Antigamente tínhamos artistas pop que tocavam piano e faziam grande sucesso com suas músicas, e o piano tinha participação ativa e efetiva nos arranjos, destacando-se tanto quanto a voz. O que mais se destacou foi o Elton John, mas tínhamos outros grandes como Stevie Wonder, Paul MacCartney (os três maiores), Ray Charles, Leon Russell, Carole King, Barry Manilow, Roberta Flack, Billy Joel e "finalmente" Freddie Mercury, e no Brasil o Guilherme Arantes. Hoje, nos raros artistas que tocam piano, ele quase chega a passar despercebido.
Mesmo no rock o piano se destacava bastante, bem como os teclados eletrônicos, tendo como astros maiores Rick Wakeman, Keith Emerson, Patrick Moraz, Jurgen Fritz, Edgar Froese, Richard Wright, e no Brasil o Manito e o Flávio Venturini. O teclado no rock hoje não se destaca tanto, e só as guitarras parecem imperar.
Encontrei esta ilustração à bico de pena relativa a um jogo de "croquet" (com "o" mesmo), história que se passa na primeira década do século passado em Montevideu. Ela me remeteu à capa do disco "Nursery Cryme", do Genesis, lançado em 1971, em que se vê uma cena de jogo de criquet (com "i").
* Detalhe: a ilustração é do livro "O menino que eu era", de Generoso Ponce Filho, lançado em 1967.
Dia 21 de julho de 1973: lançamento de "Krig-ha, Bandolo!, culminando com um show no teatro Tereza Rachel neste mesmo dia. A revista Rolling Stone Brasil divulgou uma lista dos 100 maiores discos da música brasileira, na qual “Krig-Ha, Bandolo!” ocupou a 12ª posição. Em setembro de 2012, foi eleito pelo público da Rádio Eldorado FM, do portal Estadao.com e do Caderno C2+Música (estes dois últimos pertencentes ao jornal O Estado de S. Paulo) como o quinto melhor disco brasileiro da história. Já a revista Bravo elegeu, em 2008, “Ouro de Tolo” ─ a carro-chefe do disco ─ a 50ª principal música nacional da história. Um ano antes, a mesma revista Rolling Stone Brasil foi ainda mais enfática: colocou essa faixa de Raul na 16ª posição entre as maiores criações musicais do nosso país.
Na verdade, um compacto com “Ouro de Tolo” e “A Hora do Trem Passar” (compacto simples, abril 1973, Philips, Nº 6069076) já havia sido lançado em abril deste ano. Nesta gravação, em vez de Raul cantar “Corcel 73” ─ como na versão do vinil que viria a ser lançado em 21 de julho próximo ─, Raul canta “Carrão 73”. Com o sucesso desse compacto, a gravadora precisou prensá-lo duas vezes para suprir os pedidos das lojas, e já na primeira semana vendeu 60 mil cópias. “Ouro de tolo” é o nome que se dava na Idade Média às promessas de falsos alquimistas, e numa aparição sua no programa Flávio Cavalcanti (de que falarei adiante), logo após o sucesso da música, o Raul explicou: “Ouro de tolo é um termo usado em Geologia para designar uma pedrinha chamada Pirita, que parece ouro mas não é.” Com o sucesso de Raul, o dono da gravadora CBS - onde Raul trabalhava gravara às ocultas “Sociedade da Grã-Ordem...” e fora demitido por isto ─ se sentira arrasado, do mesmo modo que os executivos da gravadora inglesa Decca, que ficaram traumatizados após esnobar os Beatles e estes explodirem em outra gravadora. A título de curiosidade, o polêmico cantor Geraldo Vandré havia voltado do exílio quatro dias antes do lançamento do “Krig-ha, Bandolo!”, ou seja, em 17 de julho de 1973, lembrando também que o primeiro LP dos Secos & Molhados seria lançado 16 dias depois do disco do Raul, ou seja, no dia 6 do mês de agosto.
Assim como os escritores Monteiro Lobato e Arthur Azevedo, Raul Seixas não deixou descendentes diretos, não filiou-se a escolas ─ tinha seu nicho próprio ─, nem alinhou-se com as correntes estéticas, sendo fiel a si mesmo. Por assim dizer, foi um artista único e isolado, não pertencendo à igrejinhas, jamais circunspecto à panelinhas, clube dos bolinhas e afins. Raul evitou ortodoxias musicais e pautou-se pelas leis do próprio temperamento. Diria que Raul granjeou fama e sucesso de uma maneira que pareceu isolá-lo numa faixa única de celebridade.
Faleceu dia 10 passado um dos maiores e mais inovadores guitarristas da História do Rock, Jeff Beck, aos 78 anos, morte lamentadíssima na mídia, e que pegou todos de surpresa!
Mesmo que você não goste de rock, te peço, amigos (as), que ouça esta música, que é de um estilo que eu curto muito, a Space Music, música de um estilo viajantíssimo, espacial, meditativo e flutuante!
Então, amigos (as), aqui vai "Where Were You" (Onde Você Estava), que é a que eu mais gosto dele neste estilo.
Vale a pena a audição, pois é belíssima, e sugiro ouvir à noite, deitado (a) e com a luz apagada, ou melçhor, sozinho no meio do mato com noite estrelada.
Costumo perguntar a mim mesmo se irão aparecer outros reis e rainhas do Rock como, e ao nível de, Raul Seixas e Rita Lee. É muito provável, mas creio que só quando surgir outro movimento em pé de igualdade e criatividade como foi a Contracultura - movimento que não foi só Rock, mas envolveu diversos outros estilos musicais, bem como englobou as artes plásticas, a literatura, o teatro, o futebol, a dramaturgia etc. Enxergo a Contracultura como um Renascimento da modernidade - uma época mágica e abençoada - e convenhamos, é muito difícil superar isso.
Convém não esquecer que houve antes outro rei e outra rainha do rock: me refiro ao Sérgio Murilo e à Celly Campello, mas a coisa foi meio embrionária e pouco durou. Agora, é evidente que a Paula Toller e a Pitty não conseguiriam ser outra Rita Lee, tampouco os finados Cazuza e Renato Russo poderiam ser outro Raul Seixas. São bons compositores, cantores e letristas, mas não vão além disso. A Rita e Raul eram outro patamar: além também de bons cantores, compositores e letristas, eram, naturalmente, atores, fotogênicos, carismáticos, humorados, sarcásticos, irreverentes, contestadores, polêmicos, etc., aliás, como convém a todo grande artista de Rock.
O Lobão, até que tinha uma boa porção destes quesitos, mas é um compositor mediano, e contam-se nos dedos seus sucessos, que, aliás, nada têm de superlativos. Diria até, guardadas as devidas proporções - e põe proporções nisto! -, que a Cassia Ellen está para a Rita Lee, assim como o Lobão está para o Raul, mas ambos precisariam comer muito feijão, mas muito mesmo, mas acontece que os gênios nascem prontos...
Mas, enfim, repito: é muito difícil superar a Rita e o Raul, que, para mim, é coisa de gente predestinada, que não é normal a biografia de ambos. Brasileiros, conformai-vos e… até o próximo Renascimento (ou Contracultura)!...
QUANDO VOCÊ FOR FALAR DA SUPERIORIDADE DA INGLATERRA EM MATÉRIA DE ROCK, É MELHOR DAR UMA ATENTA CHECADA NESTA LISTA QUE LEVANTEI: BANDAS E ARTISTAS DE ROCK NORTE-AMERICANOS DOS ANOS 50,60 E70 = MUITAS NASCENTES DO ROCK E DIVERSIDADE IMPAR!
Eu não sabia, pois, estranhamente, não vi comentário algum nas mídias que frequentei naquele dia: a morte, no dia 13 de janeiro passado, do grande Sylvain_Sylvain, genial guitarrista da banda norte-americana New York Dolls! Capitulara o artista após uma longa batalha contra o câncer nos últimos dois anos e meio.
Certamente, por seu visual provocante e a frente do tempo - imitado à exaustão pelas bandas glan da década de 80 -, o New York Dolss foi a banda mais polêmica dos anos 70, mas, infelizmente, talvez a mais desventurada e azarada na história do rock and roll, isto, pelos mal-sucedidos e trágicos incidentes ocorridos em sua curta carreira, o que levou a sua fatal dissolução.
Mas voltemos à morte do Sylvain. Pois bem. Daí que, quarta-feira passada, com insônia, saí em meio à madrugada e fui dar um rolê com minha cachorra pela noite agradável de Rio Claro, ouvir um som e tomar umas cervejas... Ocorre com certa frequência, mas adoro isto!
Então, no meio do caminho, coincidentemente, procurando vídeos da banda para ouvir, soube de sua triste passagem - isto, como se algo me levasse até a banda para me avisar de sua morte - e fiquei arrasado!
