. O poeta inglês Percy Shelley, um dos maiores da Inglaterra, nasceu em 1792, falecendo em 1822. O texto que posto hoje diz respeito à um primitivo caso de bullying envolvendo este célebre literato, o que se deu em sua juventude, no distante princípio do século 17.
“Os regulamentos da escola não passavam, para o seu espírito hipersensível, de açoites de opressão. Passeava pelo campus sozinho, infeliz, em atitude opressão. Os colegas chamavam-no ‘o louco Shelley’, e organizaram uma ‘sociedade de provocação a Shelley’. Sempre que se sentava a margem de um rio, para ler Shakespeare ou Voltaire, caiam sobre ele como um bando de cães de caça, perseguiam a sua presa pelo bosque e finalmente acuavam-na, obrigando-a a uma luta desesperada contra todos, em condições de desigualdade. A sociedade humana, conclui ele, é uma horda de bárbaros com uma camada de cultura. (...) Completamente absorto no mundo do seu sonho, caminhava como um estranho no mundo dos homens. Em geral, com efeito, evitava a companhia de seus semelhantes. Sentia-se mais à vontade entre as coisas da natureza. Passava a maior parte do tempo nos bosques, em meio as montanhas, ou em seu barco. Os rios conversavam com ele, as ondas do mar encrespavam-se em gargalhadas, as árvores desprendiam de seus galhos uma música inteligível, as nuvens passavam por sua cabeça como um bando de pássaros vivos, o vento, como um titã, descia precipitadamente das montanhas, arrastando cascalhos para o saco que trazia às costas e, espalhando-os, a gargalhar ruidosamente pelos campos.
Shelley pouco se importava com as agitações mesquinhas dos mortais. Preferia observar o nascer do sol, quando este soltava sobre uma nuvem e se lançava rapidamente sobre o horizonte, ou ‘aquela donzela em forma de orbe, vestida de alva claridade, que os mortais chamavam de lua’, enquanto dançava, deliciosamente pelo assoalho noturno dos céus. As estrelas eram um bando de abelhas de ouro. Ele ouvia o seu zumbido divino, traduzia-o em música, para que os ouvidos dos homens pudessem compreendê-lo.”
(Vida dos grandes poetas - Percy Shelley. Henry e Dana Lee Thomas, 1958)
. 1- O melhor de Vinícius de Moraes. Cia. das Letras - Folha,1994. Poesias e textos que normalmente não vemos em livros escolares, infelizmente. Eu mesmo nunca havia lido tais textos (e textos antigos), e confesso que me surpreendi com a qualidade deles, sem falar no bom humor de nosso poetinha. Uma coletânea que vale como uma boa introdução para a criação literária extra-poesia de Vinícius.
2- O encanto da leitura - Textos inesquecíveis. Abril Cultural, 1981. Uma seleta de trechos de clássicos da literatura mundial compilada pelo grande Victor Civita, sim, o então chefão da Abril. Neste livreto, ele se propõe a introduzir novos leitores em textos escolhidos de autores de renome mundial como, p. ex., Shakespeare, Machado de Assis, Stendhal, Camões, Bilac, Tolstói, Nietzche, dentre outros gigantes da literatura. O livreto se divide em cinco temas: amor, mulher, trabalho, morte, guerra, liberdade e crime. Ao que o autor se propõe, o livro atinge em cheio a meta, funcionando meio que aos modos dos antigos livros de Português, com suas ótimas seletas de clássicos, isto, sem ao "inconveniente" das partes gramaticais, de análises sintáticas e glossários.
