocar uma reação imune violenta nas vítimas, levando à morte. Os cientistas concluíram que, embora o vírus da gripe espanhola tivesse de fato ‘nascido’ pouco antes de 1918, ele surgiu quando um vírus da gripe humana – que já naquela altura, circulava entre a raça humana entre dez a 15 anos – ‘capturou’ um gene de gripe aviária. Não foi um vírus das aves que ‘saltou’ inteirinho das aves para os humanos nem resultou de uma mistura com um vírus suíno.

Relatos da época dão conta de que os corpos ficavam tão arroxeados que era difícil distinguir um cadáver de um branco do de um negro. Sabendo-se hoje da ligação com o vírus da gripe, não deixa de ser curioso o que este site relatou:
                            
“Os médicos, também alarmados, não sabiam o que receitar e indicavam canja de galinha. O resultado foram saques aos armazéns atrás de frangos. Os jornais afirmavam que o tratamento deveria ser feito à base de pinga com limão ou uísque com gengibre.”

Em carta descoberta e publicada no

"desenvolvem rapidamente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais visto. Duas horas após darem entrada [no hospital], têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs do rosto e algumas horas mais tarde pode-se começar a ver a cianose estendendo-se por toda a face a partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o homem negro do branco. A morte chega em poucas horas e acontece simplesmente como uma falta de ar, até que morrem sufocados. É horrível. Pode-se ficar olhando um, dois ou 20 homens morrerem, mas ver esses pobres-diabos sendo abatidos como moscas deixa qualquer um exasperado”.

Dr. Narciso Gomes
Foi um ano muito difícil para a população da região que parecia viver anos de pragas e maldições bíblicas. Primeiro, foram as pragas de gafanhotos que surgiram vindos do Sul. Registros feitos em Mogi-Guaçu citam que uma nuvem imensa e compacta, com alguns quilômetros de largura, cortou o céu da cidade durante horas, seguindo em direção de Minas Gerais. Em Araras houve uma passagem em setembro de 1917 e outra em fevereiro de 1918. No Rio Grande do Sul (Panambi e Passo Fundo) já havia registros em 1906 e 1907, em época de forte seca. Em Araras os registros mais antigos datam de setembro, outubro e novembro de 1906 e maio de 1909. Como não se bastasse, meses antes do surto da gripe e depois da praga dos gafanhotos, ocorrera a grande geada dos dias 25 e 26 de junho de 1918, quando os termômetros chegaram a registrar 4 graus negativos comprometendo toda a lavoura cafeeira, destruindo-se 4 milhões de pé de café.

O Prefeito Coronel André Ulson Júnior, junto do Doutor Luiz Narciso Gomes, então Presidente da Câmara e Inspetor de Higiene Municipal, tomaram medidas preventivas, dentre elas, destacam-se algumas curiosas recomendações profiláticas:

— “Todas as pessoas que tiverem sido afetadas de gripe, deverão conservar-se em suas casas. Não devem cuspir ou escarrar nas ruas e calçadas, devendo fazê-lo somente em escarradeiras ou vasos previamente munidos de uma solução de sublimado que a Prefeitura fornece gratuitamente.”
— “As pessoas ainda não afetadas devem evitar as que foram e que tenham ainda tosse; bem como enquanto durar a epidemia, banir o modo comum de saudação por aperto de mão.”
— “Devem respirar pelas narinas e não pela boca.”
— “Afim de preservar aquelas de possível contaminação, poderão untar a mucosa, por meio de um pequeno tampão de algodão, com a seguinte pomada: ácido bórico 2 gramas, vaselina 30 gramas, mentol 10 centigramas.”

Prefeito André Ulson Junior.
Foi também colocado um guarda em cada casa que tivesse um doente, de modo que se evitava assim

Pelo que se depreende ─ certamente para evitar contágios ─, nenhum dos doentes foi transferido para a Santa Casa da Misericórdia, que na época se situava num prédio na então praça Mário Tavares, entre a igreja Matriz e a atual Casa da Cultura.



A Santa Casa da Misericórdia, exatos 10 anos antes da febre amarela.


A Santa Cruz foi uma das ruas bastante afetadas pelo surto, na época, uma rua ainda de terra batida, com casas com esgoto à céu aberto e latrinas, bem como locais de criações de animais como porcos e aves, enfim, lugares propícios ao aparecimento de ratos e a famigerada peste bubônica, bem como de mosquitos, devido à sua proximidade com o ribeirão das Furnas e seus brejais adjacentes, mas não se sabe se estas condições colaboraram para o avanço da epidemia. De todo modo, já no ano anterior ao surto, havia em Araras um rigoroso serviço de inspeção de quintais. Em maio de 1917, foram inspecionados os quintais das 71 residências existentes ao longo desta rua. O fiscal municipal era o senhor José da Luz, que notificou os proprietários de cinco casas, e “foram intimados a fazer os serviços e limpezas necessárias, adotando certas medidas higiênicas, indispensáveis”.