Era o segundo membro original do New York Dolls ainda vivo. Então, numa espécie de homenagem, passei o resto da noite ouvindo os dois grandes discos da banda, e até chorei de tristeza...
Ele era o meu integrante predileto na banda, compositor inspirado e criador de grandes e marcantes riffs de guitarra. Muito aprendi com ele em meus primeiros anos de aprendizado de guitarra, já deixando a bateria. Isto se deu quando comprei o segundo disco da banda, "Too Much Too Soon”, que é fantástico e inspiradíssimo.
Na história do rock, depois do Alice Cooper, até então não havia visto um cara com uma cara tão safada e bandida como a do mal-encarado Sylvain Sylvain, mais parecendo um membro oriundo do MC5. Aliás, Sylvain era judeu, de origem árabe. Visualmente falando, antes dele - inclusive em postura de palco e mize en scéne - só mesmo o Hendrix para peitá-lo.
A propósito, dois artistas que muito imitaram o Sylvain em presença de palco jeito foram dois integrantes do Kiss, Gene Simmons e o Paul Stanley - aquele passo alto que o Simmons dá com a perna esquerda quando se aproxima do microfone para cantar foi roubado do Sylvain. Já o Paul Stanley roubou-lhe diversas trejeitos de palco, que todos pensam ser cria do guitarrista do Kiss, inclusive no visdual... O Sylvain, por sua vez, a meu ver, era meio que um misto de Syd Barret com Marc Bolan.
Sylvain tinha o estilo de guitarra todo calcado no rock and roll dos anos 50, mas, recriando o gênero, jogava muito peso e floreios constantes em cima das execuções, embora nem sempre usasse distorção. Mas foi um criador de estilo, e um estilo muito pessoal e particular de tocar e arranjar as músicas.
Acho o seu riff de “Babylon” o mais lindo de toda a história do rock and roll, e se um alienígena me pedisse uma amostra de rock and roll para ele conhecer o estilo e o espírito desse gênero musical terráqueo, sem dúvida eu colocaria “Babylon” para rolar...
Enfim amigos, é triste ver que a mais um icônico integrante-chave de um das grandes bandas setentistas nos deixa, todos já indo em direção da casa dos 70 e outros 80! Adolescente ingênuo, achava que eles eram eternos e esse dia nunca chegaria!..., isto, quando desejaríamos que todos fossem eternos e imortais pela alegria que nos deram e terem tornado nossa juventude muitíssimo melhor. Felizmente, suas obras fantásticas estão aí para todas as gerações seguintes se esbaldar pela eternidade afora.
Reconheço que ele não foi tão famoso e deu tanto ibope quanto seu parceiro de guitarra na banda, o não menor Johnny Thunders (1952-1991), guitarrista insano, tão talentoso quanto auto-destrutivo; mas, para mim, o Sylvain Sylvain era o cara!
À propósito, Sylvain e Thunders encarnavam o próprio espírito do "fenômeno" da chamada "twin guitar", pois eram muito semelhantes no compor, no executar e florear as canções, de modo que, para mim, era a melhor dupla neste quesito: não eram virtuosos no executar, no solar, mas sim no compor com maestria. Inclusive, Jimmy Page ao ver Johnny Thunders tocar, seu visual provocante e sua postura muito louca no palco, vaticinou que ele seria, em breve, o novo "guitar heroe”, opinião que foi um evidente exagero de Jimi...
Eu sou da opinião que é muito mais fácil se colocar uma melodia cantada em cima de uma base instrumental que o contrário. Por outro lado, fazer uma canção em cima de uma letra colocando-se a melodia nela, é algo meio difícil.
O que este guitarrista fez é soberbo, é genial e de um bom gosto extremo, pois pegou o discurso inflamado de um pastor e colocou um arranjo sublime em cima, isto como se os dois tivessem sentados juntos e composto uma canção com começo, meio e fim. E, acima de tudo, o cara fez naquele estilo único criado pelo grande Tony Yommi, estilo negro e sabbatiano, com notas menores, sombrias, com o tétrico trítono pelo meio, e mais, casando o arranjo à linha performática do pastor, com seu estilo de interpretar meio "demoníaco" - pastor este que é um verdadeiro artista em sua área.
O resultado desse trabalho vem provar que nem sempre é necessário se cantar uma música, mas podemos apenas falar a letra, como o Hendrix fazia, e o Bob Dylan, o Dave Lee Roth e o Mark Knopfler fazem, e, no caso do pastor, falar agressivamente jogando uns drives em cima.
Outro detalhe interessante nesta composição, são os diversos andamentos obtidos nela, com vários ritmos, acelerações, paradas e desacelerações - isto se deveu ao fato de o guitarrista ter se fiado nas cadências da fala do pastor; aliás, isto é um ponto positivo para quem compõe em casos assim, pois estimula a criatividade e ajuda a enriquecer a música.
Amigos, eu não me canso de ouvir essa música e ficar tão maravilhado quanto abestalhado com o trabalho primoroso que esse guitarrista fez. No fundo parece um perfeito videoclipe promocional de um guitarrista, o que, convenhamos, daria um trabalho do caralho para fazer, isto, com roteiro, muitas horas de gravação e envolvendo uma grande equipe e muita grana.
Enfim, esta música deveria ter feito sucesso nas paradas de todo mundo, pois é coisa de gênio.
Eu me lembro de Araras, naquela época da ditadura, de certas pessoas que conhecíamos de vista, ou que eram famosas na cidade, gente que sofria deveras com a repressão e a violência perpetrada pelo governo militar. Víamos essas pessoas pelas ruas, becos e vielas e praças, sempre andando furtivamente, com os olhos esbugalhados, enclavinhados ─ paranóicos até ─, tremendo de medo cada vez que mal viam a polícia ou militares. Geralmente, eram professores, escritores e artistas da vida, bancários, contraventores, amantes de ideologias exóticas etc., gente que, depois, foram presas e torturadas; e, até mesmo, muitos deles nunca mais vimos! Disseram que “os homens deram sumiço neles”. Era gente que não se misturava, de vida secreta e sinistra, que sempre evitava sair de casa, e se saía, lá vinha a tal de paranoia...
Também se incluía neste caldeirão oposicionista os poetas marginais, os compositores de MPB subversiva (sim, eles existiam em Araras!) e músicos de rock. Todos estes, eram gente que tiveram suas criações censuradas e suas modas reprimidas e condenadas. Pobres rockeiros, que também tiveram seus cabelões (“cheios de piolhos”) cortados e os discos proibidos, que não conseguiam tocar com suas bandas, pois a polícia vinha e arrebentava a galera, acabava com o show e prendia meio mundo. Do mesmo modo, não podiam ir aos bares da moda, em shows em outras cidades onde havia circuitos de bandas de rock, em festivais de música, em peças de teatro etc.
Já eu e minha turma, e outras turmas, amigos da escola, conhecidos das lanchonetes, das sessões de cinema e footings na praça, também meus familiares ─ na verdade, muitas pessoas da cidade ─, ficávamos só vendo, à distância, ou sabendo destas coisas ruins acontecendo com aquela gente lá do outro lado... Nós, na verdade, éramos todos uns caretões, gente certinha demais que só bebia Coca Cola e que ia dormir às 10 da noite, de modo que nada sofremos dessas coisas terríveis infringidas pela ditadura àquela gente inocente que sofria injustamente nas mãos dos brutamontes dos meganhas.
Meu Deus, como essa pobre gente sofreu na Araras daqueles tempos! E, quanto a mim, nunca mais quero reviver aquilo, e quero mesmo é esquecer tudo o que aconteceu! Isto é página virada na história de Araras!
Uma pausa aqui.
Estão estranhando algo neste texto, amigos? Se sim, saiba que vocês estão certos! Como podem ver, esta história acima é mentirosa, é ficção, é utopia, que isso nunca existiu na cidade. E o que existiu não passou de um certo medo dos atiradores do Tiro de Guerra local de que o Lamarca ou o Marighella viessem, na calada da noite, assaltar a corporação e roubar os armamentos.
Mas, amigos, querem saber mesmo quem são essas pessoas que sobreviveram à toda aquela monstruosidade e carnificina militarista? Essas pessoas, caros ararenses, são esses “artistas” que ficam aí nas redes sociais contando mentiras sobre coisas que jamais viveram ou sofreram naqueles tempos bonançosos de “Cidade das Árvores”... Não passam de saudosistas às avessas que ficam rememorando fatos ditatoriais que nunca ocorreram em nossa terra, e até acreditam que os estão revivendo na “Era Bolsonaro”!...
