“Em uma noite onde tudo se encaixa, parece impossível
imaginar que o tempo tenha passado desde a primeira
vez que você parou, sentou ou correu para esconder
atrás do sofá quando um ser de nariz torto, olhos negros,
cabelos bagunçados, meio homem e meio Muppet
surge de uma cova de um de seus piores pesadelos
para lhe dizer o que aconteceu com sua escola.”
(Alice Cooper - Bem-vindo ao meu
pesadelo. Dave Thompson, 2013)
"Quando eu era um jovem adolescente, a música do Alice
Cooper com a banda original era o meu mundo inteiro.”
(Steve Vai, guitarrista, em entrevista ao também
guitarrista Glen Buxton, seu ídolo, falecido em 1997)
"No entanto, em 1984, uma geração inteira surgiu,
que não apenas havia crescido imitando Alice no
espelho do quarto, da mesma forma que ele cresceu
imitando Elvis, mas ainda faziam isso agora."
(Alice Cooper - Bem-vindo ao meu
pesadelo. Dave Thompson, 2013)
Desde
aquele inesquecível março de 1973, às vésperas da quarta grande crise do
Petróleo e o país vivendo o seu último ano do chamado “milagre econômico”, os
jovens rockeiros brasileiros não falavam em outra coisa: o sucesso e as
anarquias do polêmico Alice Cooper, que por aqui passara a se conhecido como “Tia
Alice” – esse era o principal
combustível que movia a cabeça dos rockeiros do período.
A figura do grande front man estava no auge dominando todo
os meados da primeira metade desta “era de excessos” iniciada na década
anterior.
Neste mês, o célebre disco “Billion Dollar Babies” era lançado no
país e “No More Mr. Nice Guy” galgou vertiginosamente as paradas de sucesso,
levando a banda a faturar só com este disco cerca de 3 milhões de dólares em
todo o mundo, e como consequência o disco se tornou o álbum mais vendido da gravadora Warner Brothers, galgando dois meses depois do lançamento a 1ª posição da Billboard! Com a façanha, os membros da banda se tornarem os novos milionários do rock, e um ano depois, já se destacando pessoalmente, lá estava Alice, de cartola e bengala, na capa de nada mais nada menos que a imponente revista Forbes, com a chocante chamada: "The New Millionaires"!...
Uma verdadeira
loucura estava instalada – não se via nada igual desde a Beatlemania! O Brasil
rockeiro, finalmente, se rendia às loucuras de “tia Alice”!
"Seja lá o que for isso, divirtam-se!"...
Neste ano, definitivamente, eu e meus três
irmãos debutamos no rock. Havíamos ganhado uns compactos da filha de um amigo
de meu pai, a Daysi Dadona, e ali tudo se iniciou. O rock surgia em nossas
vidas como a perfeita expressão do sentimento musical e da paixão pela música
dos meninos que éramos – era como que um instrumento de integração da juventude
da época, e quanto mais nele mergulhávamos, mais se tornava ele um consenso
entre os amigos que o curtiam. Neste ano, o rock já era "de maior",
possuindo então seus meros 18 anos de existência, enquanto nós ainda andávamos
de calças curtas...
Mesmo morando naquele lugar, que poderia
ser considerado um lugar isolado em termos de informação do Primeiro Mundo, não
estávamos em situação muito diferente daquele jovem judeu de Woodstock, que
interrogou dois hippies à caminho do festival, perguntando para onde iam
vestidos daquele jeito, e ambos disseram que estavam à caminho do
"festival de rock de Woodstock". E o "alienado" judeu lhes retrucou sorrindo:
"Seja lá o que for isso, divirtam-se!"...
Poderá parecer ao leitor que estou querendo
romantizar esse nosso “isolamento” na zona rural de uma cidadela do interior,
mas gostaria de lembrar aqui uma curiosa história protagonizada por meu irmão
Weber, história esta que abaliza esta minha colocação. Um certo dia – era 1975 –, estava ele a
ouvir Alice Cooper na janela de nosso quarto que ficava ao lado da entrada do novo
escritório da Usina, quando um moço, atraído pela música, se aproximou e puxou um papo. Esse
moço, que era oriundo de São Paulo e estava ali à negócios, bastante surpreso, desabafou
ao meu irmão algo assim: “- Eu jamais ia imaginar que, aqui nesse fim de mundo, ia me
deparar com um menino curtindo Alice Cooper na janela de uma casa da zona rural!” E meu irmão, tão surpreso quanto
o paulistano, a primeira novidade que ele me contou quando retornei da escola no
final de tarde foi exatamente isto.
Nesta época, eu e o
Weber já estávamos completamente fisgados pelo rock, e nosso primeiro grande
ídolo do rock era, desnecessário dizer, o próprio Alice Cooper!... Lembro-me
que, já na primeira e simples menção ao seu nome, Alice Cooper me causara um
tremendo impacto, e, diga-se, impacto negativo: “Como um homem podia ter o nome
de uma mulher?!” Àquela idade, isto soava como uma verdadeira “heresia”!
Curioso é que, desde o início, Alice Cooper era o nome da banda e não de Vince
Furnier, o cantor, mas não havia jeito – Alice Cooper, no entender de todos,
era o próprio cantor e ponto final! Só com o final desta formação, após o
último disco “Muscle of Love”, é que o cantor se apossara definitivamente do
polêmico batismo, que era nada mais nada menos que o nome de uma bruxa que viveu no século 17.
“Alice
Kids!”
Posso até dizer que após conhecer a banda,
o rock se tornara algo como aquilo que o Raul Seixas chamou de “novo way of
life”, e eu já me via tocando bateria, que era o instrumento que eu sonhava
tocar na época, e assim aconteceu cerca de 4 anos depois! Lembro-me que eu
nunca vira nada parecido e tão chocante quanto esse artista num palco, e, como
aconteceu à tantas crianças da época, e muitos se tornaram futuros músicos e
cantores, como este que vos escreve – , Alice impactou e fez a cabeça de uma
infinidade de meninos e meninas daquela geração, que
vieram a ser conhecidos como os Alice Kids.
Havia algo de perigoso e sobrenatural em
sua figura e sua música que cativava de imediato – era ouvir e se tornar fã de
pronto! Alice era um artista impar, com uma proposta nova e radical – o primeiro
vilão do Rock! –, o que lhe dava ao mesmo tempo uma aparência de entidade provocante e até mesmo violadora dos bons costumes. Para a mídia,
era um artista possuído pelo espírito do perigo e da rebeldia, e o terror dos
pais que ficavam horrorizados vendo seus filhos atraídos por aquele "ser
repugnante"!... Com sua aparição, algo explodiu e nossas cabeças e já não
éramos mais as mesmas crianças inocentes: queríamos ser como ele, ser transgressores,
rebeldes e polêmicos! Curiosamente, em momento algum nossos pais nos
repreenderam – principalmente o meu pai, de quem era para se esperar alguma
atitude de reprovação –, dizendo que era para tiramos essa besteira de rock da
cabeça, pois corríamos o risco de nos tornarmos crianças ruins e “mal-encaminhadas”.
O que eu
sei dizer é que, desde que entrou em minha vida, o Alice Cooper tornou-se o dono de quase de todo o meu gostar
de rock pesado, ou, como se dizia, "rock horror". Quando ouvi sua
banda e sua bizarra figura pela primeira vez, uma explosão foi detonada aqui
dentro da minha cabeça, e isto, naturalmente, são coisas que, hoje,
infelizmente, não acontecem mais com a mesma intensidade e impacto daqueles
dias. É normal na pré-adolescência a gente ouvir um estilo novo de música ou
admirar a imagem cativante de um novo ídolo e ficar maluco, em êxtase, e isto
talvez se deva à uma grande quantidade de hormônios liberados
descontroladamente nesta idade. É uma fase em que muitas coisas mudam,
inclusive nossas opiniões. Alice Cooper e Rick Wakeman, suas músicas e seus
visuais mexiam fortemente com a cabeça da meninada debutante no rock, e eu fui
um desses afortunados meninos!

Ainda hoje, não consigo mensurar com
precisão o que causou em mim não só a figura de Alice, mas, em especial, a
primeira audição do disco “Killer”, e mais especial ainda a música “Halo of
Flies”. Eu simplesmente não acreditava no que estava ouvindo! Enquanto me
deliciava com o som, aquela voz, aquelas guitarras!... com a capa nas mãos, deitado no chão eu
via a foto daquela cobra sinistra – a jiboia Kachina! –, aquela combinação
impactante de luzes negra e laranja e ficava abestalhado! E estas luzes se
acenderam para sempre na minha cabeça, e, coincidentemente, seis anos depois eu
ganhei um apelido definitivo: Cobra!...