3- Baú dos Ossos - Memórias 1 - Pedro Nava. 1968. Numa palavra: assombroso. Sempre quis conhecer este auto-proclamado "poeta bissexto", tão bem dele falavam, mas lembro-me que a primeira vez que pus meus olhos num livro seu, jurei que nunca ia lê-lo, que os parágrafos são imensos — ele é torrencial e parece não gostar de pausas, de querer parar para respirar — vai muito além do Rousseau, que é perito nisto, e é coisa que desestimula até mesmo os que são viciados em leitura, que os parágrafos não raro atravessam páginas, e isto, mesmo mudando-se os assuntos. Aliás, Rousseau pediu desculpas pelos seus "detalhes insignificantes", mas Nova é "imperdoável". Por exemplo, está falando dos vendedores ambulantes de doces, e já emenda com os compradores de ratos do Oswaldo Cruz! Mais estranho ainda, e surpreendente, descreve nuvens numa página inteira e não cita o nome de nenhuma , mas poucas páginas depois, vai falar do algodão doce e descreve-o usando cirros, estratos, cúmulos e nimbos!.... Felizmente, o acaso me salvou certo dia quando ele me colocou diante de dos três primeiros livros desta série, e os três à preço de banana. Mal comecei a ler suas 443 páginas e fiquei abestalhado, pois ele é eclético e fala de tudo e de todos. Ele tem memória prodigiosa e torrencialidade, à ponto de peitar o próprio Proust. Seus escritos tem sentimento, poesia, ternura, humor e raiva. Não concordo com Raquel Jardim que disse que ele pouco fala de si, mas de outras pessoas — pelo menos neste primeiro livro, ele é o protagonista, e, mais surpreendente ainda, nesta estreia ele se revela um memorialista prodigioso, já burilado e totalmente seguro de si no que propõe. Se se pode dizer que há um "senão" neste seu livro (ainda não li os seguintes), é na parte "genealógica", onde desfilam pelas páginas milhares de pessoas, relatando parentes (parece o próprio Adão, de que todos são parentes!...), vizinhos e conhecidos, que são minuciosamente citados e descritos, isto para não falar na precisão das datas, das horas precisas, dos nomes e número de ruas, do(a)s... Pelo teor e relativa semelhança (e com a mesma função e utilidade: um verdadeiro tesouro para os historiadores!) - analisando sua obra, Nava nos remete aos cinco alentados volumes de "História da Vida Privada no Brasil"; aos três de "História e Tradição da Cidade de São Paulo" de Ernani Silva Bruno; e, finalmente, aos dez volumes da coleção "Nosso Século" da Editora Abril. Mas, enfim, Pedro Nava é fantástico, e concluo que um literato de sua estirpe só pode ser descrito por meio dos mesmos elogios superlativos dirigidos aos grandes da área memorialística mundial! Assim sendo, chego ao ponto de dizer que, para mim, ele é o maior escritor brasileiro, um escritor de primeiro escalão que faz jus à um renome planetário ainda hoje, e que merece parear com os gigantes da literatura universal. Nava é um oportuno achado: um mestre supremo que nos humilha com seu estilo: sinto que, sob sua tutela, tenho de reescrever tudo o que produzi até agora!... Enfim, concluo que depois de conhecê-lo, preciso mesmo rever meus conceitos do que éseja Literatura. Nava. Assombroso.
4- Kohoutek 1973-F "O cometa do século". Nova Galáxia. 1974. Um revista documentando a passagem do novo cometa conhecido como Kohoutek (pronuncia-se Caútec), descoberto acidentalmente pelo astrônomo tcheco Lubos Kohoutek em março de 1973. O cometa, de longe, não cumpriu as previsões quase unânimes dos astrônomos, as de que seria "O cometa do século", e, por isto mesmo, depois, foi considerado "O fiasco do...", o que foi uma grande pena, pois se as previsões se concretizassem, teríamos presenciado um dos maiores e mais belos cometas de todos os tempos, um cometa rasante e o que mais se aproximou do Sol. Fui um dos grandes infelizes, e duplamente, pois quando comprei esta revista, o fiz tardiamente e já em sua 3ª edição, e o pouco que pode ser visto do cometa já não mais oferecia atrações. Naquela época, ao contrário de hoje, obter informações precisas sobre este tipo de fenômeno era algo muito difícil e complicado. Por fim (e de todo modo), àquela altura, quando esta revista foi lançada (5-1-1974), a maioria dos astrônomos já sabia de antemão que o cometa não ia ser 10% de tudo aquilo que a mídia propalou a seu respeito, no entanto, a mesma não queria dar o braço à torcer... E fez-se o fiasco!...
5- Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) — Literatura Comentada. 1981. Um dos livretos de uma série lançada pela Editora Abril com autores brasileiros, com "textos selecionados, estudo histórico-literário, biografia e atividades de compreensão e criação". Já conhecia o hilário (o do Febeapá), mas esta coletânea me surpreendeu com criações suas que eu desconhecia. Ele é ótimo, e seu humor incrível e moderníssimo nada deve aos gigantes do gênero. Não se sabe se era cardisplicente como seu irmão de arte — o boêmio e multimídia Antonia Maria —, mas, do mesmo modo, tinha tanto ainda para oferecer e nos fazer rir, mas nos fez chorar sentidamente, pois morreu novo e do mesmo modo: do coração... Do livreto, recomendo como aperitivo três ótimas crônicas: "A velha contrabandista", "Era covardia" e "O anjo", hilaríssimas e com seus desfechos inesperados. A seleta é um ótimo convite à empanturração com as obras completas do notável hilário.
1- Pelos caminhos de minha vida. A. J. Cronin. 1968. Cronin foi um escritor famoso em meados do século passado, mas hoje pouco se ouve falar de seus livros - cerca de vinte -, que foram lançados pelo mundo todo, sendo que algum foram parar nas telas. O livro em questão trata de suas memórias, onde ele condensou a sua saga como médico e os duros caminhos que teve de trilhar até concretizar seus anseios de tornar escritor. Um livro de leitura agradável, mas mediano.
2- PZ - Poeira Zine Nº 61, julho/agosto 2015. O destaque deste número fica para a longa, minuciosa e esclarecedora matéria com a grande banda de rock progressivo brasileira, o Som Nosso de Cada Dia, que, "só lendo mesmo"... Outra matéria de destaque trata dos grandes selos de rock alemão, que lançaram inúmeras bandas que se tornaram famosas pelo mundo todo, boa parte delas lançadas no Brasil, como Nektar, Message, Guru Guru, Kathargo, Embryo, Tangerine Dream e Amon Düül II. Para finalizar, destaco a ótima matéria com o baixista e vocalista John Wetton, que tanta contribuições de peso trouxe ao rock ao integrar bandas de renome mundial como King Crimson, Roxy Music, Uriah Heep, UK, Asia e Wishbone Ash.
3- Conhecimento Prático - Literatura - Em busca do Tempo Perdido. Nº 48. 2013. Revista dedicada à Literatura, cuja edição tem como destaque traz uma análise, livro a livro, sobre o centenário da clássica série memorial "Em busca do Tempo Perdido", do escritor Marcel Proust. Traz também uma análise de Kafka e sua obra, como também um texto esclarecedor onde se afirma que o trabalho de escrita de uma narrativa literária é um trabalho de edição, termo usado no jornalismo, na televisão e no cinema.
4- Copérnico - Grandes personagens de todos os tempos. 1973. A biografia daquele que é uma dos maiores astronômos da história da Astronomia antiga e um dos maiores de todos os tempos. Um ótimo livro, muito esclarecedor, seguindo passo a passo a vida desse gênio do Renancentismo, devotado pesquisador que, por medo de represálias da Igreja e de ser ridicularizado por seus pares, relutou por anos a fio em lançar seu livro "Da revolução da esfera celeste" - a obra máxima de toda a sua vida -, no qual expunha a teoria do heliocentrismo, onde deslocou a Terra de seu centro medieval, lançando-a em órbita do Sol renascentista, fato que é o símbolo da gênese do pensamento moderno. Esse medo era devido ao que havia acontecido à Giordano Bruno, queimado em fogueira pública por suas ideias revolucionárias, o que levou Copérnico à obliquidade, ao sofismo e às meias-palavras. Afinal, como não temer os membros de uma entidade ao qual ele próprio se referia como "Eminentíssimos e Reverendíssimos Cardeais Inquisidores Gerais da Comunidade Cristã Universal"?!... Enfim, à esse estudioso e recluso gênio de Nuremberg, a um tempo astrônomo, matemático, médico, economista e chefe de Estado, a coisa mais importante de sua vida era a torre da catedral de Frauenburg, onde viveu enclausurado durante cerca de 30 anos, lugar que usava livremente como morada, local de pesquisa e observatório, e onde também, tristemente, morreu cego e abandonado. Assim fora a vida deste homem singular, um solitário que se irritava com a simples e absurda idéia de se explicar o individual pelo geral. Sobreviveu à tempo de ver seu livro lançado, sem sequer imaginar que 75 anos depois a venerável e santa Igreja colocaria sua obra no Index!... E como ficaria feliz ao saber que, num futuro distante, o mundo ia associar o aniversário de seu nascimento à celebração do nascimento da Ciência moderna!