Vale lembrar que eu nunca vi ou soube, em Araras, de uma pessoa que fosse guerrilheiro, assaltante de banco, sequestrador, comunista, ou mesmo marxista, socialista ou leninista. Na verdade, o que eles iriam fazer naquela cidadela setenta-oitentista que era Araras com todo esse “cabedal”? Se existiu algum, então ele se debandou para os grandes centros, onde realmente deve ter tido serventia, bem como sofrido as consequências por seu ato... Sei de um caso em Araras, e talvez seja o único, no que ele representa 0,01% de sua população, de modo que 99,% da cidade viveu sem tais problemas.
Portanto amigos, não se fiem nas palavras e depoimentos dessas pessoas traumatizadas pelas torturas que só podem ter sofrido em estado onírico... Um dia eles irão acordar e se dar conta de que o que falam não passa de mero lero-lero de periquitos de realejo...
Para finalizar, gostaria de lembrar que, eu mesmo, que era cabeludo e tocava numa banda de rock, nunca sofri com minha banda repressão alguma ou mesmo uma mera intimidação da polícia. Frequentávamos shows de rock e bares da moda onde se reunia toda a rapeize, tomávamos todas, voltávamos para casa naquelas madrugadas de ruas vazias de carros e de gente, e mais, não existiam ladrões como hoje. Todos nós, adultos e jovens daquela época, curtimos tudo o que tivemos direito em qualquer hora do dia e da noite, e a polícia ou militar algum jamais colocou um dedo em nossos cabelos... Havia a chamada “geral”, uma vistoria da polícia em pessoas suspeitas, mas, geralmente, a coisa não passava disso.
Mas, e aqueles nossos conterrâneos, os mesmos que, num saudosismo às avessas, falam no Facebook sobre a ditadura? Saibam, amigos, que eles também desfrutaram de todas aquelas coisas boas, dos benesses da Contracultura, do Paz & Amor, do Flower Power e do Milagre Econômico, tudo no mesmo nível e intensidade de todos os ararenses e e sem problema algum, sem o fantasma dos militares no seu encalço… Tenho dito!
No Brasil, a tradução à Rolling Stones costuma ser Pedras Rolantes, porém, a tradução mais apropriada, melhor, a tradução fiel é Seixos Rolados, o que não soa muito legal, e até incompreensível pra muitos.
Muitos não sabem, mas seixos rolados são aquelas pedras de formato arredondado e superfície lisa encontradas seja nos leitos, seja nas margens de rios, características ocorridas pela ação das águas durante séculos, de onde são retiradas e utilizadas em construção civil, artesanato e ajardinamento.
O batismo da banda é inteligente, pois eles estão sempre se renovando, não param e parecem não envelhecer, pelo menos no que diz respeito à identidade e à musica sempre instigante e invulnerável ao tempo. Aliás, - o que é surpreendente - estão sempre fazendo novos fãs entre as novas gerações, o que os torna campeões de permanência no show bizz.
Um sinônimo para Rolling Stones, caso uma banda do mesmo estilo quisesse, oportuna e espertamente, "plagiar" o nome seria Rocks Rolling, o que aliás, é um ótimo nome para uma banda cover, e batismo mais rockeiro até.
(Cometas - Os Vagabundos do Espaço. David A. Seargent, 1982)
ar
Um
livro do Monteiro Lobato, o saboroso “Viagem ao Céu”, obra que eu li avidamente
quando criança, pois trata de temas sobre Astronomia, traz o seguinte texto:
“Era
em Abril, o mês de dia de anos de Pedrinho e por todos considerado o melhor mês
do ano. Por que? Por que não é frio nem quente e não é o mês das águas nem de
seca – tudo na conta certa! E por causa disso inventaram lá no Sítio do
Pica-Pau Amarelo uma grande novidade: as férias-de-lagarto (...) Já que o mês
de Abril é o mais agradável de todos, escolheram-no para o grande “repouso
anual” – o mês inteiro sem fazer nada, parado, cochilando como lagartos ao sol!
Sem fazer nada é um modo de dizer, pois que eles ficavam fazendo uma coisa
agradabilíssima: vivendo! Só isso. Gozando o prazer de viver..."
Mas
porque, amigos, querendo eu lhes falar da efeméride do disco “Fruto Proibido”,
abro a matéria com uma transcrição de um texto de Monteiro Lobato? Pois bem: é justamente
em Abril de 1975, no melhor mês de estação do Outono, que estava em processo de
elaboração a obra-prima que é este disco. Pois, se vocês assistirem ao clipe oficial da
balada “Ovelha Negra”, poderão imaginar que, naquelas imagens, Rita está
“lagarteando” como a levada da breca boneca Emília. Vemos ali que ela
“Levava
uma vida sossegada
Gostava
de sombra e água fresca”...
Onde
ouvia:
“O
som das nuvens
A
conversa do vento
(...)
O som das flores
O
murmúrio do céu”
Para
mim também, como a turma do Sitio, acho este mês outonal o melhor do ano, e é
nele que sempre procuro tirar as minhas férias.
Mas,
antes ainda de partir para o assunto principal, gostaria de dizer que lembro-me perfeitamente do que aconteceu num final
de tarde da estação seguinte, num pôr do Sol invernal, em que comprei esse
disco, pois ao chegar das escola (eu tinha 14 anos) com meus livros e cadernos e o “Fruto Proibido” debaixo do braço —, à Usina Palmeiras (Araras-SP), onde morava, desci do ônibus e presenciei algo
inusitado. Nesta tarde, ocorreu um incrível fenômeno atmosférico em que todo o
céu acima da Usina ficou sob um tapete de nuvens baixas que se avermelharam
intensamente ao crepúsculo. Ventos vindos do lado sudoeste da cidade, da região de Rio Claro, trouxeram estas nuvens para estes lados onde o fenômeno se deu. Fora um final de tarde inesquecível!
A Usina Palmeiras, em crepúsculo invernal, no distante 1983.
Coincidentemente, Araras é cidade vizinha de Rio Claro, onde nasceu a mãe Rita, cidade em que ela passava as férias na infância.
Rita Lee, de camisa xadrez, em foto feita durante sua infância em Rio Claro-SP.
Voltando ao "Fruto Proibido", décadas
depois, o jornalista Bernardo Carvalho, em 22-12-1996, disse numa reportagem na
Folha de São Paulo que
“A imagem e a voz de
Rita Lee estão associadas a um passado ainda muito recente para poder desfrutar
das glórias da nostalgia.”
Quando
escrevo este presente texto, estamos em 2015, portanto há 40 anos do citado
lançamento, e eu pergunto: Será que já chegamos neste período nostálgico? Não pretendo responder esta pergunta, mas
digo com toda sinceridade, que é só ouvir essa maravilha que é “Fruto
Proibido”, que todas as visões e sensações incríveis vivenciadas naquela incrível
tarde crepuscular afloram à minha mente nostálgica.
Sobre as datas de
lançamento
O
disco, ao que se depreende, foi lançado no finalzinho de junho, tendo uma
pequena resenha no jornal Folha de São
Paulo em 30-6-1975. E ela trazia um desabafo, talvez dito pela própria
Rita:
“Não aceitamos essas
imposições (as faixas marcadas para divulgação pela Som Livre). São boas, mas
não são as melhores do álbum. ‘Pirataria’ é uma boa faixa. Existem outras duas
de alta qualidade, como ‘Fruto proibido/Esse tal de roque enrow’”.
A
revista Veja, por sua vez, trazia sua
resenha duas semanas depois, na edição de 16 de julho. De curioso nela, podia
se ler o texto de Tárik de Souza, que se já mencionava Rita como superestrela do
rock nacional:
“Rita Lee parece
outra vez disposta a passar de superestrela do acanhado rock nacional a
primeira dama da música jovem em geral”.
Já
a crítica do jornal carioca Jornal do
Brasil era bastante breve, dizendo que havia
“um
pouco de rock-nativo no LP Fruto Proibido”.
Por
sua vez, a revista Geração Pop, de
julho, trazia uma pequena resenha do disco que nada acrescentava nem orientava
o ouvinte.
Rita Lee, uma quase freira...
Assim,
algum dia do distante mês de junho de 1975 — portanto comemorando jubileu de
rubi —, chegava às prateleiras das lojas brasileiras de discos aquele que pode
ser considerado uma das principais obras-primas do rock and roll brasileiro, o disco “Fruto Proibido", da então já veretarana Rita Lee e seu ótimo grupo, o Tuttti Frutti. Após o relativo o sucesso de "Mamãe Natureza", o hit de do disco “Atrás do Porto
Tem Uma Cidade”, “Fruto Proibido” era a consagração de Rita como rockeira, e
devemos dar graças aos céus por isso, uma vez que os conventos perderam uma (im)possível
freira levada da breca, enquanto o rock brasileiro ganhou aquela que é sua
maior representante em todos os tempos, a "Santa Rita de Sampa"!...