Ao final da turnê “Killer”, o disco chegara
à meio milhão de vendas! Além disso, a Kachina fora a estrela da capa mais
fotogênica daquele ano, fartamente popularizada em fotografias pela mídia
escrita. Suas primeiras aparições foram chocantes e aterrorizantes, e os gritos
das meninas das primeiras fileiras nos shows não era um histeria pós-Beatles,
mas puro pavor causado pelo asqueroso réptil!...
Hoje entendo toda aquela euforia, pois é justamente nessa idade que algum “super-herói” do momento faz com que transfiramos a ele toda a nossa necessidade de liberdade e autonomia. Nessa fase simbiótica, brigamos com nossos próprios corpos e mente em fase de transformações, e sonhamos com nossos ídolos em carne e osso, protegidos que estão pelo escudo da celebridade. Os sons ouvidos na infância, em especial os que mais nos cativaram, sempre carregam forte conteúdo emocional, e a memória sonora pode retroceder muitos anos ao reouví-los, e a música do Alice Cooper está entre as principais desse período – é ouvi-lo e tudo aquilo vem à mente quase que intacto: o impacto inicial, o “desbunde”, a admiração, aquele então novo sentimento...
1974, o ano do Rock no Brasil!
Considerado na
época como o ano da explosão do rock no Brasil, 1974 nos brindava com mais de
20 álbuns de grupos nacionais do gênero, além do surgimento de 30 novas bandas
profissionais de rock, além de 300 concertos realizados pelo país (quase um por
dia), e mais de um milhão de cópias de discos vendidas. Desde a Jovem Guarda e
a Beatlemania, não se via algo parecido no país.
Ano pródigo também em grandes lançamentos
de discos de rock internacional, o ano seguinte, 1974, traria grandes pérolas:
“Brain Salad Surgery” com o Emerson, Lake & Palmer, que, por incrível que
pareça, tocou muito nas rádios; Grand Funk com “We’are An American Band”;
Razamanaz” do Nazareth, novidade escocesa bem recebida no Brasil; o ótimo
“Live” do Genesis (que seria exibido no Som
Pop da TV Cultura – e que “parece que assisti ontem!”); os ex-Beatles John
Lennon com “Mind Games” e Paul McCartney & Wings com “Band on The Run”, do qual a música “Jet”
foi lançada em clipe no programa Fantástico e eu tive o prazer de assistir!
Nesse entremeio de três meses, contrabalanceando todo esse peso, lindas e marcantes baladas rolavam nas rádios: “Bennie and The Jets”, “Sweet Painted Lady”, “Roy Rogers”, "The Ballad of Danny Bayley" e “Goodbye Yellow Brick Road”, com o baladeiro Elton John; a belíssima “Mandy” com o Barry Manillow; a “maneira” “Save The Sunlight", com Dennis Yost & The Classics IV. Aos que curtiam um “balanço”, não podia deixar de mencionar o famoso “Melô do Puladinho”, ou seja, "Rock Your Baby" com George McCrae; as dançantes “I’m Falling Love With You”, com Little Antony and The Imperials e “Love Me or Leave Me Alone” com o Classic IV. Havia também o impressionante tema instrumental que instigou as bandas de baile de todo o país: “Love’s Theme”, com a orquestra do bonachão Barry White, assim como, mais em meados do ano, "Pick up the pieces", o tremendo funk suingado e seu lindíssimo naipe de sopros, com os branquelos da Average White Band.
Em maio seriam lançados dois clássicos discos
pesadíssimos: o segundo do Led Zeppellin (com um enorme atraso!) e o
último grande disco do Black Sabbath “Sabbath, Bloody Sabbath”. Este,
como o Alice Cooper, também fazia o então “rock horror”, mas Alice
estava na dianteira e era só na sua vinda ao Brasil que o “rapeize”
brazuca falava.
O polêmico filme “O Exorcista” havia sido
lançado nos “esteites” em dezembro deste mesmo ano, mas enquanto o filme não
chegava ao Brasil – o que se deu em 12 de novembro de 1974 –, a saída foi
esperar até março quando a Tia Alice traria o seu chamado “circo de horrores”
para apavorar a juventude brasileira. Aliás, disseram na época que este filme
não teria feito tanto sucesso se o terreno não tivesse sido previamente preparado
pelo “circo de horrores” de Alice Cooper, inda que, por esta época – a do citado disco
“Muscle of Love” –, a banda já tivesse tomado outra direção.
Já no início de fevereiro um outro filme,
não tão apavorante mas provocador. havia mexido com a cabeça da juventude, o
sinistro "Os pássaros" do célebre Alfred Hitchcock, filme que – perdoem-me
a precisão – passara no Canal 4, às 23hs, tendo reprise no início de julho
seguinte! Não assisti ao Exorcista, mas me esbaldei com a invasão de corvos
negros naquela cidade beira mar – era um suspense e tanto!
Ainda se falando de horror, no mês
seguinte, as coisas amenizariam de certa forma com o festejado e tão esperado lançamento
do filme "Woodstock" em circuito nacional, mas, por outro lado, foi
um verdadeiro alvoroço, com o rock se sacramentando de uma vez entre a
juventude roqueira abestalhada com o grande filme. No dia 27 de março seria o
cantor de soul Billy Paul que estrearia seu show no Tuca, também em São Paulo, atraindo
um público mais devotado à música romântica e dançante, onde, porém, se podia
encontrar fãs do Alice Cooper. Outro show do qual se pode dizer que não
competiu com Alice em público, foi o não menos célebre "Holyday on Ice"
– o grande show de patinação no gelo –, show que eu jamais assistiria, uma vez
que já àquela época eu considerava algo totalmente brega. No entanto, a coisa
deu altos ibopes e eu me lembro que de Araras saíram diversas excursões para
São Paulo para assistirem estes shows de patinação no gelo, e acho que até minha irmã e minha mãe foram assisti-lo em São Paulo.
No
palco, o horror em carne e osso!
Mas, voltando à banda, o show prometia:
cada vez mais elaborado, contava com truques de mágica, sangue (de catchup...),
brigas no palco, e, deste show em diante, a forca havia saído de cena para dar
lugar à algo mais aterrador: uma imensa guilhotina! E havia muito mais: travesseiros
de pena despedaçados, bonecos de nenéns decapitados,
melancias massacrados à marteladas, cadeira de dentista, mesa cirúrgica, máquinas de fumaça de gelo seco e bolhas de sabão, bolhas gigantes que se explodiam sobre o público, cadeira
elétrica, sirenes de
polícia, brinquedos infláveis, tochas de fogo, efeitos de raios e trovões na
hora da decapitação, camisa-de-força, espada, muleta, bengala, cartola, latas de lixo, enfim, uma sucessão enorme de acessórios e fantasias que surpreendiam!... Por tudo isso, a turnê de Billion Dollars Babies fora a mais cara e extravagante do EUA na época!
Por todo esse aparato horripilante, a banda
foi censurada sob a alegação de que era “sangrenta” demais, mas Alice, sábio
que era, se defendeu dizendo: “Será que esse pessoal nunca leu MacBeth? Faz parte do currículo escolar
inglês.” – ele se referia aos massacres tão comuns nas peças de Shakespeare...
Por onde quer que passasse, o show batia recorde de
público, e o “Billion Dollar Babies” seria o álbum
mais bem produzido até seu lançamento, sendo amparado por sete toneladas de equipamento.
Além, disso, havia um consenso entre os críticos, e entre a própria banda, de
que, em se falando de visual e performance de shows, não havia nada igual à
Alice Cooper no showbizz – eles eram
únicos! O show era tão bizarro, que
alguém como nada mais nada menos que o
polêmico surrealista Salvador Dali – na
época com 69 anos!... – idolatrava o cantor e chegou a produzir obras de arte para ele! Ambos foram vistos juntos muitas vezes!
Àquela altura, Alice e seu circo era, em
pessoa, a validação da teoria freudiana de que certas experiências horrorosas,
num culto mórbido, são assimiladas como fonte de prazer pelas pessoas.
"Músculo do Amor"...
O
ano foi se desenrolando com outras músicas do disco fazendo sucesso,
até que janeiro seguinte, um novo disco da banda seria lançado no
Brasil, o não menos polêmico “Muscle of Love”, que deixou muito a desejar em relação ao sucesso de "Billion Dollars...", mas trazia uma das capas mais hilárias do rock, além de um título bastante divertido e, diga-se de passagem, safado...
A partir daí começaram a
surgir boatos de que a banda viria mesmo se apresentar no Brasil, coisa
que poucos acreditavam, pois nunca uma grande banda de rock pesado havia
se apresentado no país, e, pela situação reinante, em plena ditadura,
não parecia ser naquele momento que essa “virgindade” iria ser quebrada.