5- Caçadas e Pescarias. Antonio Pereira Coelho Filho. 1962. Um livro acima do mediano, mas que não acrescentou muito aos meus conhecimentos sobre cinegética. Tanto o é que o índice particular que costumo fazer nas capas internas dos livros que leio foi irrisório. As "histórias de caçadores" em que ele se propõe a nos fazer rir são algo insossas, além disso, não escreve com a mesma paixão, poesia e grande conhecimento ao nível do nosso representante-mor no gênero, o eminente Francisco de Barros Jr. No entanto, há uma história, a meu ver, muito bem escrita, com um ótimo estilo literário, por título "Era um moço mineiro", já ao final do livro, história para a qual eu tirei meu chapéu, mas não tão boa à ponto de figurar ao lado de "O ladrão de cavalos", o célebre conto de Luís Jardim. Curioso no livro é o último capítulo onde ele ensina aos caçadores uma espécie de código-morse, que pode ser feito com assovios ou mesmo pios de caça, de modo a se comunicar com outros caçadores nas redondezas sem espantar a caça. O celular não faria melhor!...
1- Os 80 anos do Pato Donald - Por seus principais artistas. Edit. Abril, 2015. Aos 9 de fevereiro de 1935, o pato mais querido do Planeta vinha à luz! Aqui, uma coletânea de algumas de suas melhores história por diversos desenhistas em todas as épocas, algumas inéditas no Brasil. Sempre disse que sou mais Pato Donald que Mickey Mouse, pois este personagem é maluco e engraçado como poucos, batendo de longe "Os Sobrinhos do Capitão", "Beavies e Butt Head" e afins de longe; aliás, as histórias deste livro são as mais malucas possíveis, insanas até! São 480 páginas do mais puro humor e maluquices! Rachei o bico!!!...
2- PZ - Poeira Zine Nº 60, maio/junho 2015. É uma revista de rock sessentista e setentista, que vale por um grosso livro, tantas são as matérias escritas com letra miúda. Para quem curte ler sobre essa fase áurea da Contracultura, quando movimento estava no auge, ela é um prato cheio! São tantas coisas boas para se comentar que nem cabe aqui, mas o destaque fica para as matérias com o Jeff Beck Group, Os Mutantes e a banda Mott The Hopple.
3- Aventuras na História. Como pensavam os kamikazes. Julho 2013. A revista traz uma reportagem especial revelando a verdade sobre os vários mitos que cercavam os pilotos japoneses suicidas da Segunda Guerra Mundial conhecidos como kamikazes. A maioria esmagadora deles era composta de estudantes, recrutados de universidades antes do início da ação, principalmente a partir de dezembro de 1943, quando, em apenas três dias, 6 mil deixaram as salas de aula. Hoje, sabe-se que ninguém era voluntário e foram forçados a cumprir suas missões. O treinamento era brutal, e a tropa era surrada por qualquer motivo, seja para "formar o caráter", seja simplesmente por causa da inveja dos sargentos que os consideravam universitários filhinhos de papai. A ironia está no fato que mais de 3 mil destes pilotos perderam a vida em ataques geralmente inúteis, e apenas um em cada 10 deles atingiu seu objetivo. Cogita-se atualmente que, em face do pavor dos EUA de que o ataque japonês recrudescesse, eles tenham optado por bombas de destruição em massa, como finalmente se deu com Hiroshima e Nagasaki.
4- O Livro Oficial do Cometa Halley. Brian Harpur. 1985. Mais um dos bons livros surgidos no retorno do cometa Halley em 1986. Como a maioria dos livros lançados na "febre", além de traçar um panorama do cometa desde sua primeira aparição, orienta como observá-lo em seu retorno. Difere dos outros por trazer curiosidades e bizarrices pouco conhecidas de suas aparições, poesias e os cometas na literatura mundial. Um bom livro e deleitura agradável.
5- Cometas - Os vagabundos do Espaço. David A. Seargent. 1982. Outro livro vindo na febre cometária que antecedeu o retorno do Halley em 1986. Livro instrutivo, que descreve a anatomia dos cometas, os cometas mais famosos, o próprio Halley e outras curiosidades. Livro mediano, mas interessante.