Como era o cenário
musical na época
Numa
breve revirada à procura de lançamentos nas bancadas das lojas de discos, podíamos
nos deparar com "Slade in Flame" do Slade; "Live" do Uriah
Heep"; o primeiro LP solo do Ney Matogrosso, no vitorioso LP homônimo;
idem o João Ricardo, ex-Secos & Molhados, no LP que não aconteceu; também o
célebre primeiro LP solo do ex-marido da Rita Lee, o "Loki" do Arnaldo
Baptista; o primeiro do Emerson, Lake & Palmer, de cujo hit “Lucky Man” Rita e o Tutti Frutti fariam
um cover no show “Fruto Proibido”; o novo LP de Elton John, o autobiográfico
“Captain Fantastic & the Brown Dirty Cowboy”, e a gravadora aproveitou e lançou também no
Brasil o seu primeiro disco, o fraco "Empty Sky". Lançado também
nesta leva, e com atraso de três anos, encontrava-se o duplo ao vivo do Deep Purple, o
ótimo “Made in Japan”; com atraso também vinha “Visions of The Emerald Beyond”
da Mahavisnhu Orchestra, e “Straight
Shooter”, com o Bad Company (do LP anterior, o primeiro, a banda faria um cover de "Ready for Love" também no mesmo show). Podiam ainda ser encontrados o também duplo “Tommy”, do The
Who; os guitarrísticos “For Earth Below do Robin Trower e “Blow by Blow” do Jeff
Beck; os eletrônicos “Autoban” do Kraftwerk, e “Rubycon” do Tangerine Dream. Finalmente, “Molhado de Suor" do Alceu Valença, e o Raul Seixas, numa espécie de
prévia ao “Gita”, com a coleção de sucessoS “Vinte Anos de Rock and Roll”.
Curiosamente,
em 18 de junho de 1975, às vésperas do lançamento de “Fruto Proibido”, resenhando
o novo disco "King Arthur" do tecladista Rick Wakeman na revista Veja, o crítico musical Tárik de Souza
parecia estar vaticinando o movimento punk: "Ora, deixem o rock envelhecer
(e voltar a infância) em paz"...
Nessa
avalanche de bons lançamentos, vinha Rita e o seu Tutti Frutti, com os hits “Ovelha Negra”,
“Agora Só Falta Você” e “Esse Tal de Roque Enrow”, que dividiam em pé de igualdade as
rádios com músicas românticas como “Lovin’ You” de Minnie Riperton, “One Day in
Your Life” com o Michael Jackson e “I’m Down” dos The Hollies; e, na ala rock,
com “Pinball Wizard” com o Elton John e “I Know What I Like” do Genesis. Dentre
as baladas nacionais, se destacavam “Na Sombra de uma Árvore” com o Hildon, e a
chorosa “Quantas Lágrimas” com a Cristina Buarque.
Foi
dentro deste contexto que “Fruto Proibido” chegou às lojas, em suma, nada que
lhe fizesse uma grande afronta à ponto de desviar a atenção do rockeiro
brasileiro para a beleza interna e externa que era o promissor LP.
Revista Violão & Guitarra Nº 15, 1975.
O estilo das
músicas
Na
mesma linha do disco anterior, “Atrás do Porto Tem Uma Cidade”, “Fruto
Proibido” era uma perfeita mistura de blues e hard rock, tudo embalado em
incríveis arranjos com sabor pop, a cargo da competente banda.
A
temática das letras iam desde rebeldia e drogas (subliminarmente), amor, feminismo, ironia e
ecologia, em suma, um repertório de temática híbrida que agradou em cheio os
jovens da época. Por isto tudo, “Fruto
Proibido” acabou
sendo considerado o álbum mais roqueiro e (ins)pirado da carreira da cantora.
Aliás,
vale ressaltar que a irreverência seria uma de suas tônicas a partir desse
disco — vide (no ano seguinte) “Arrombou a Festa”, onde, indo da ironia à impiedade, Rita debocha
com meio mundo dos artistas da MPB da época, lembrando que houve uma continuidade
em “Arrombou a Festa II” anos depois (1979), onde ela fez o serviço completo, não
deixando pedra sobre pedra...
Shows em Poços de Caldas, 22 e 23 de novembro de 1975.
Os méritos do disco
e o sucesso
Atualmente,
o disco é cotado pela crítica especializada como o melhor álbum de rock
nacional de todos os tempos. Numa lista com os 100 discos mais importantes do
país, a revista Rolling Stone
brasileira incluiu o disco, e o considerou como o 16 melhor álbum de
todos os tempos da música brasileira. Lembremos que “Fruto Proibido” é o quarto
disco solo de Rita Lee, e o segundo com o Tutti Frutti. Foi também incluído em uma lista da revista Super Interessante como um dos principais álbuns do rock brasileiro.
E o sucesso foi tanto que tanto que “Ovelha negra” e “Agora só falta você” subiram
aos primeiros lugares das paradas, com direito à clipes em um programa de alto
ibope, fatos surpreendentes em se tratando do tipo de rock que se fazia naquela
perigosa e arriscada época ditatorial, uma vez que, como a própria Rita cantou
depois: “rockeiro brasileiro sempre teve cara de bandido”. Convém lembrar que o
disco era da gravadora Som Livre, ligada à Rede Globo, e a
execução das mesmas país afora neste programa — o Fantástico
— , ajudou ela e banda a conquistar um disco duplo de platina, já
que haviam atingido na época a marca de 200 mil cópias vendidas. No montante, até
hoje, computa-se que foram vendidas 700 mil cópias, façanha só comparável aos grandes vendedores da
época, leia-se: Roberto Carlos, Secos & Molhados e Raul Seixas.
Além
disso, numa enquete feita pela revista Geração
Pop, em dezembro de 1974, Rita Lee foi eleita a “Melhor Cantora de 1974”, e
de quebra, o maior nome feminino do nosso rock, resumindo: a “Rainha do Rock Brasileiro”!
Suas constantes aparições nesta revista levaram à conclusão de que foi a
personalidade feminina do rock que mais teve matérias em suas páginas até setembro
de 1976. Inclusive, neste último ano, em janeiro, Rita foi eleita também pela revista Rock, a História e a Glória como a
melhor cantora de 1975.
Os shows inovadores
Desde
o show anterior, o do disco “Atrás do Porto Tem Uma Cidade” — considerado o
melhor show do ano de 1974 pela citada revista POP —, Rita vinha chamando a atenção pela beleza, qualidade e
profissionalismo de suas apresentações.
A
revista Geração Pop de novembro de 1974, trazia, além de belíssimas fotos, o
seguinte texto:
“Rita Lee está com
tudo mesmo! Seu novo show, Atrás do Porto Tem uma Cidade, foi tão bem montado
que deixou os empresários Alberto Kossky e George Ellis impressionados. Tanto
que, logo depois da estreia em São Paulo, no teatro Bandeirantes, eles
começaram a transar a apresentação do show no Carneggie Hall de Nova York””
Mas o tal show não aconteceu e
não se sabe o porquê.
O carro chefe do disco era a lírica e
belíssima balada “Menino Bonito”, que já dava indícios da inspirada compositora
que estava “surgindo”. Neste show, além de uma equipe de cerca 20 pessoas, ela tinha
nada mais nada menos que 18 toneladas de equipamento e um palco de 12 por 15 metros, o que não era pouco
naqueles tempos difíceis em que tudo era absurdamente caro em se tratando de
“aparelhagens de som”.
Sobre sua equipe, Rita revelou na época:
“Somos, ao todo, vinte cinco pessoas. Sete se apresentam tocando, cantando
e dançando comigo. Os outros são técnicos: de som, iluminação, cenografia, etc.
Por isso só podemos nos apresentar em grandes palcos e nosso show sempre parece
uma festa incrível.”
Sobre
o show “Fruto Proibido”, Antonio Carlos Duncan, então diretor da gravadora Odeon, citou na época: “o único show que
tem condições de ser levado para qualquer lugar“. Duncan afirmava isto baseado
na “postura do grupo e da artista”, bem como na “estrutura e retaguarda”. O
crítico Carlos A. Gouvêa, da Folha de São
Paulo, em 18-8-1975, citou:
“Há muito tempo que
não víamos em palcos de São Paulo um concerto de rock com um desenrolar mágico,
espontâneo, de qualidade e com características profissionais (...)”.
Roberto
Nascimento, do blog “Estadão”, escreveu:
“Em termos visuais,
o disco levou a sério a proposta profissionalizante. Andy Mills apostou em um
espetáculo colorido com Rita Lee de luvas de cetim, corpete e cinta-liga e o
alto e bom som mixado por um sistema ‘surround’, uma grande novidade para a
época.”