O jornal Folha de São Paulo
era um dos que cobriam as peripécias da banda numa coluna diária
dedicada ao rock em geral. Surpreendentemente, e até hoje não se sabe as
verdadeiras razões, este jornal fez uma matéria inexplicável citando que o artista
que se apresentaria no dia 30 de março no Anhembi era o David Bowie,
quando, na verdade, o show que iria ocorrer era o do Alice Cooper!...
Mas não pensem que fomos os únicos a publicar besteiras na imprensa – a
revista norte-americana Circus, três meses depois, fez uma reportagem
sobre estas apresentações de Alice e falou mais baboseiras do que todas
as asneiras juntas publicadas no Brasil.
* Para se ler esta página de jornal e as seguintes, clique na figura e após ela abrir, clique com o botão direito sobre ela e acesse "Exibir imagem". Após aparecer a lupa com seu sinal "+", clique com ela sobre a foto e esta se mostrará num tamanho legível.
Depois de "Killer" do Alice Cooper e "Tudo foi feito pelo sol" dos Mutantes, ambos comprados creio que em janeiro de 1975, me tornei um comprador assíduo de discos. À cada novo disco, um novo deslumbre, um novo ídolo, com os discos assumindo uma importância capital em meu dia-a-dia como meio de entretenimento. Depois disso, meu amor pela música ia além do simples amor pelo som - colocar um disco na vitrola, deitar-se no chão, pegar a capa e ficar viajando em suas imagens tendo a música ao fundo, era uma experiência sensorial única, coisa que, definitivamente, o CD - e pior ainda o mp3 - não são capazes de proporcionar hoje: tínhamos obras de arte palpáveis em nossa mãos, e, no presente, todo mundo sabe disso e não é à toa que o vinil voltou à ativa, menos por obra de saudosistas que cultores da obra de arte, que muitos discos de rock eram, isto para não falar na qualidade superior de som. Eu costumava fazer fichas catalográficas dos discos, e ainda tenho pelo menos uma delas inserida dentro de dois discos do Alice Cooper.
Fazendo
jus, em termos, aos músicos da banda, a Circus de julho de 1974, em seu
ranking de melhores artistas do ano, colocou Dennis Dunaway como o
melhor baixista e Neal Smith como o melhor baterista; porém, eu
colocaria também como melhor dupla twin guitar, os dois guitarristas da
banda, Glen Buxton e Michael Bruce, que só pelo trabalho genial feito no
disco "Killer", deveriam ser lembrados pela eternidade.
O
país começa a acordar para a realidade da nova crise, apesar de o
próprio presidente Médici – “feliz todas as noites” – dizer no mesmo mês
em que Alice & Cia. aqui desembarcavam, que o Brasil, ao contrário
do mundo – perdido em “greves, agitações, atentados e conflitos” –,
“marchava em paz, rumo ao desenvolvimento”... Lutas de box de gigantes
distraíam o povo nas noitadas televisivas, e o Brasil parava para
assisti-las: em 28 de janeiro, na “Luta do Século”, Muhammad Ali seria
vergonhosamente derrotado por Joe Frazier. Em 30 de outubro, em nova
luta, ele derrota George Foreman e recebe o cinto de Maior Atleta
profissional do Ano. E não é que o Alice Cooper tinha sido boxeador
antes de partir para a música! O box talvez tenha perdido um boxeador
mediano, mas o rock ganhava uma dos seus maiores e polêmicos artistas: o cantor do nariz torto devido à um murro de um boxeador!...
Na
TV, pipocavam os “reclames” com a banda, como o humorado clipe da
música “Elected”, veiculado pela rádio Excelsior de São Paulo
(“Excelsior, a máquina do som!”), em que Alice e banda, esnobando numa
limousine, contracenavam com um cômico chipanzé; além disso, citou-se à
época que “Elected” era música predileta do John Lennon. Recordo-me de
outros dois clipes que me marcaram para sempre: um, o de uma
apresentação da música “Unfinished sweet” em que Alice aparecia com um
enorme tubo de pasta dental, e outro – o que eu mais gostava de ver e
ouvir – era um trecho de um show com a banda tocando “No More Mr. Nice Guy”.
Os vocais de Alice nesta música me deixavam maluco, pois,
até então, eu nunca havia visto alguém cantando daquela maneira – Alice
tinha uma voz tão “quente” que eu acreditava que seria possível se
acender uma lâmpada em sua boca! O som da guitarra fazendo o solo na
abertura também me partiram a cabeça ao meio: e eu nunca havia ouvido um
som de guitarra tão poderoso como aquele, que, mais tarde vim a saber
ser devido ao uso de um bootleneck com distorção e eco, cuja qualidade e
potência só fora alcançada em 1978 pelo Eddie Van Hallen no primeiro
disco da banda. Durante a música, havia uma passagem em que bolas de
látex cheias de talco explodiam sobre a plateia, uma verdadeira loucura
na época, e uma tremenda revolução da cabeça do menino deslumbrado que
era eu. Vi também o clipe da música “Teenage Lament '74”, mas não me
empolguei muito, apesar de seu título ter sido emprestado para batizar a
primeira música que compus em minha vida, “Lamento Juvenil”, com
melodia inspirada por Raul Seixas, isto, anos depois já morando na
cidade. Na verdade, pincei este nome de uma música homônima da banda
kraut Karthago, que eu vira num release da revista Pop. Mas por que uma
banda alemã titulou uma música em português?!
Tia Alice desembarca no Brasil!
Era
no primeiro trimestre de 1974, e os boatos sobre a vinda da banda
aumentaram, até que em finais de março a banda finalmente desembarcou no
país. Sendo a primeira banda de rock pesado a aportar por aqui, isto
estava causando um agitação além do normal na mídia em geral. A
imprensa, mal informada e preconceituosa, escreveu muita besteira, e
chegaram a chamar a onda de fanatismo que Alice causou no Brasil de
“Alicemania” e “Alicemoda”, embora a coisa parecia ser isso mesmo!... Na televisão, o Jornal Hoje e o Nacional
acompanhavam todos os seus passos, que o grupo agitava adoidado por
todos os lados, e sempre com todos enchendo a cara de cerveja;
inclusive, cita-se que o próprio Alice havia caído de amores pela nossa
Skol e disse que ia levar caixas e mais caixas dela na volta aos EUA.
Quando, na inocência daquela idade, ouvi que Alice tomava uma caixa de
cerveja por dia, fiquei abestalhado – não podia acreditar que alguém
bebesse tanto e ainda assim detonasse num palco.
A
revista Pop lançada no início de março trazia a chamada na capa: “Mamãe
não me consegue chamar de Alice” –, e veio com uma reportagem de três
páginas que “ouriçou” mais ainda os fãs. Alice esnobava: “Estamos
milionários, por isso podemos nos dar ao luxo de cometer qualquer tipo
de exagero, sem nenhum grilo.” Na primeira página do jornal encartado na
revista, o Hit Pop, a confirmação: “Alice Cooper chega em abril”. Todos
ficaram loucos para verem de perto e ouvir aquele artista, que estava
sendo considerado “a praga do rock’n’roll que assola os EUA” – a igreja
norte-americana o considerava um anti-Cristo, e, ele próprio... um
proscrito!... O
ibope negativo que recaiu sobre a banda fora tanto que um evangelista da
Pensilvânia lançou uma verdadeira cruzada para salvar a juventude americana da
“perversão e violência” capitaneadas por Alice Cooper, o “Embaixador
de Satã”!....
Não menos equivocada e mal-informada que a primeira e
tendenciosa chamada sobre a banda num poster Super Pop, a Folha de São Paulo, num exemplar da época, incluiu no mesmo pacote de andróginos Alice Cooper, Secos & Molhados e Dzi Coquetas. O então encarte
Hit Pop da revista Geração Pop, no mesmo ano, em 1972, quando a banda começava a
chamar a atenção no Brasil, a Folha de São Paulo, em sua edição de 4 de
dezembro publicava sobre eles:
"ALICE COOPER é uma banda sólida de 'rock',
misturada com o que só pode ser descrito como atitudes de perversão sexual e
emocional. As perversões agradarão à quem (1) precisa delas, (2) sabe o que é,
e (3) sabe como
utilizá-las. Alice Cooper é um show 'liberado' para 'voyeurs' que não tem
coragem de assumir suas perversões."
Lembrar que quem abriria os show era o Som Nosso de Cada
Dia em sua clássica formação, power trio, me deixa frustrado até hoje:
num único show as duas bandas de rock de minha vida!