A rua e a capela de Santa Cruz, exatas três décadas após o surto de febre amarela

No início de novembro do ano seguinte, Araras tinha suas primeiras vítimas de febre amarela: o jornal Tribuna do Povo noticiava no dia 3 que houve uma vítima na rua Santa Cruz, no “prédio no 17”; no dia 10, na casa de no 29, era notificada mais uma vítima; na no 55, duas vítimas, e na de no 89 outras duas. Nesta mesma data iniciava-se a distribuição de mantimentos às vítimas pobres. Para 60 pessoas necessitadas que não podiam trabalhar devido à doença, foram distribuídos: café, chá, açúcar, leite, pão, biscoitos, arroz, feijão, fubá, farinha de mandioca, maisena, sal, toucinho, sabão e querosene, sendo que na rua Santa Cruz, foram contempladas três pessoas da casa no 14, e duas pessoas da casa no 17. Em 24 de novembro surgiam novos casos na mesma rua: duas vítimas na casa no 5; um na casa no 13; uma na no 23; dois na no 55 e uma na no 57. No dia 8 do mês seguinte, mais quatro surgiam na casa no 6. No dia 15, outra em prédio não citado, e no dia 29, nova outra vítima na casa no 38. Como os dados foram colhidos pelo citado jornal e inexistem os exemplares do mês janeiro, não se soube o que ocorreu neste mês, mas no início de fevereiro não mais se noticiava o surto. No final, computou-se que morreram 31 pessoas na cidade.

No sopé, a rua Sta Cruz, o casario e quintais, e a várzea do ribeirão das Furnas. Déc. 1940

A semelhança existente entre o vírus da gripe espanhola e o atual vírus causador da gripe das aves na Europa e da Ásia é impressionante, e sugere que foram necessárias mutações relativamente pequenas para que um vírus aviário como o de 1918 passasse a infectar humanos. Assim, a mutação do vírus da gripe comum de 1918 é semelhante à que surgiu nos casos da gripe aviária (H5N1) ou gripe suína (H1N1). Nestes casos, como não era fácil identificar o organismo que estava causando a doença, não era possível encontrar um tratamento eficaz, tornando a doença fatal na maior parte dos casos.

Sobre a pequena Araras desse ano crítico, o senhor Luiz Rubini, nascido em 1909, comentou em entrevista ao Opinião Jornal em fevereiro de 2003:

“Viemos para a cidade em 1918. A cidade daquele tempo era muito ruim. Não tinha calçamento, rede de esgoto, privada patente. Quando a gente vinha pra escola o cheiro das fossas se espalhava pela cidade. Ela começou a melhorar quando o Zurita foi prefeito”
 

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

NÓS, VIOLONISTAS, E NOSSAS MAL-AMADAS UNHAS!...

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Trato aqui de um problema que envolve os violonistas que costumam tocar com unhas longas, recurso usado para poder melhor dedilhar o instrumento, e com mais precisão de ataque, assunto este dedicado às mulheres.



Minha cisma é o porquê as unhas, quando estão sujas, é só a parte de baixo que conta! E porquê é tão difícil limpar esta parte inferior delas, que sujam que nem o diabo?!


Quem é violonista e trabalha com materiais que normalmente sujam as mãos - como no meu caso, que era desenhista -, sabe o quanto elas se sujam facilmente, bem como o trabalho que dá para limpá-las, tendo as vezes que fazer uma verdadeira raspagem em baixo. 
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O verdadeiro problema disto é que um violonista pode se passar por um pessoa mal-asseada ao se surpreendido (ocasionalmente) com as unhas sujas. 


Mas, lembremos que há vários tipos de sujeira, dependendo das substâncias com que se trabalha, e muitas vezes não é sujeira propriamente dita, mas apenas um produto químico inócuo qualquer , assim como o são os próprios esmaltes de uso feminino, lembrando que o problema que relato pode ser considerado exclusivamente de alçada masculina, e você já vão ver o por quê.




Um parênteses aqui: alguém já ouviu falar da "francesinha de mecânico"? Se não, é aquela eterna sujeirinha escura que os mecânicos trazem nas unhas, mesmo curtas, e que dão a maior trabalheira limpar, necessitando até de produtos químicos...  Pois é, e não se pode, necessariamente, falar que esses caras são "porcos"...