Trabalho cênico de
Primeiro Mundo
Outro
ponto alto dos shows era o visual criado pela iluminadora Judy Spencer (foto) sócia
de Mônica Lisboa, que tornou seu trabalho de iluminação uma inovação no Brasil,
isto, após ter assessorado os próprios Mutantes após a saída de Rita da banda. O
trabalho de Judy era inédito no país, porém, tudo era feito na base do teste e do
improviso, mas usando a criatividade e a invenção O problema é que, no Brasil,
não havia boas aparelhagens de iluminação de fabricação nacional, nenhum curso técnico no ramo nem professores, sequer uma revista especializada sobre iluminação.
Com
a vinda de Alice Cooper em março/abril de 1974, Judy Spencer e Mônica Lisboa, que eram
sócias, compraram 22 refletores de mil watts
cada antes de a banda retornar aos EUA, sendo detentoras, então, do maior aparelhagem de
iluminação do país. Duas das luzes dos 22 refletores comprados podem ser vistas
na capa de “Tudo Foi Feito Pelo Sol” dos Mutantes, que são aquela bonita
combinação de luz laranja e violeta, a mesma que está também na capa e
contra-capa o disco ”Killer” do Alice Cooper, e semelhantes à da capa do então recém-lançado “Made in
Japan” do Deep Purple.
O
rigor e o bom-gosto eram a tônica de Judy, a ponto de ela ser considerada o 7º
membro do Tutti Frutti, no que remetia ao ótimo Mick Brockett, o criativo
iluminador inglês da banda de rock progressivo Nektar, que devido ao seu
impressionante trabalho visual com a banda nas luzes, projeções visuais e
montagens de palco, era considerado o 6º membro.
Em
suma, Judy é considerada hoje a pioneira da iluminação cênica no país — sorte
da Rita Lee!
Famoso tecladista
progressivo se deslumbra com Rita
Mas
os elogios não pararam por aí: no dia 12 de agosto de 1975, desembarcava no
Brasil o tecladista da banda progressiva Yes, que vinha visitar o país e
agendar gravações, no que aproveitou o ensejo para conhecer o rock que era
feito por aqui, o que não lhe agradou muito pois, com raras exceções, pois
disse só ter visto gente querendo imitar o que se fazia nos EUA e na Inglaterra.
Rita foi uma exceção — após assistir seu novo show, exclamou:
“Muito profissional,
muito sexy e sobretudo uma grande atriz.”
Era
na noite de estreia do show em São Paulo, quando cerca de duas mil pessoas
lotavam o teatro “Aquarius”.
Um príncipe, fã da Rainha do Rock Brasileiro!
Décadas depois, um outro inglês não menos célebre,
viria engrossar o coro de fãs de Rita: nada mais nada menos que o Príncipe
Charles, que revelou ser Rita Lee a sua cantora predileta, no que menosprezou
não só Elton John (o predileto de sua esposa, a finada princesa Diana), como também a banda Queen e os próprios
Beatles!
Cita-se
que os shows de estreia no Rio de Janeiro, no teatro “João Caetano”, entre 15 e
19 de julho, 10 mil pessoas foram computadas, lembrando que um show extra teve
que ser acrescentado devido ao enorme sucesso. Rita relembrou estes memoráveis
shows:
“Desta vez, estreamos no Rio o show Fruto Proibido, que apresenta as músicas de nosso novo long-
play. Ficamos no Teatro João Caetano apenas quatro dias. A casa sempre lotada,
tivemos de fazer uma sessão extra: uma vesperal no domingo. Houve até venda em
câmbio-negro: a garotada curtiu mais do que o público da sessão noturna.”
O primeiro anúncio do
primeiro show do "Fruto Proibido".
Quando
o show veio para São Paulo, no citado teatro “Aquarius”, entre 13 e 24 de
agosto, o fenômeno se repetiu. O porquê de o show de estreia ter se dado no Rio
de Janeiro e não em São Paulo, onde morava, foi explicado pela própria Rita
numa entrevista, ainda no Rio, à revista Amiga,
no início de julho de 1975, onde Rita justificou a decisão:
“O Rio sempre foi uma
cidade aberta. É no Rio que se decide a moda e, por isso, decidimos lançar o
show aqui. Vamos ver se levantamos São Paulo, que consideramos uma cidade
triste.”
Sobre
o tipo de público que frequentava os shows, Rita disse:
“O forte de nossa plateia são os adolescentes, a turma do ginásio e do
colegial. Mas o primário e o Mobral também nos curtem demais...”
Depois de São Paulo, inúmeras apresentações
ocorreram em todo o país, preferencialmente nas capitais. Segundo a então
empresária Mônica Lisboa, foram 82 shows do “Fruto Proibido”, que se iniciou
em agosto de 1975 no Rio de Janeiro, passando por São Paulo, e depois por cerca
de 40 cidades por todo o Brasil, todas com menos de 90 mil habitantes, findando a turnê,
ao que parece, em de março de 1976.
“Quem falou que não pode ser? Não, não...! Eu posso tudo!”
Rita, nos shows, era a "mulher dos sete instrumentos":
além de cantar, dançava, tocava flauta, violão e sintetizador, portanto, uma
artista eclética e, pasmem, autodidata! Na verdade, durante a infância, teve aulas de piano com a musicista clássica Magdalena Tagliaferro, e o autodidatismo se estendia à flauta, bateria, percussão e violão. À propósito, Rita tinha teclados que dificilmente as bandas de rock da época possuíam, isto, devido ao preço caríssimo, como Moog, Mellotron, Clavinete, Hammond e piano elétrico. Além disso — fato que raros comentam —,
Rita é uma ótima desenhista e ilustradora, inclusive, a capa de se seu disco “Hoje é o primeiro
dia do resto da sua vida” (1972) é de sua autoria.
Recriação de uma apropriação indébita...
Uma curiosidade na parte gráfica de "Fruto Proibido" é uma espécie de símbolo, que talvez funcione como um logo do disco, usado na contra-capa e encarte, um desenho que lembra algo uma pata de gato em que um dos dedos, que possui dois anéis, espeta com a unha algo como uma cereja (seria o tal “fruto proibido?...).
Pois bem: este desenho foi surrupiado de um disco lançado em 1972 no EUA, chamado “Rock On”, da banda The Bunch, na verdade, uma reunião de músicos de duas bandas folk-rock da época: a Fairport Convention e a Fotheringay, onde fazem releituras de clássicos do rock’n’roll. A ilustração original do disco da Bunch é uma pintura em aerógrafo que lembra uma pata estilizada, meio rococó, com um anel e outro ornato que, na verdade, é um cabeçote de braço de toca-discos, e a unha representa a agulha, que por sua vez sulca um disco. O verso da contra-capa do disco da Rita atribui a arte à um tal de Kélio, e pode ser que seja ele o autor do desenho, e se foi apenas o diagramador, a arte pode ser de autoria da própria Rita, que recriou a arte original em papel vegetal e nanquim. Como o disco da Bunch não foi lançado no Brasil, não se sabe a "proveniência" do exemplar utilizado no processo, se foi comprado em lojas importadoras ou mesmo sua capa vista num catálogo de discos ou revista de rock, mas quem sabe o então namorado da Rita Lee, o Arnaldo Batista, não trouxe a bolacha dos EUA quando foi comprar equipamentos para os Mutantes por lá em 1973.
Portanto, amigos, estamos diante de um caso de apropriação indébita e recriação de uma arte alheia, caso que, por sinal, passou despercebida de todos por décadas, e coube a este que vos escreve levantar esta perdiz... Se acalmem: isto não desmerece em nada a obra-prima que é “Fruto Proibido”, não passando o fato de um pecado venial da nossa querida Rita.
Rita, compositora de mão cheia
Outro pormenor que também chamava atenção
em Rita no disco era o fato de que ela se revelou uma ótima e promissora
compositora. E não é a toa que “Fruto Proibido” se encaixa naquele raro caso em
que um disco normal de um artista mais parece uma coleção de hits, tantas são as composições boas no disco! Da minha parte, diria: "Pena este disco não ter sido duplo, e músicas não faltavam para
isso!" Convém ressaltar que as canções são relativamente complexas, cheias de
lirismo e sentimento, com muitas variações não só nas harmonias, mas também nos
arranjos. Vira e mexe, penso aqui comigo: "Qual foi a reação dos irmãos Dias Baptista — me refiro ao Sérgio e o Arnaldo
— depois de ouvir este disco pela primeira vez?...
Aliás,
em se falando de mulheres na música, Rita levava grande ”vantagem” sobre a
maioria esmagadora das cantoras nacionais, pois, como vimos, também era compositora, e
compositora de mão cheia, inteligente, humorada e criativa. E, caso não saiba,
caro leitor, Rita é fã de Dolores Duran, e nela deve ter se espelhado. Pois é: para Rita, Dolores foi uma
pessoa incrível: "Ela sempre me impressionou porque era uma mulher que
compunha e cantava"...