Na verdade,
eu ainda não conhecia o Som Nosso, mas me recordo da primeira vez que eu
vi o “Snegs de Biufrais” (lançado em julho de 1974, no ano seguinte):
eu havia saído mais cedo do ginásio, e passando pela esquina das ruas
Mal. Deodoro e Visconde do Rio Branco, onde havia uma lojinha de discos,
me achou a atenção numa estante um disco de capa preta com uns
cogumelos e uma borboleta pousada em cima. E eu, mesmo eu estando do
outro lado da rua, tive minha atenção despertada por aquela bela capa, e
me perguntei: “– Que banda será essa?” Prometi para mim mesmo voltar no
outro dia e comprar o tal disco, mesmo sem saber de qual estilo de
música se tratava; mas, no fundo, eu sabia que era rock, e dos bons... O
disco era usado e, infelizmente, estava sem o encarte. E este, assim como o "Killer", é um
disco que eu vou ouvir com a mesma intensidade da primeira audição até o
resto dos meus dias – é disco de cabeceira, e mais: de vigília
astronômica. Desde a primeira audição, gosto tanto destes dois vinis, que ambos são os dois discos de rock número 1 para mim, estrangeiro e brasileiro. Simon Robinson, crítico de rock, escreveu um livro para um único disco: “In Rock”, do Deep Purple. Acho esses dois "discos da minha vida" tão ricos e densos, que mereciam um trabalho assim, mas não digo que eu escreveria um livro para cada um, porém, faria uma resenha ultra-minuciosa, tanto que tenho para falar de ambos!
Um dia antes da chegada da banda – era 27 de março
–, a revista Veja trazia uma reportagem de três páginas, coisa rara
atualmente, e mais inacreditável é que o redator era nada mais nada
menos o gourmand Silvio Lancellotti!... O bonachão bom-de-garfo, então
jornalista, teve a suprema besteira de escrever: “o rock de Alice Cooper
e seus amigos não deve receber uma classificação acima de medíocre”.
Mal imaginava ele que, dentro de poucos anos, Alice receberia uma
gravação de uma música sua, a balada “You and me”, por nada mais nada
menos que Frank Sinatra (foto), e vale lembrar que o grande cantor elogiou
Alice dizendo-lhe: “Você continua compondo, e eu continuo gravando.”
Curiosas coincidências
Quando a banda desembarcou em São Paulo, ninguém acreditou que na América do Sul existisse uma megalópolis, já que o conceito que se tinha no exterior era a antiquíssima ideia de que o Brasil era quase que um país selvagem, onde só haviam matas, índios e cobras, etc. O próprio Alice Cooper – que quis fazer shows no Brasil se fiando em outro conceito equivocado: o de que a religião oficial do país era a macumba!...–, ao se deparar com a imensidão da cidade cogitou de que São Paulo fosse maior que a própria Nova Iorque!...
Coincidentemente, na noite do primeiro show, ou seja," 1º de abril, estreava na Rede Globo a primeira telenovela a ter como tema a Ecologia, numa época em que a maioria das pessoas não falava nisso. A novela era "O Espigão", cujo enredo girou em torno da desumanização crescente da cidade, e de como o progresso descontrolado podia complicar a vida do ser humano. Assim como o show do Alice Cooper, a novela usava pela primeira vez no país efeitos especiais em grande escala. E a repercussão da novela não foi menor que as do show da banda, pois no dia seguinte à estreia, a imprensa especializada divulgava que a Globo sofria pressões por parte das grandes construtoras cariocas, pois a temática mexia com a chamada "especulação imobiliária", surgida no início da década de 1970.
A ironia do destino: um dos maiores artistas de rock do planeta, oriundo de uma das maiores cidades do planeta, vindo fazer shows com sua cobra na maior cidade da América Latina, crendo que vinha para a pátria da macumba, onde pululavam índios e cobras!...
As coisas estavam mesmo mudadas no país, e Araras participava com seu quinhão, e à tal ponto que nesta época da vinda da banda ao Brasil um novo clube da comunidade negra de Araras – o SERUC, fundado em agosto desse ano – estava realizando bailes em plena Quaresma, coisa que era uma verdadeira heresia até então! Por ali, em plena polêmica moda hippie, negões de cabelos black power, tamanco, shorts curtos e raibãn iam e vinham ante os olhos inconformados de minha avó Ana, vizinha do clube!...
No mês anterior, na manhã de 1º de fevereiro, houve comoção em todo o país com o terrível incêndio que assolou o edifício Joelma, em São Paulo. Araras também fora vitimada pelo incidente, pois dentre os 189 mortos, se encontrava um ararense, o jovem Ivan Ignácio Zurita. Das lembranças que tenho deste dia, recordo-me que foi assustador ver aquele inferno de chamas pela TV, que transmitia o incidente ao vivo. Na escola, porém, entre rockeiros, só se falava no Alice Cooper, e me recordo de, já próximo da virada de março/abril, eu e meus irmãos estarmos em frente à casa do Fernando Martins, amigo que estudava em nossa classe, e o mesmo dizer que ele e seus irmãos iriam assistir ao show em São Paulo, e eu fiquei tremendamente frustrado por não poder ir!
Meninos assistindo aos polêmicos shows!
Num
encontro nacional de juízes no começo de 1973, ao mesmo tempo em que o
topless era recém-proibido no Brasil, decidiu-se que jovens de 18 anos
podiam freqüentar boates, mas, surpreendentemente, nos shows do Alice
Cooper, menores de 13 anos eram vistos aos bandos, e, dentre eles, os
futuros críticos de rock Vitão Bonesso, Antônio Carlos Monteiro e
Leopoldo Rey, além de futuros músicos de renome da cena rock, como o
cantor Kid Vinil e os bateristas Paulo Zinner e Rolando Castelo Jr. Isto
revela que eu podia ter ido numa boa neste show, apesar dos meus 13
anos, e além do mais, seria a última oportunidade que eu teria na vida
de ver Alice com sua banda original, e, para piorar, estes shows no
Brasil seriam os últimos com a formação original, aliás, nem os próprios
membros não tinham atinado com isso – de certa forma, a Alice Cooper
Band vinha ao Brasil para encerrar suas atividades com seus músicos!
Mesmo assim, antes de tudo se acabar, a banda, já nos EUA, realizou
cenas para um filme, em 28 de abril em Dallas, e no 29 seguinte em
Houston, que resultaram no filme “Good To See Again, Alice Cooper”. À
propósito, nos EUA, constatou-se que o público principal de Alice Cooper estava
entre os 12 e 15 anos, e o mesmo se deu no Brasil, e eu e, diga-se de passagem, meu irmão fomos partes integrantes desses pequenos fãs, inda que fossemos dois "pés-vermelhos"!...
Com
a turnê no Brasil, a banda viria a se tornar a primeira daquele porte a
fazer um show na América do Sul. Com a façanha, bateram recorde de
audiência em apresentações musicais em locais fechados, marca que até
hoje ninguém superou, inclusive entrando para o livro Guiness,
com público estimado em 158 mil pessoas, mas no Anhembi consta que a
lotação era de 120 mil!... A própria banda afirma unânime que este
polêmico show foi o mais louco de toda a sua carreira, o que não deixa
de ser motivo de orgulho para nós, que fomos presenteados com um show de
uma banda generosa que veio ao país no auge da fama, isto, quando
nenhum outro grande artista de rock pesado internacional queria se arriscar por aqui.
E, além disso, não só trouxeram uma gigantesca aparelhagem de última geração jamais vista por aqui, como também
venderam parte dela para a Rita Lee e Os Mutantes. Estes, ao que parece,
ficaram com os jogos de luz, aquelas mesmas, as luzes negras e de cor
laranja usadas na capa do disco “Killer”, que também foram usadas nas
fotos internas do disco “Tudo foi feito pelo sol” (na foto o Sérgio Dias sob estas luzes). O valor dos ingressos dos shows no gigantesco Ibirapuera Anhembi (Palácio das convenções), não destoavam bastante dos preços praticados hoje. Enquanto uma cadeira no fundo estava Cr$ 130, hoje seria R$ 325, e nas cadeiras das primeiras filas, que eram Cr$ 160, hoje se cobraria R$ 400!
Se por um lado
nós fomos brindados com sua música demolidora e shows sem
precedentes, a banda foi coroada com o melhor show de sua carreira e, para aumentar
nosso “orgulho nacional”, o baterista Neal Smith, em entrevista à
revista Poeira Zine em agosto de 2004, disse que nós brasileiros temos
“as mais belas garotas
do
mundo!”, opinião que já havia sido emitida pelo tecladista Brian Eno em
agosto de 1987, numa entrevista em outra revista do gênero, a extinta
Bizz, que disse entusiasmado: “O Brasil significa para mim as mais belas
mulheres do mundo.”... E não é que esses dois gringos tem um bom gosto
impecável!...