Então, alguém aqui já viu uma mulher com as unhas sujas? Sim, certamente elas limpam as unhas, mas acredito que só a parte visível... Assim, considerando que todas usam esmalte, mesmo que elas estejam com a parte de baixo das unhas suja, quem vai conseguir reparar isto? Impossível, né, amigo!... E mais: alguém aqui acredita que elas fazem uma inspeção diária na parte de baixo das unhas para se evitar isso? Eu nunca vi ou soube!... E, convenhamos, não é todo dia que elas vão à manicure... Mas, enfim, queridas mulheres, se verem um sujeito com unhas longas e "sujas", perguntem antes de criticar se ele é um violonista, ou, no mínimo, dê-lhe um desconto imaginando que seja... Afinal, estas unhas sujas podem fazer uma serenata arrebatadora na tua janela!...

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domingo, 8 de julho de 2018

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DESÍGNIOS DE GERALDO VANDRÉ

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Vandré, no exílio europeu em 1970.
O Geraldo Vandré encerrou carreira em 1973, e certamente nunca mais voltará, por nada neste mundo, por dinheiro nenhum, nem que lhe paguem mais que ofereceram pela volta dos Beatles. Pensando bem: ele encerrou carreira ou ela está em aberto? Em se tratando do excêntrico Vandré, tudo se pode esperar...

As vezes eu fico pensando na qualidade do novo material que o Vandré poderia ter colocado no mercado, e chego a desconfiar que ele havia se esgotado e, por isso mesmo, encerrou carreira, mas, obviamente, a coisa não era bem assim.

Victor Jara (1932-1973)
Se analisarmos claramente, veremos que ele abandonara o lado romântico e bossanovista (em que ele também era ótimo) da virada dos anos 50/60 e partira depois para o Novo Regionalismo (ou Música de Protesto) junto com, p. ex., o Sergio Ricardo, mas, finalmente, entrara de cabeça naquele estilo chileno (que muita gente acha que é estilo original dele, mas, infelizmente não é) e foi até o final com ele. Ouçam a ótima Quilapayún, uma banda chilena de música folclórica, e constatem como o Vandré tem muito do estilo. Há quem diga que Victor Jara ─, o maior cantor chileno ─ é “o Vandré do Chile”, mas eu acho que é o contrário: é o Vandré que é o Victor Jara do Brasil... Numa incrível coincidência, nosso grande vate encerrara carreira no mesmo ano em que a ditadura chilena matou Jara, inclusive chegando antes ao horror de decepar suas mãos com um facão!

Das Terras de Benvirá, gravado na França, 1970.
Andei ouvindo outras gravações do período e era, com todo o perdão da colocação, a mesma ladainha chilena de sempre, aquele estilo de “Caminhando” ou "Réquiem para Matraga”, sempre baseado em poucos acordes. “Fabiana”, uma de suas últimas canções (dos anos 90) ─ que por sinal tem uma poesia que eu acho absurdamente linda, num estilo que só ele tem ─, me decepcionou melodicamente falando, pois é mais do mesmo. Neste período final de sua carreira, a impressão que se tem é que ele se viciou neste estilo ou não conseguia mais fugir dele Haveria o Vandré se esgotado e não conseguia mais compor nada que fosse além de três acordes neste gênero chileno? Assim sendo, talvez um novo material seu correria o risco de se mostrar enfadonho, porém, quem ouve dele por exemplo “Depois é só chorar”, sabe das coisas complexas e tocantes que ele era capaz de compor mesmo sendo um violonista de modestos recursos.

“Das Terras de Benvirá”, sua ultima gravação ─ que eu acho soberba ─ é seu canto do cisne, e ela é incrível por vários motivos: um disco impressionantemente acústico e composto basicamente com músicas de dois acordes, variando nos estilos nordestino e chileno ─ imaginem um disco feito totalmente com dois acordes: isso é Vandré, isso é “Das Terras de Benvirá”! Penso que nunca ninguém deste país, na amargura do exílio, compôs um disco tão intenso, a um tempo amargurado, revoltado, agressivo e terno. “Saudades do Brasil” do Tom Jobim é lindo, mas esse disco do Vandré é, parodiando o nosso hino, “um choro intenso”! Ele sussurra, geme, grita e berra, talvez de saudades do Brasil, e com aquela voz que só ele tem: inimitável, máscula e depurada como nunca. Aquela gravação numa TV alemã em 1970 (foto) mostra bem isso, aquela intensidade interpretativa que só ele tinha.


Esquecendo o Jara, talvez o Vandré fora – em que pese a comparação, mas querendo nivelar por cima ─ o melhor e mais original equivalente ao Bob Dylan que tivemos no Brasil!
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