Outro
(grande) pormenor a ser levado em conta sobre a Rita compositora, é o fato de
que ela tem um estilo todo próprio e pessoal de compor, e basta ouvir uma nova
música sua gravada por outro intérprete para atinar de pronto que se trata de composição
sua, o que não é pouco!
E a crítica era unânime em afirmar que ela era a única artista brasileira que fazia
rock genuinamente nacional, numa linguagem simples e atrativa, fato a que
também faz jus o seu equivalente masculino, o “Rei do Rock Brasileiro”, Raul
Seixas. E era isto mesmo: capacidade de poucos na época, “Fruto Proibido” era
uma aula de ”como se fazer rock em português”.
Sua
empresária na época, a Mônica Lisboa, disse que Rita era uma espécie de
bandeirante do rock, “assim como uma exploradora que pretende cantar um rock
tão brasileiro quanto o samba”. Aliás, desde o disco anterior, ela dizia para a
crítica que “estava propondo canções fáceis de imediata assimilação, com uma
linguagem quase infantil, que faz mais meu gênero.” Sobre sua arte e a artista
que era, na mesma época, Rita foi enfática:
“A minha música é um
teatro vivo, porque eu estou numas de querer falar com as pessoas que eu não
estou numas de querer definir uma pessoa em mim.”
De todo modo, à sua
revelia,
Rita se tornou uma superstar!...
O
irônico nisto tudo é que, no final de 1974, citou-se que Rita havia sido dispensada da
gravadora Phonogram sob a alegação
que não vendia discos nem dava lucros. O problema se referia, em especial, ao
seu primeiro disco com o Tutti Frutti, o citado “Atrás do Porto Tem Uma
Cidade”, considerado um disco fraco pela crítica. Na verdade, os anteriores
também não haviam vendido à contento da gravadora. No mesmo final de ano, Rita
foi contratada pela Som Livre, e a
história e o resultado todos conhecem decor e salteado... Desnecessário dizer que os
magnatas da Phonogram deve ter se
arrependido à beça com a partida da talentosa rockeira!... Numa entrevista à
revista Música, em abril de 1977, Rita revelou a verdade:
“A gravadora não tem
muita visão. Na minha época da Phonogram,
por exemplo, eu tinha acabado de sair dos Mutantes e era o meu primeiro
trabalho com o Tutti Frutti. Eu pretendia um trabalho de não levar as coisas a
sério, mas propositadamente. Mostrar
para as pessoas o porquê de não levar a sério. Mas a Phonogram me deu uma brecada. ‘Atrás do Porto’ foi uma barra. Eles
pretendiam que eu assumisse uma de superstar, e eu não queria isso. Eles não
tiveram paciência de esperar e optaram pelo João Ricardo. Eu resolvi sair. Resultado:
o maior desastre da Phonogram não fui
eu, foi o João Ricardo. Ele é o grande exemplo de coisa fabricada."
Outro motivo alegado por Rita era que a gravadora, num clima de “discriminação pessoal em relação ao artista”, insistia que ela não fizesse parte do grupo Tutti-Frutti, e ela garantia que é parte de um conjunto e não estrela”.
Noutra
entrevista à revista Sétimo Céu, em
agosto de 1975, se referindo ao novo disco “Fruto Proibido”, Rita disse que “o
trabalho é do grupo e não só meu! Quanto à Phonogram, aquela posturapodia revelar que a
gravadora a queria como artista solo e não como um mero membro de um grupo. Rita
disse ainda que, na Som Livre,
“a
gente encontra seres humanos como João Araújo, que é o chefe, que vem
apertar a mão de cada um do conjunto, não fazendo distinções entre mim
como estrela e eles como acompanhantes.”
Vale lembrar que o João Araújo, era nada mais nada menos que o pai do cantor Cazuza e dono da Som Livre.
Curiosamente, a própria Rita não tinha pretensões de ser artista
solo e citou que lhe bastava ser uma crooner
— ou “corista”, como ela própria dizia — de uma banda de rock . À propósito, ela fez muito isso nos tempos doTeen Ages Sister, um conjunto de
rock formado só por meninas que ela tinha nos tempos de pré-adolescência. Numa
entrevista à revista Manchete em
1981, Rita confidenciou: “Gosto mesmo de compor. Não acho que seja assim,
cantora, sabe?”
Numa
incrível coincidência, o mesmo se deu com o Elton John, pois quando deixou o
grupo Bluesology, ele não vinha se talhando para ser um cantor, e mais de uma
vez na época revelou que apenas queria ser o músico instrumentista de uma banda,
e também compositor para ter suas produções gravadas por outros. Produtores
insistiram que ele cantasse e ele mesmo disse ter sido "forçado a ser
cantor"! Por fim, quando se tornou interprete, gostou muito, e, com
certeza, o mesmo se deu com Rita... Em abril de 1978, numa entrevista à revista
Nova, Rita não perdeu a oportunidade
de esnobar o inglês, após tê-lo visto “perdido” em pleno carnaval carioca:
"Coitado; não
sabia o que fazer quando aquelas mulheres deslumbradas se atiravam nos braços
dele, gritando ‘Elton, Elton!’ Tudo, tudo mentira. Tudo só pra fotógrafo
fotografar e pôr na revista; tudo falso, uma alegria fingida."
O compacto que
antecedeu o LP e os protoclipes
O
grande sucesso do show “Fruto Proibido” deveu-se ao fato de a balada "Ovelha
Negra" (o disco havia sido lançado antes dos shows) ter galgado o primeiro
lugar das paradas de sucesso.
Logo
depois, foi a vez de outra canção — o rock "Agora só falta você" —, atingir
o segundo lugar. Como vimos, o que também colaborou no sucesso e ajudou a
catapultar as vendas foi sua participação no programa do Fantástico, da Rede Globo,
num protoclipe cantando “Ovelha Negra”, em 15-6-1975.
A edição de domingo do Jornal do Brasil de 10-8-1975, traz uma
nota neste dia, onde se lê:
”20hs — Fantástico,
o Show da Vida (...) Hoje: Rita Lee e a banda Tutti-Frutti Falando sobre um tal
de Roque Enrol”.
Aqui o vídeo!
“Agora Só Falta Você” foi ao ar em 5-10-1975, onde ela aparece voando com os aviões da Esquadrilha da Fumaça, os célebres North American T-6, aviões barulhentos já em vias de se aposentar,
ao contrário de Rita que voava cada vez mais alto.
Em
16 de julho Rita participou do programa Globo
de Ouro Especial, onde cantou seu maior sucesso, “Ovelha Negra”. Em 25 de
janeiro do ano seguinte, Rita voltaria ao Fantástico,
mas não se sabe ela cantou ou deu uma entrevista.
Em meio ao sucesso crescente, no final de 1976, a banda mandou imprimir um curioso cartão de Boas festas com fotos e o nome de todos da equipe.
Rita Lee, a campeã
em participações em trilhas sonoras de novelas
Ainda
na esteira do sucesso, duas canções do disco foram parar na trilha sonora da
novela “Bravo”, em 1975: abrindo o Lado A
do disco, lá estava o petardo “Esse tal de Roque Enrow”. E, já bastante
“batida”, no Lado B figurava “Agora Só
Falta você”.
Na
verdade, Rita já tinha uma composição sua em novela cinco anos antes, a canção
“Sucesso, aqui vou eu”, que integrou a trilha de “A Próxima Atração” de 1970.
Surpreendentemente,
seu maior hit, “Ovelha Negra”, não
integrou a trilha de nenhuma novela na época, e só em 1993 é que foram
aproveitá-la na novela "Mulheres de Areia”.
A
partir de “Fruto Proibido“, este fenômeno de participação em trilhas ganhou
corpo, pois Rita se tornara uma contumaz “frequentadora” de novelas globais —
sendo considerada hoje a campeã neste quesito —, com a inclusão de, até o
momento, nada mais nada menos que 72 canções suas nos bolachões e CDs, façanha
para poucos, reconheça-se. No entanto, grande parte das gravações foram versões
de outras bandas e artistas, e também convém lembrar que muitas delas são em
parceria com seu marido, o guitarrista Roberto de Carvalho.
Dados
técnicos sobre a gravação
- Produtor: Andy
Mills
- Assistente de
Produção: Otávio Augusto
- Técnicos de
gravação: Flávio Augusto e Luis Carlos Baptista
- Técnico de
Mixagem: Luis Carlos Baptista
- Gravado no Estúdio
Eldorado - São Paulo - Abril 1975
- Arte: Kelio
- Foto: Meca
O instrumental do
disco
O
produtor norte-americano Andy Mills, que veio ao Brasil na turnê de Alice
Cooper em março de 1974 e resolveu ficar por aqui após o retorno da banda,
acabou se empregando como programador visual do show “Atrás do porto tem uma
cidade”, no que se tornou namorado de Rita Lee. Depois empregou-se na Som Livre, onde comandou as gravações de
“Fruto Proibido”: como se vê, uma grande parceira em ambos os casos!...