Apesar de toda a febre rockeira iniciada neste ano,
e o “Billion Dollar Babies” ter virado “mania nacional”, eu ainda não
era um comprador de discos, tampouco meus irmãos mais velhos, que se
limitavam à gravar fitas cassete com os amigos da cidade. Tínhamos
alguns compactos, de que já falei aqui, os clipes de TV com o Big Boy,
os “reclames” e era tudo. Meu primeiro disco de rock eu só fui comprá-lo
em janeiro de 1975, o já citado “Tudo foi feito pelo sol”, que eu já
conhecia devido à uma fita gravada por um dos meus irmãos com o “Caco”
Franzini. Não posso descrever qual a sensação de ter este disco dos
Mutantes pela primeira vez em minhas mãos – era um luxo só – ouvia o
disco com ela diante dos olhos, apreciando o excelente trabalho gráfico
da capa dupla, enfim, todo aquele bom gosto que o advento do CD tentou
matar, mas não conseguiu de todo.
Brincando de Alice Cooper
Com
o movimento glitter, estava na moda rockeiro pintar o rosto e o Brasil
não passou incólume à mania, cabendo aos Secos e Molhados o auge do
modismo. Inclusive, o próprio João Ricardo foi instado se sua banda era
“o Alice Cooper brasileiro”, e ele se safou dizendo que “eles são
americanos, refletem a decadência de uma sociedade super-desenvolvida, e
nós brasileiros, um país subdesenvolvido.”
E nesta época, pintar o olho de preto imitando o Alice Cooper havia virado uma mania nacional – nos dias dos shows no Brasil muito fãs fizeram isso e até mesmo depois, quando jovens que frequentavam a então “rua do rock”, a Augusta, passaram a desfilar pintados assim. Houveram muitos foliões usando pinturas do Alice Cooper no carnaval de 1974, mas houveram muito mais jovens com pinturas faciais do Ney Matogrosso, que também era outra coqueluche entre a juventude, mais presente ainda no imaginário da galera, que a o trio estava em plena febre do sucesso.
Eu e o meu irmão Weber (foto) não ficamos atrás – ainda que estivéssemos perdidos naquele “fim de
mundo” que era a Usina Palmeiras, estávamos antenados com o mundo
rockeiro – éramos cosmopolitas sem o saber: costumávamos, dentro de
nosso quarto, passar as noites brincando de Alice Cooper, como comprovam
as fotos feitas em nosso quarto, porém, no carnaval de 1976.
Eram dias intensos
estes, e nos divertíamos muito. Vira e mexe, evoco os detalhes do
interior desse nosso último quarto ali na Usina como se fosse hoje e
tudo ainda estivesse ali: as quatro camas, a enorme móvel
rádio-eletrola, que destruímos num acidente por esta época, meus discos,
meus livros e revistas... Nestas nostálgicas noites em nosso quarto,
vivíamos dentro de um pequeno mundo lúdico, um espaço mágico que nos
dava o poder de transfigurar o que tocávamos e o que criávamos, vivendo
enredos inspirados nas revistas, livros, clipes, shows e discos que
curtíamos constantemente.
Pela época do lançamento do disco já
sem a banda original, ou seja, “Welcome To My Nightmare” – era agosto de
1975 –, Alice se deixou fotografar junto de diversas crianças, na faixa
dos 8 aos 12 anos, todas pintadas igual ele, e ele disse: "Meu negócio é
divertir os pequeninos, feito um palhaço de circo suburbano.... Tanto o é
que ele agendou apresentações em escola dos EUA. A foto com os
"sobrinhos" fora de cunho promocional, e percebam, que pela nossa
idade, eu e meu irmão poderíamos estar nesta foto!...
Alice: na trilha de Luz del Fuego...
QQuanto à jiboia do Alice Cooper, assim como
o próprio cantor, , como se viu, ela também rendeu altos ibopes, mas não fora a
já citada Kachina que veio ao Brasil – aquela aparece na capa do disco
“Killer”, que ela já havia morrido –, e há duas versões sobre a utilizada nos
shows: uma, que o Instituto Butantã emprestara um exemplar à banda, e outra,
que uma nova cobra fora trazida dos EUA no lugar da finada. Mas a Folha de São Paulo cita que a jiboia era
brasileira mesmo, e, inclusive, afirmou que em vários momentos do show ela
tentou estrangular o cantor, que teve de ser socorrido por Andy Mills, técnico
de som da banda. Mills, em breve, se tornaria namorado de nada mais nada menos
que Rita Lee!... Cita-se também que, um dia, essa jiboia comeu tantos ratos que
engordou além da conta, e depois acharam-na entalada no ralo do banheiro do
hotel onde a banda se hospedada!... Na verdade, esta história era meio que uma
reciclagem de uma outra verdadeira ocorrida anteriormente num hotel em
Knoxville, no Tenessee, onde Kachina foi vista descendo descarga abaixo em
direção aos esgotos da cidade.
Cheguei ainda a ver na TV um sósia de Alice, muito convincente por sinal, com direito à jiboia e tudo mais, fazendo uma pequena aparição numa vinheta de um programa de humor da época, acredito que o Satyricon. Por aí se podia medir às quantas ia a fama de Alice no Brasil, que era alvo constante de todos os setores midiáticos. O mais irônico é que o próprio Alice, crendo que estava num país repleto de índios e cobras, ficava abestalhado quando as pessoas se assustavam ao vê-lo durante os shows se contorcendo com a jiboia enrolada ao corpo!...
O que poucos sabem é que cerca de duas décadas antes de Alice Cooper, alguém aqui no próprio Brasil já vinha causando furor nos palcos ao apresentar-se com jiboias. A artista – e ela era mulher! –, era nada mais nada menos que a polêmica bailarina Luz del Fuego – aquela, como diria a Rita Lee, que “Não tinha medo e foi pro céu, cedo!, com a vantagem sobre o Alice Cooper de que se apresentava não com uma mas duas jiboias enroladas ao corpo, que, corpo que, por sinal, era escultural!

Coincidentemente, neste mesmo mês da vida da banda ao Brasil, passou um filme na TV, que, inclusive eu assisti, o célebre “Sssssss”, ou, como ficou conhecido no Brasil, “O homem-cobra”, que vinha numa onda nascente de alerta ecológico e anti-militarismo, que denunciavam “as guerras do homem contra a natureza, servindo-se dos bons exemplos que os répteis dão”, como colocou uma resenha na revista Pop desse mês. A incrível e chocante maquilagem do ator transformado em cobra ficou por conta do grande John Chambers, o mesmo de “O Planeta dos Macacos”. Houve outro filme na mesma época citado pela mesma resenha, mas que não passou no Brasil, “Stanley, o réptil maligno”, que, por sua vez, tomava “posição contra os seus caçadores a serviço das fábricas que usam peles para fazer botas, bolsas e cintos”. Já o Alice Cooper... ah, o Alice Cooper estava alheio a tudo isso e só queria mesmo era tocar rock e beber cerveja, muita cerveja!...
E não é que além de o
grande front man usar uma cobra nos shows, ele veio ao Brasil com uma
bota salto plataforma e de cano longo feita de couro de cobra!
Inclusive, cita-se que a Rita Cadillac, chacrete do programa "A Buzina do Chacrinha",
sentiu uma tremenda inveja desta bota!... Aliás, não é de se descartar a
hipótese de que sósias do cantor tenham ido ao programa
do Velho Guerreiro e se sujeitado às suas buzinadas, fato que se deu
com Ney Matogrosso após o sucesso – na verdade, não era nada fácil
imitar estes dois grandes artistas da época. A bota de Alice ficou no
Brasil e hoje se
encontra em poder do baterista Paulo Zinner (da banda Golpe de
Estado), que lhe foi presenteada por uma amiga que a ganhou do próprio
Alice na época. Essa amiga, cita-se que era nada mais nada menos que a
Rita Lee, que segundo o Paulo Zinner parece que também se apoderou do
célebre ofídeo...
Março,
março de 1974!... mês rockeiro quentíssimo como talvez nunca houve no
Brasil! Em se falando de bandas brasucas, os Secos & Molhados haviam
levado 20 mil fãs ao célebre show no Maracanãzinho no Rio de Janeiro,
no entanto, uma cifra bem abaixo do show da Tia Alice no Palácio de
Exposições do Anhembi. Na verdade, com a tremenda histeria causada pela
passagem da banda no Brasil, o país viveria o seu auge do movimento rock
na década de 1970. A revolução deflagrada pela passagem de Alice Cooper
no país não teria precedentes.