O
baterista Franklin Paolillo comentou sobre a qualidade de gravação do disco:
“Todo esse clima de
liberdade e rock’ n’ roll puro foi aproveitado por Andy Mills, então produtor
de Alice Cooper. Na época, após uma passagem de Cooper pelo Brasil, Rita Lee
foi comprar equipamentos do músico, conheceu Andy e eles começaram a namorar. O
romance trouxe a expertise norte-americana para a produção de Fruto Proibido,
que ganhou um acabamento raro no Brasil de 1975."
À
propósito, um dos detalhes que mais chama a atenção na gravação o disco é a
bateria de Franklin, não só pela execução mas também pela qualidade obtida na
época. Franklin explicou:
“É um cara muito
importante, principalmente pelo que conseguiu de som na época. Quando você ouve
o disco, uma coisa que chama bastante a atenção é a bateria ‘meio na cara’, o
que não era nada comum.”
Franklin Paolillo e Luiz Carlini
O
próprio Andy Mills, disse numa entrevista à revista High Fidelity, que se impressionou não só com ele, mas também com a
guitarra do Carlini. O mesmo se deu com o baterista do Alice Cooper, que ficou
completamente abestalhado com a técnica do baterista Pedrinho do Som Nosso de
Cada Dia, que abriu os shows de sua banda na época.
Por
este disco, inúmeros bateristas brasileiros tem em Franklin não só uma grande
influência, mas também um dos melhores e mais estilosos bateristas nacionais de
todos os tempos. O toque firme e explosivo, a precisão milimétrica das viradas incríveis
de caixa, tons-tons e tambor em conjunção com o bumbo, e, surpreendente, a
impressão de que há uma espécie, por assim dizer, de sustainer no chimbau, que soa maravilhosamente bem em consonância
com a caixa. O trabalho feito em “Fruto Proibido” lhe valeu, em 1978, uma participação no disco “Musicar” do João Ricardo, ex-Secos & Molhados, que inclusive lhe convidou para tocar no disco após ouvir seu trabalho no “Fruto...”, exigindo até que tocasse da mesma maneira.
E
Franklin, realmente — com apenas 19 anos na época —, já era detentor de um
estilo único de bateria, que se podia dizer, com toda segurança, que ele estava
para “Fruto Proibido” assim com Bill Bruford estava para “Fragile” do Yes, e,
igualmente, Mick Tucker para “Fanny Adams” do Sweet. Assim coloco, justamente
por que, nos três discos, os estilos e as gravações de bateria eram a tônica e
o charme das gravações. E, acima de tudo, desnecessário dizer que gerações de
bateristas surgiram e se forjaram inspirados por estes discos, seja aqui, seja
lá fora.
Músicos
- Guitarras: solo/base/slide/violão acústico/gaita/vocal em "Agora Só Falta Você": Luis Sérgio Carlini. - Contra-Baixo/Cowbell: Lee Marcucci. - Bateria/Percussão: Franklin Paolillo. - Piano/Clavinet: na gravação foi o Guilherme S. Bueno, e nos shows o Paulo Maurício, que, inclusive consta das fotos na capa. - Violão Acústico/Sintetizador: Rita Lee. - Vocais: Rubens e Gilberto Nardo. - Arranjos: Rita Lee & Tutti-Frutti. - Arranjos vocais: Rita Lee.
Sobre a
união Rita + Tutti Fruti, foram cinco anos de trabalho, tendo como
“frutos” um compacto duplo, dois compactos simples, várias músicas em
novelas da Globo, vários hits nas rádios, tours pelo Brasil e os cinco
álbuns feitos em conjunto: “Atrás do porto tem uma cidade” (1974),
“Fruto proibido” (1975), “Entradas e bandeiras” (1976).
Fazendo-se justiça ou Reparando um erro
A contra-capa, a relação do músicos que participaram da gravação, traz o nome
do tecladista Guilherme S. Bueno, que trabalhou no disco apenas nas gravações
em estúdio, e
depois foi ser tecladista da banda Made in Brazil na fase “Jack, o Estripador,
músico oriundo de Ribeirão Preto. Já o lado interno do álbum trás o novo tecladista, Paulo Maurício. Também
na parte interna, a foto da banda está invertida, mostrando a guitarra e o
contrabaixo como se fossem de instrumentistas canhotos (na verdade, a foto foi tirada de um espelho...). Ao que eu saiba,
ninguém nunca comentou estes detalhes. Aqui, a correção definitiva!...
Na foto, à esquerda, junto da banda Made in Brazil, em 1976, Guilherme S. Bueno, o incógnito e esquecido tecladista de “Fruto Proibido”, que, por sinal, fez um trabalho fantástico. É incrível que com tais arranjos incríveis e belíssimos de piano, arranjos dançantes no melhor estilo boogie-woogie, ninguém comente ou se lembre do trabalho desse grande músico! Seu estilo
lembra também às vezes algumas músicas do Elton John, como, p. ex., "Honk Cat", ou seja, um piano no animado estilo ragtime dos antigos pianistas negros do sul dos EUA. Seus arranjos de piano deram um sabor todo especial ao disco, quase se sobrepondo aos outros instrumentos em todas as canções.
À esquerda, Guilherme, com a banda Made in Brazil em 1976.
O baterista Franklin Paolillo, em entrevista concedida à revista Modern Drummer, em março de 2011, além de revelar que as bases do disco foram todas gravadas juntas ao vivo (guitarra, baixo, piano e bateria), e depois foram colocadas as vozes, sintetizadores e solos de guitarra, comentou sobre o trabalho de Guilherme na banda:
“Ensaiávamos na casa de Rita, na Vila Mariana, numa
salinha com piano. Ela ficava no piano, o Carlini e o Lee nos violões e eu
tocava as músicas numa cadeira. Foi assim que fizemos os arranjos! Uma coisa
importante foi que, depois de dois ou três ensaios nesse esquema, entrou o
Guilherme Bueno, pianista, que caiu como uma luva na banda e me inspirou muito
nas levadas das músicas. Foi uma coisa muito natural: ele chegou e já rolou uma
química muito forte. Fizemos um dez ensaios assim, sem batera Depois a
empresária alugou um galpão na Vila Alpina, montamos o equipamento e fizemos
uns dois ensaios para ajustes finais e para começamos as gravações do disco.”
O irônico nesta história, é que quando um repórter, anos atrás, foi
entrevistar Guilherme em Ribeirão Preto, ele não só fez pouco caso de sua
participação no célebre disco, como também deu de presente para o mesmo o
único exemplar que possuía do “Fruto Proibido”, que trazia guardado
consigo desde a época!...
De todo modo, a justiça foi feita aqui!
Aqui, uma entrevista do guitarrista Luis Carlini, em 2010, comentando os 35 anos do disco "Fruto Proibido" e detalhes das gravações:
Abaixo, texto extraído do site Banda Made in Brazil.
O disco comentado, faixa a faixa
Lado A:
1 - Dançar
Para Não Dançar (Rita Lee): rock que abre o disco com um piano numa levada meio à cabaré. O contrabaixo Rickenbacker de Lee Marcucci viaja tranquilo fazendo um esteio perfeito para a canção. Os efeitos de sintetizador e o tremolo colocado no piano elétrico caíram muito bem no arranjo no final. Os backing vocals do irmãos Nardo já estreiam com competência nesta música, que era considerada um dos pontos altos do show, pois a coreografia que Rita fazia junto deles foi considerada “sensacional”. O estilo personalíssimo de bateria do Franklin Paolillo — a sua inconfundível pegada suingada —, chama a atenção já nesta música, destacando-se os backbeats, que são reforçados com aberturas de chimbau nos contratempos, coisa rara em bateristas.
2- Agora
Só Falta Você (Rita Lee e Luiz Carlini): Uma suave guitarra slide abre a música, e num crescente
agressivo descamba numa bela canção que tem um dos melhores e mais rápidos solos
do grande Carlini. A bateria é um show de estilo e precisão, fazendo uma levada com bastante suingue durante o solo de guitarra, a partir do 1:30 minutos; já nos oito compassos finais, a partir de 3:02, há um show de frases e variações. O trio de vozes de
Rita e irmãos Nardo soa impecável. Embora alguns vejam um quê feminista na
letra, outros poderiam imaginar que é uma recaída de Rita, digo, que ela poderia
se referir ao seu ex, o Arnaldo Dias Baptista, mas Rita já estava em outra há
muito, além de que, segundo o próprio Carlini, ele se referia uma uma sua ex-namorada...
3 - Cartão
Postal (Rita Lee e Paulo Coelho): um blues lento composto em uma
parceria com Paulo Coelho, que até então só havia escrito letras com Raul
Seixas, do qual havia se desligado recentemente. Calcado no piano e numa
dolente guitarra slide, não é um
blues convencional de poucas notas, mas complexo e com variações. Em suma, é um
desses blues de botequim escuro e esfumaçado, blues de fossa, para fumar encher
a cara.
4 - Fruto
Proibido (Rita Lee): o que há de dolência no blues anterior, há de
alegria e vitalidade neste hard rock, marcado pela gaita de Carlini, pelo piano
de Guilherme e a bateria explosiva de Franklin, música que é uma de suas prediletas. Nota-se nesta canção que a voz
de Rita tinha um timbre ligeiramente diferente do atual, que se solidificou, ao
que parece, no disco Babilônia, de
1978. Mesma assim, Rita se mostra madura, com competente interpretação e abusando
de gritos agressivos. Porém, a música finda com violão de uma maneira bem
terna.
5 - Esse
Tal de Roque Enrow (Rita Lee e Paulo Coelho): A
bateria mais marcante do disco, com uma levada bem particular de Franklin, que
faz misérias nas viradas. A música já abre num duo com
a guitarra, com Franklin fazendo uma abafação do prato crash com uma pegada animal. Carlini
também reveza na gaita ao lado do “incrível” Manito, que faz belos floreios no
saxofone. Nota-se na canção a grande habilidade de Rita como compositora: uma
canção com belas variações, que, definitivamente, vieram provar que não era uma
rockeira qualquer, e que estava sim à altura de seus ex-companheiros “progressivos”
nos Mutantes... In my humble opinion,
o melhor solo de guitarra de Carlini, melhor até que o de “Ovelha Negra”, onde
sua Gibson tem um belíssimo som gutural, com uma qualidade de timbre que poucos
tinham na época, lembrando o do Ace Frehley do Kiss. Aos
2:53 minutos a virada de Franklin à la
Don Brewer do Grand Funk é a “cereja do bolo”! Finalmente, os backings dos gêmeos junto de Rita são
divinos.
* O que representaria o desenho de Rita Lee do encarte acima? Seria a pata
de Zig, a jaguatirica de estimação de Rita espetando um fruto proibido?...
Lado B
1 - O Toque
(Rita Lee e Paulo Coelho): a faixa começa com um órgão Hammond à cargo do Manito, com o registro tratado, ao que parece,
com phazer, o que ficou muito bonito,
lembrando uma guitarra, e é ele que faz a base ao longo de toda da música. Os backing vocals, sempre belíssimos.Na mudança de rumos da canção, nota-se o
incrível lirismo de Rita: a arte de mesclar peso e sentimento. Enfim, uma letra
com um "toque" bem Era de Aquarius beirando o ecológico.
2 – Pirataria
(Rita Lee e Lee Marcucci): um dos mais belos riffs de guitarra do disco, além do piano que está belíssimo e
marcante. A beleza desta canção (também) reside no fato de uma ter uma levada
suingada ao estilo dos The Archies. Ao final, a partir do 3: 48 minutos, o clima da musica muda de um jeito empolgante, e Manito entra
com sua flauta numas de John Anderson do Jethro Tull; em seguida, vem o Carlini
com outro belíssimo solo de guitarra. As palmas e os vocais agudos dos irmãos
Nardo nos refrões finais ficaram ótimos.
3 - Luz
del Fuego (Rita Lee): é outro ponto alto do disco, começa com um ótimo riff de guitarra e nos intervalos temos
ótimos solos. É uma música de contornos sérios, onde, fora o refrão, passa um sentimento que soa trágico. Tem ótima letra, que
particularmente, me soa como uma auto-profecia de Rita.
4 - Ovelha
Negra (Rita Lee): O disco é fechado com chave de ouro com esta pérola
que, convenhamos, dispensa apresentações, destacando-se o arranjo de piano que tem um lirismo que remete à "Your Song" do Elton John. . Desde a época, é considerada “o Hino
de Rita Lee”, ou “um
manifesto infanto-juvenil”,estando entre as suas principais canções. Se tornou um clássico
do Rock Nacional, um baladão que se encerra com outro solo antológico de
Carlini, um daqueles típicos casos em que "menos é mais". O guitarrista sempre afirmou que foi a partir de um sonho que o criou, e que o tocou
de olhos fechados na hora da gravação. Ele conta que precisou insistir com Andy
Mills para incluí-lo ao final da faixa. Felizmente, o gringo cedeu...
O que disse Carlini sobre o episódio:
“Eu sonhei com o solo e acordei assobiando. Fui para o
estúdio (o disco já estava sendo mixado) e pedi para gravá-lo. Os técnicos
disseram ‘fica quieto aí cabeludo, você não vai fazer mais nada aqui’. Mas eu
fui tão insistente que deixaram. Quando terminei, o Andy Mills (produtor do
Alice Cooper) me chamou para a sala de mixagem e disse: ‘Vai embora daqui. Eu
gravei, está pronto e você nunca mais vai mexer nisso’. O solo, feito de um
riff simples que se repete até o fim da faixa, virou referência para os guitarristas
brasileiros. ‘Fiz um bilhão de solos depois, mas nenhum foi tão famoso quanto
esse’, conta Carlini.”
“Fruto Proibido” no
EUA!
Andy Mills brincando com Rita.
Cita-se
que o próprio Andy ficou tão empolgado com a qualidade de “Fruto Proibido” e
seu impacto na mídia, que tentou negociar seu lançamento no EUA, o que
infelizmente não ocorreu, e não se sabe o porquê.
À esta altura, podemos concluir que se Rita tivesse nascido no EUA ou na Inglaterra, o sucesso à nível mundial seria inevitável... Aliás, alguém aqui se esqueceu (ou sabia) que nada mais nada menos que o Eric Clapton (acho que em 1975), em visita ao Brasil, se deslumbrou ao ver a Rita executar "Mamãe Natureza" e cogitou de gravá-la? Ou que a banda new wave Television, ao ouvir "Papai Me Empresta o Carro”, também... cogitou de gravá-la?... É o que eu repito, amigos: não é para qualquer um!... Enfim, pobre do tal jornal londrino por ignorar quem é "Rita Who", que não sabe o que estão perdendo!...
Rita e Rod
Cita-se
que na visita que o cantor Rod Stewart fez ao Brasil em fevereiro de 1978, à
princípio, ele não queria saber de conhecer as bandas de rock brasileiro. Porém,
Rod foi convidado por Caco Barcelos e Ângela Dust, ambos repórteres da então revista
Geração Pop, para uma visita
ao
estúdio Level onde Rita e Roberto
gravavam seu novo disco, o ótimo Babilônia.
Rod ouviu três músicas com um sorriso nos lábios, e gostou tanto que chamou o Roberto
de Carvalho num canto e disse: “Adorei
o som de vocês. Faço questão de convidá-los para jantar e dançar”.
Ao
conhecer Rita pessoalmente, e passar durante duas horas para ela a
receita de seu visual, o homem ficou maluco por ela, mas, segundo a revista. o Roberto advertiu: “Não vem que não tem!”...
Dias
depois, Rita decidiu fazer um carnaval particular em sua própria casa, e
convidou diversos superstars do rock brasileiro e internacional para a
festa – dentre eles, Elton John e Peter Frampton. Rod ficou sabendo do auê, mas...
não foi convidado... Dizem que o britânico ficou espumando de ódio...
The End
Sobre
o “Fruto Proibido”, na citada revista Sétimo Céu
de agosto de 1975, Rita revelou:
“Foi o primeiro
disco que eu consegui curtir depois de feito. O único que não ficou velho.
Antes, eu curtia enquanto o disco estava sendo feito; depois de pronto eu
descurtia e era terrível. Esse, cada vez que eu escuto, gosto mais.”
A benção, Santa Rita!
.
* Este texto faz parte da série de oito livros memoriais que venho escrevendo sobre a Usina Palmeiras (Araras-SP), intitulado: "APÓLOGO 11 -AS REINAÇÕES DE UMA MOLEQUE NA ERA DA CONTRACULTURA. Vol. r – All things must pass– janeiro de 1975 a abril de 1977". Os livros estão em processo de confecção sem prazo para lançamento.
Desenhista profissional desde os 15 anos de idade, tendo trabalhado nas mais diversas áreas, como construção civil, publicidade e propaganda, implementos agrícolas, equipamentos de elevação e veículos militares. Nas horas vagas é fotógrafo da natureza, tratando de nuvens, fenômenos atmosféricos, céus estrelados, insetos e aves. É escritor, pesquisando biografias, história, folclore e ufologia, e também trabalha na criação de materiais humorísticos. Também é musico e compositor, tendo músicas gravadas por outros artistas.