Na verdade, estávamos “sitiados”
pelo rock desde meados de 1973: de um lado era o Alice Cooper, após
lançar “Billion Dollar Babies” em março; de outro eram os Secos e
Molhados, com o primeiro LP lançado em 6 de agosto, e, no meio, o não
menor Raul Seixas estreando carreira solo com o genial “Krig-Há
Bandolo!”, o que se deu no memorável 21 de junho. Era muito para as
nossas cabecinhas de pré-adolescentes! Vivíamos em transe, abestalhados – uma verdadeira revolução corria à solta pelo país!
O mês de março vinha para
mostrar que o cenário rockeiro tinha mudado radicalmente no país. Já no
mês seguinte estreava na Rede Globo o célebre programa Sábado Som; porém, o
primeiro programa, apresentado pelo Nelson Motta, não foi com Tia
Alice, mas sim com o Pink Floyd, com o célebre show ao vivo nas ruínas
de Pompéia. Na verdade, houve um programa semelhante anterior na mesma
emissora, apresentado pelo grande Big Boy, o “Hello Crazy People”, que
estreou em 1º de julho de 1972, não durando muito, indo até o último
sábado de dezembro deste mesmo ano, sempre aos sábados às 13:30 hs (e o
que há de bom hoje em dia para se assistir num tedioso sábado à tarde na
TV aberta?!). No programa do Motta, quem já tinha TV à cores se
esbaldou com o Pink em meio as ruínas, e dizia-se na época que todos
queriam ter TV à cores, mas os aparelhos eram ainda muito caros.
Curiosamente,
na primeira apresentação realizada em São Paulo – o “show do tumulto”
–, antes do início, a multidão enlouquecida que queria ficar perto do
palco e ver o Alice Cooper de perto foi “acalmada” com o disco “Dark
side of the moon”, recém lançado, que rolou nos alto-falantes por
inteiro. Mas vocês devem estar intrigados se perguntando: “Por que Pink
Floyd num show do Alice Cooper?!” Pois bem: acontece que Tia Alice
chegou a morar por um curto período de tempo com o pessoal do Pink. Há
uma história curiosa deste período: certa vez, instado sobre se transava
drogas, Alice disse que a única vez foi quando comeu um bolo recheado
de maconha numa festa nesta casa maluca onde moravam...

O fato
mais engraçado sobre esse disco do Pink Floyd se deu com o obscuro
jornal O Albatroz, que escreveu: “O mais novo lançamento do Pink Floyd
não agradou: som muito abstrato, sem a necessária engrenação. Vamos ver o
que os mágicos de ‘Dark side of the moon’ farão a seguir...”
Coincidentemente, me recordo de ter lido numa matéria da época que
quando este disco foi lançado primeiramente na Inglaterra, teve de ser
incrementando com pôster e adesivos, ou seja, brindes “chamarizes”, já
que o disco não estava “acontecendo”! Acho que foi na revista Pop que li
isto, mas em junho de 1973, no Jornal da Tarde, o saudoso crítico
Ezequiel Neves escrevera em sua coluna: “Sabedores de que a idade mental
de seu público vem baixando assustadoramente, o Pink Floyd resolveu
apelar de vez. Contratou os serviços da firma Hypgnosis, que encheu a
edição original de "Dark Side of the Moon" de posters, adesivos e outras
bossas. Já que a música era da pior qualidade, restava o consolo desses
brinquedinhos”... Os tempos eram outros!...
Uma chamada profética no mesmo supracitado jornal O Albatroz dizia:
“Ecoam
pelo ar os últimos suspiros de disco inicial dos Secos e Molhados. Tomara que os
sujeitos não façam como muitas “revelações”: estoura, quebram os recordes e
depois, cadê?” (...) “E quanto às declarações de um jornalista carioca, o qual
afirma que caminhamos para uma nova invasão de música lixo, merece uma única
resposta: ‘Nos fios tensos da pauta de metal/As andorinhas gritam por falta de
uma clave de sol.’”
Ser cabeludo estava na moda, até no futebol!...
A banda de
Alice, muito provavelmente, foram os rockeiros de cabelos mais longos a pisar
no Brasil – até então ninguém havia visto jovens tão cabeludos em terras
tupiniquins, e com cabelos tão longos que chegavam a rivalizar com as próprias
mulheres. Na banda, destacavam-se os cabelos do baterista Neal Smith e do baixista Dennis Dunaway que se
estendiam quase até a cintura! E vale lembrar que os Cooper vieram numa época em que
no Brasil ser cabeludo era sinônimo de bandido – e a Rita não me deixa mentir,
pois poucos anos depois cantou o famoso refrão: “rockeiro brasileiro sempre teve
cara de bandido”. Ser cabeludo era sinônimo também de ser maconheiro, sujo,
hippie e piolhento, e a polícia da época – excessivamente repressiva devida ao
regime militar –, costumava não dar sossego para os cultores das longas
madeixas.
E a moda não se
resumia só os cabelos, pois os jogadores também usavam tamanco, costeletas
(suíças), barba cerrada, colares e pulseiras, roupas extravagantes, shorts
curtos, raiban B & L, etc., de modo que não havia técnico que não sentisse
um certo mal-estar...
O mais curioso
é que a moda rock acabou influenciando até mesmo os jogadores de futebol, muito
embora a maioria deles fosse composta de gente que curtia samba, aliás, como é
até hoje: a velha fórmula samba + futebol!... E, ironicamente, também houve
repressão para a turma da pelota, no entanto, não era a polícia que vivia em
seu encalço, mas sim os próprios técnicos dos times.
Um exemplo
marcante de jogador que cultivava longas madeixas foi o então centroavante do
São Paulo, o jovem Muricy Ramalho (hoje técnico), que em 1974, com 16-17 anos,
curtia a moda hippie e usava cabelos compridos, tamanco e bolsa tiracolo. O
técnico José Poy pegava no seu pé, mas ele dizia não ser rebelde. Na verdade,
desde o início ano anterior o fato já vinha causando incômodo, e era noticiada
não só nos jornais, como também nas revistas e nas TVS.
Dentre outros futebolistas
cabeludos famosos estavam o Rivelino e o Clodoaldo (ambos da Seleção), Forlan
(São Paulo), e o Cesar (Palmeiras) e o Paulo Cézar “Caju” (Flamengo), que
cultivavam enormes black powers que deram o que falar. O Afonsinho (Flamengo) –
que além de cabeludo era barbudo –, era um caso à parte e deu o maior ibope na
época, e chegou mesmo a ser cassado por suas escolhas não serem do agrado de
generais e técnicos do período. Além de jogador era médico, músico e... boêmio.
Um que “fez tipo” foi o polêmico César do Palmeiras – talvez o maior enfant terrible da história de nosso
futebol. Foi ele um dos poucos que bateram de frente com os técnicos e chegou a
chamá-los de “quadrados” e “invejosos da velha guarda”!... Já o Forlan, por sua
vez, disse: “Futebol se joga com os pés e não com os cabelos”...
Um dos técnicos
que mais atazanaram os jogadores cabeludos foi o Pepe do Santos, que obrigou o
time todo a cortar os cabelos, e deixou muitos deles contrariados, embora a
qualidade do futebol se mantivesse a mesma... O irônico da situação é que ele
chegou a dizer na época que seu time “mais parece um bando de hippies”!...
Na verdade, nem
as costeletas do Carlos Alberto (Seleção) nem os tamancos do Orlando (Sport
Club) influiram na qualidade de seu futebol, e a teoria capilar do Forlan de
que em futebol ninguém vira Sansão com os cabelos cortados, era mais verídica
do que nunca...
Curiosamente,
mesmo jamais havendo um ano rockeiro assim no Brasil, dois anos depois - e o rock
ainda em alta - , um sambinha de gosto duvidoso cantado pelo cantor Franco
(pai dos KLB...), o medíocre “Samba enredo”, vaticinava: “Andam dizendo
por aí que o samba vai acabar (...) Que o negócio é rock, e o negócio é
rock, e o negócio é rock, irmão!”...
Na verdade, este ingênuo sambinha
com sua “perspectiva assustadora” fora lançado numa época em que o samba
teria uma reinjeção de vitalidade através da trindade Clara Nunes, Beth
Carvalho e Alcione, iniciada antes com Martinho da Vila. Clara Nunes;
no entanto, não aceitava o rótulo de “cantora de samba”, mas Alcione –
talvez a responsável pelo lamento do Franco –, gravaria no ano seguinte,
em seu primeiro LP, o lamentoso samba “Não deixe o samba morrer”, que,
por sinal, fez um grande sucesso em todo o país e fez o “samba descer o
morro” de vez. Apesar do conteúdo “à favor” do rock do sambinha do
Franco, os rockeiros espumavam de raiva quando ouviam esta música, e a
primeira providência era mudar de estação ou mesmo desligar o rádio o
mais rápido possível.
Por outro lado, ironicamente, houve muito rockeiro
que estava curtindo adoidado o novo hit do Gilberto Gil que explodia
nas rádios, o belíssimo “Maracatu Atômico”, que no fundo era um samba
sutil e muito estilizado. Para ser mais preciso, muitos rockeiros vinham
curtindo samba desde o aparecimento dos Novos Baianos, e vale lembrar
que no ano anterior a banda havia explodido nas paradas com uma
releitura rock de um clássico do samba que dizia nada mais nada menos
que: “Quem não gosta de samba/ Bom sujeito não é/ É ruim da cabeça/ Ou é
doente do pé”...
Na ala masculina dos sambistas propriamente
ditos, capitaneando o então “samba jóia”, despontava o pianista e cantor
Benito de Paula, com seu primeiro grande sucesso, o samba canção
“Retalhos de cetim”, e novamente a galera rock torcia o nariz quando o
ouvia. Anos depois, este sambista amargaria um congelamento do público, o
que se deu após o escritor Marcelo Rubens Paiva ter dito em sua
biografia “Feliz Ano Velho” (1982), que o cantor era alienado e cantava a
alegria e sambas de amor derramado numa época “barra pesada” em que a
ditadura vivia apavorando os artistas. Marcelo, porém, é que era o
alienado, pois não só ignorava que o cantor teve seu primeiro disco, de
1971, censurado por ter gravado “Apesar de você” de Chico Buarque (numa
época em que uma de cada três músicas sua era liberada pela censura),
como também desconhecia que Benito gravara, em 1974, uma música de sua
autoria em que homenageava nada mais nada menos que Geraldo Vandré – a
canção “Tributo A Um Rei Esquecido”, cuja letra, porém, não condiz com a
realidade dos fatos.
O polêmico show do Anhembi, por
pouco não se torna uma tragédia!
A mídia também – seja a televisão e as
rádios, seja os jornais e revistas –, todos se rendiam ao fenômeno do
rock e, na onda, lançavam novos programas, reportagens e colunas
dedicadas exclusivamente ao gênero, como, p. Ex., a Folha de São Paulo,
que encabeçada pelo crítico musical Edvaldo Gouvêa, lançava a ótima
coluna “Rock”, que fazia um apanhado geral dos shows correntes no país,
dos discos lançados na semana e também notícias sobre artistas no
estrangeiro, que era publicada no caderno Ilustrada, às segunda-feiras.

Voltando
ao Alice Cooper, em Araras, como já disse, repercutiu bastante o
tumulto causado no Anhembi pelos fãs, e era assunto de cabeceira entre
as rodas de rockeiros. Na verdade, ninguém no país estava preparado para
um show desta envergadura: imprensa, público, empresários, segurança,
assistência médica, setores de alimentação, etc., todos eram de um
despreparo tão gritante, que por pouco o show não resultou em tragédia.
Os fãs enlouquecidos queriam de todas as maneiras se aproximar do palco
para ver Alice de perto, que acabaram por esmagar contra a grade de
segurança os jovens estava à sua frente! O show teve que dar um tempo e
enquanto a histeria não cessou a banda não retornou ao palco.
Houve
cerca de 200 feridos, mas sem gravidade. Felizmente, acalmados os
ânimos com as constantes “chamadas” nos microfones, o show continuou com
todos ironicamente sentados pelo chão... Na verdade, a primeira
entrevista com
a imprensa já era um indício de que poderia mesmo haver
tumulto e histeria: quando a banda deixou a primeira coletiva, dezenas
de jovens foram correndo atrás da banda, que procurou se safar “fugindo”
num Galaxy vermelho que atravessou o centro de São Paulo à toda!...
Aproveitando
o sucesso de Alice Cooper no Brasil, a gravadora Warner lançava, com
atraso de anos, o disco “Love it to Death”, que, segundo o jornal Folha
de São Paulo de 22 de abril, foi produzido por Jack Nicholson, e não
Jack Richardson! E pensar que o ator Jack Nicholson não passou de “Easy
Rider”!...
Muitas bandas sondadas, e nenhuma vinha!...
Outras
bandas estrangeiras estavam na mira dos empresários. Foram cotados Paul
MacCartney & Wings, Pink Floyd, Black Oak Arkansas, Rolling Stones,
Led Zeppelin (show que seria aberto pelo O Peso) e The Who, porém,
infelizmente (para ambas as partes) ninguém veio!.. A única banda que
realmente esteve mais próxima de vir foi o Traffic, que, inclusive, já
tinha até data marcada, mas os shows foram abortados porque a banda
encerrou as atividades logo depois. Quem acabou vindo, pela segunda vez,
em maio, foi o cantor grego Demis Rousseau, que, aliás, era oriundo de
uma banda de rock, a Aphrodite’s Child. Rousseau, numa entrevista ao
jornal da revista Pop, confundindo alhos com bugalhos e cuspindo em seu
passado rockeiro, aproveitou para descer a lenha na trindade Alice
Cooper, David Bowie & Mick Jagger, quando criticou “(...) nunca vou
assistir a um show desses. Eu detesto os andróginos”. Por sua vez, o
terno Billy Paul, que havia vindo em abril, instado sobre o mesmo
assunto, foi mais cortês e confessou: “É realmente uma música diferente.
Eu sou muito aberto, aceito quase tudo sem me grilar”.
Em
novembro, outra notícia “auspiciosa” mexia a cabeça da galera: a revista
Pop anunciava a vinda do Black Sabbath ao Brasil, e foi o maior
rebuliço – a empresa Kep, que trouxe o Jackson Five em setembro, era a
responsável pelo contrato, mas, para a frustração geral, infelizmente
nada aconteceu. A mesma cogitou também da vinda do Focus, do King
Crimson e do Deep Purple, mas tudo não passou também da promessa. E
ressalte-se que mesmo com o Alice Cooper falando mil maravilhas do
Brasil em sua volta aos EUA, de seu público numeroso e ensandecido, as
bandas pareciam não querer arriscar a baixar no país... Ele disse à
época: “Vocês precisam ir à São Paulo, é inacreditável!”
Curiosamente,
em março havia desembarcado no Brasil um outro astro do rock, mas ele
passou despercebido da mídia: era nada mais nada menos que Mick Taylor –
àquela altura ex-Stones –, que vinha curtir uma longa “férias” no Rio
de Janeiro e conhecer o tal do “maior show da terra”, o Carnaval. Logo
que chegou ao aeroporto do Galeão, às 6 e meia da manhã, não queria
acreditar que ainda era tão cedo, e a claridade solar era tanta que ele
teve de usar óculos escuros. Aproveitando o ensejo, conheceu vários
estados, incluindo Mato Grosso e Amazonas, e foi embora com uma fatal
certeza: a de que a nossa música é “um negócio incrível e
supercontagiante”. E
não fora só o Mick Taylor que ficou curioso para conhecer a Amazônia: quando a
banda do Alice Cooper deixou o país, o guitarrista Glen Buxton – “o coração e a
alma da banda” – não partiu junto, e ficou por mais de uma semana veraneando
naquelas selvagens paragens, e sem dar sinais de si!... A revista poeira
Zine, que por sinal documentou toda a passagem da banda pelo Brasil,
escreveu sobre o episódio:
“A banda inteira
voltou para casa no dia 8 de abril, exceto o guitarrista Glen Buxton, que foi
se aventurar na floresta amazônica. O cara sumiu por seis semanas e não deu
nenhum sinal de vida para familiares e companheiros de banda. A equipe de
Alice já começava a se preocupar com o sumiço do músico, até que num belo dia
Glen desembarca em Nova Iorque como se nada tivesse acontecido!”
Quase dois anos, e um novo grande show!
Finalmente,
o vazio de shows de rock com artistas internacionais fora preenchido no
ano seguinte, com a vinda de outro artista que explodia nas paradas
brasileiras na época: Rick Wakeman, considerado pela imprensa brasileira
“o novo ídolo do rock”. E, por parível que increça, a responsável por
sua vinda era a Rede Globo, que, inclusive, vinha com freqüência fazendo
vinhetas de seus programas usando músicas do tecladista. Na verdade, a
Globo pretendia trazer o Yes, mas os custos se mostraram astronômicos.
Eu eu já vinha delirando com o Yes desde junho deste ano, quando comprei
o marcante disco “Fragile”, além de já ter em mãos um exemplar da
revista Rock, a História e Glória, lançada em abril de 1974, que
contava com minúcias a história da banda, revista que muito marcou a
minha vida e me levou a ser vegetariano aos 16 anos – era um vegetariano
chinfrim, muito mal informado, mas seria o começo de uma mudança
alimentar radical que, graças à Deus, acompanha minha vida até hoje.
Mas,
para compensar a nova frustração de não poder ver o Yes, uma pesquisa
havia revelado que o Brasil era o terceiro maior consumidor dos discos
solo de
Wakeman, e, para a nossa suprema felicidade, o tecladista estava
em apuros financeiros devido ao fiasco de sua excursão pelos EUA. E eu
já vinha acompanhando desde setembro o sucesso de Rick Wakeman com o
ótimo “Viagem ao Centro da Terra”, que fez um enorme sucesso no Brasil.
E, além disso, uma reportagem publicada numa Pop de novembro de 1974 já
me havia tirado dos eixos – eu via aquelas fotos, aquele aparato todo e
ficava delirando!... E depois, o disco em mãos, aquele álbum caprichado,
aquelas músicas!... sem comentários!...
E, então, encerrando o
Projeto Aquarius de 1975, o mago dos teclados desembarcava no país para
uma série de cinco shows no mês de dezembro, shows estes que foram
suficientemente documentados pela citada Pop e a própria televisão.
Ligar a TV e ver Wakeman com aquele cabelão e sua capa dourada rodeado
de mil teclados, fora um impacto em minha vida tão grande quanto ao de
Alice Cooper e seu “circo de horrores”!
Recordando destes dias
incríveis, constato o quanto estas coisas mexeram comigo! Aliás, mexeu
com a vida dos jovens rockeiros de todo o Brasil – a coisa era quase que
um fenômeno, por todas estas novidades despejadas no país, primeiro por
Alice e depois por Wakeman! Cita-se sobre este que a capa completamente
cobertas de lantejoulas e sua imensa cabeleira loira brilhavam tanto
que o tecladista mais parecia um fantástico vulto de luz pairando sobre o
palco! Tanto o é que a revista Pop de dezembro presenteava os leitores
com um pôster gigante do tecladista, e com muitas reportagens no verso,
que marcou época e até hoje é lembrado, sendo ele uma verdadeira
relíquia.
No
mesmo mês que comecei a trabalhar em meu primeiro emprego, no que fui
obrigado a me mudar para a cidade, poucos dias antes, em julho de 1976,
algum canal de TV anunciou que iria ao ar um capítulo de uma nova
minissérie televisiva, a “The Snoop Sisters” que, no entanto, havia ido
ao ar anos antes nos EUA, e 5 de março de 1974. O episódio era “The
Devil Made Me Do It” (A Culpa foi do Demônio), e, para minha grande alegria, haveria uma
participação especial do Alice Cooper! No episódio, o Alice Cooper,
atuando sob o nome de Prince, mas sem participação da banda, cantou a
música “Sick Things”, do disco “Billion Dollar Babies”, e foi uma
interpretação dramática, pois, além de ficar brandindo uma foice acima
da cabeça, ele usava uma impactante roupa preta com o desenho de um
esqueleto, simulando uma caveira, e eu fiquei chapado ao vê-lo vestido assim.
No mesmo dia, emprestei a máquina Kapsa de meu amigo Marcelo Aragão, e
com ela fiz uma foto dele na TV, pois, além do louco visual do Alice
Cooper, havia notado que no cenário havia um painel atrás dele com uma
foto bastante interessante dele mesmo, numa pose com um olhar meio a la
Che Guevara. A foto remontou duas imagens, mas, mesmo assim, pode ser
aproveitada, e através dela pude refazer a imagem do painel num desenho,
que depois resultou numa estampa de uma camiseta que usei por um bom
tempo, e que deixou muito rockeirinho da cidade cheio de inveja –
afinal, só eu tinha aquela imagem inédita do Alice Cooper! Para ampliar a
imagem da foto, usei o método de quadriculação, que havia aprendido com
o professor Toninho Rodini em suas aulas de desenho.
No ano
seguinte, emprestei este desenho para meu amigo Paulão Juviliano, e
cópias dele rodaram meia Araras de mão em mão; e, depois, para meu
orgulho, vi muito rockeiro pela cidade usando camisetas pintadas com
esta imagem, que eu tinha certeza que viera deste meu desenho. Sobre
este, um dia fui até a casa do Paulão e, para minha surpresa, e ele me
devolveu o original, isto, mais de 30 anos depois de eu tê-lo
emprestado, desenho este que, hoje, guardo-o como um tesouro dos meus
sonhos de menino!
Por
esta época, por estar morando novamente na cidade e me encontrar
afastado dos jornais televisivos, me escapara o anúncio da descoberta de
uma montanha na superfície de Marte cuja aparência lembrava um rosto
humano, imagem que causou grande impacto, tanto quanto a carantonha do
Alice Cooper pintado de cobra!... A impressionante fotografia foi feita
no dia em 25 de julho de 1976 pela nave Viking 1, e causara um verdadeiro
rebuliço,
principalmente nos meios ufológicos, e até hoje a descoberta é
motivo de polêmica entre cientistas e ufólogos. Era a segunda perda que
eu tivera neste ano, pois em março, como já o disse aqui,
lamentavelmente, me escapara a belíssima aparição do cometa West (foto), do
qual eu não tive a mínima notícia! Mesmo observando o céu com a mesma
constância de sempre, o belíssimo astro passou às escondidas de mim!...
O
ano anterior havia seguido com outras novidades incríveis, e nesse
mesmo mês de julho, adquiri na então Loja Tupinambá o novo disco do
Alice Cooper, o “Welcome to My Nightmare”, um bom disco, reconheça-se,
mas já não era o som que caracterizava a grande banda original. Quando a revista POP lançou um dos seus compactos duplos em 1975, trazendo "Some Folks" - uma das canções deste disco -, eu torci o nariz porque não era o "rockão pesado" que eu esperava, mas, mesmo assim, curti a música, que, coincidentemente, foi composta durante a turnê no Brasil.
No
entanto, seu sucesso se mantinha no Brasil, tanto o é que em 13 de
dezembro de 1976 estreava na Rede Globo a novela “Duas vidas”, e,
surpreendentemente, a primeira música do lado A do disco seguinte,
lançado em fevereiro de 1977, o mediano “Goes to Hell”, era “I Never Cry”, que galgou as paradas do país. Esse disco, porém, eu só fui
adquiri-lo em outubro seguinte numa loja de discos da rodoviária em
Campinas, mas, repito, já não era mais o Alice Cooper com a banda
original que eu tanto gostava, além disso, ele havia abandonado a
célebre pintura, aquela pintura incrível que tanto havia mexido com a
imaginação minha, de meu irmão e de todos os seus fãs no Brasil. Sim,
as coisas tinham mudado radicalmente no cenário rock, e para corroborar
isto, neste mesmo dia, na mesma rodoviária, eu comprei na banca ali
existente um exemplar do Jornal de Música, e uma das principais
reportagens era sobre o movimento Punk que começava a assaltar o Brasil,
e, não sei como, eu embarquei de cabeça nele.
Com o resto de
minha família retornando à nossa casa original na cidade em março de
1977, minhas relações com a Usina seriam rompidas para sempre, com
alguma visita esporádica ou outra. Ficava para trás a terra que eu amei
mais que tudo, e com ela, aquela banda genial que nunca mais haveria de
se reunir novamente para minha grande frustração!
Resquícios da
“Alicemania” surgiram ainda mais uma vez em minha vida, o que se deu em
fevereiro de 1978, quando fui ao carnaval da A. A. A. trajado de punk,
mas, ironicamente, com a cara pintada de Alice Cooper!... isto, quando o
próprio Alice já se apresentava sem pintura!...
* * *
Nossas lembranças dos nossos
primeiros contatos com a música de Alice Cooper e sua figura são incríveis –
aquele sentimento todo, a enorme euforia. Aqueles momentos saudosos de nossa meninice
rockeira, que curtimos sonhando em fazer o que fizemos poucos anos depois, ou
seja, formar uma banda de rock, foram para lá de especiais e excitantes. Apesar
de nossos caminhos terem tomado rumos diferentes depois, hoje, quando nos
reencontramos, sorrimos relembrando o que tudo aquilo nos causou, as
transformações, os sonhos, as esperanças... Em ambos estamos em
total consonância que não mudaríamos nada daquilo que aconteceu, e que será
eterno!
* Este capítulo faz parte da série de nove livros memoriais sobre a Usina Palmeiras: "O MENINO DA USINA". Vol. 5 – The way we were – abril de 1973 a de dezembro de 1974. Os livros estão em processo de confecção sem prazo para
lançamento.
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