(Cometas - Os Vagabundos do Espaço. David A. Seargent, 1982)
ar
Um
livro do Monteiro Lobato, o saboroso “Viagem ao Céu”, obra que eu li avidamente
quando criança, pois trata de temas sobre Astronomia, traz o seguinte texto:
“Era
em Abril, o mês de dia de anos de Pedrinho e por todos considerado o melhor mês
do ano. Por que? Por que não é frio nem quente e não é o mês das águas nem de
seca – tudo na conta certa! E por causa disso inventaram lá no Sítio do
Pica-Pau Amarelo uma grande novidade: as férias-de-lagarto (...) Já que o mês
de Abril é o mais agradável de todos, escolheram-no para o grande “repouso
anual” – o mês inteiro sem fazer nada, parado, cochilando como lagartos ao sol!
Sem fazer nada é um modo de dizer, pois que eles ficavam fazendo uma coisa
agradabilíssima: vivendo! Só isso. Gozando o prazer de viver..."
Mas
porque, amigos, querendo eu lhes falar da efeméride do disco “Fruto Proibido”,
abro a matéria com uma transcrição de um texto de Monteiro Lobato? Pois bem: é justamente
em Abril de 1975, no melhor mês de estação do Outono, que estava em processo de
elaboração a obra-prima que é este disco. Pois, se vocês assistirem ao clipe oficial da
balada “Ovelha Negra”, poderão imaginar que, naquelas imagens, Rita está
“lagarteando” como a levada da breca boneca Emília. Vemos ali que ela
“Levava
uma vida sossegada
Gostava
de sombra e água fresca”...
Onde
ouvia:
“O
som das nuvens
A
conversa do vento
(...)
O som das flores
O
murmúrio do céu”
Para
mim também, como a turma do Sitio, acho este mês outonal o melhor do ano, e é
nele que sempre procuro tirar as minhas férias.
Mas,
antes ainda de partir para o assunto principal, gostaria de dizer que lembro-me perfeitamente do que aconteceu num final
de tarde da estação seguinte, num pôr do Sol invernal, em que comprei esse
disco, pois ao chegar das escola (eu tinha 14 anos) com meus livros e cadernos e o “Fruto Proibido” debaixo do braço —, à Usina Palmeiras (Araras-SP), onde morava, desci do ônibus e presenciei algo
inusitado. Nesta tarde, ocorreu um incrível fenômeno atmosférico em que todo o
céu acima da Usina ficou sob um tapete de nuvens baixas que se avermelharam
intensamente ao crepúsculo. Ventos vindos do lado sudoeste da cidade, da região de Rio Claro, trouxeram estas nuvens para estes lados onde o fenômeno se deu. Fora um final de tarde inesquecível!
A Usina Palmeiras, em crepúsculo invernal, no distante 1983.
Coincidentemente, Araras é cidade vizinha de Rio Claro, onde nasceu a mãe Rita, cidade em que ela passava as férias na infância.
Rita Lee, de camisa xadrez, em foto feita durante sua infância em Rio Claro-SP.
Voltando ao "Fruto Proibido", décadas
depois, o jornalista Bernardo Carvalho, em 22-12-1996, disse numa reportagem na
Folha de São Paulo que
“A imagem e a voz de
Rita Lee estão associadas a um passado ainda muito recente para poder desfrutar
das glórias da nostalgia.”
Quando
escrevo este presente texto, estamos em 2015, portanto há 40 anos do citado
lançamento, e eu pergunto: Será que já chegamos neste período nostálgico? Não pretendo responder esta pergunta, mas
digo com toda sinceridade, que é só ouvir essa maravilha que é “Fruto
Proibido”, que todas as visões e sensações incríveis vivenciadas naquela incrível
tarde crepuscular afloram à minha mente nostálgica.
Sobre as datas de
lançamento
O
disco, ao que se depreende, foi lançado no finalzinho de junho, tendo uma
pequena resenha no jornal Folha de São
Paulo em 30-6-1975. E ela trazia um desabafo, talvez dito pela própria
Rita:
“Não aceitamos essas
imposições (as faixas marcadas para divulgação pela Som Livre). São boas, mas
não são as melhores do álbum. ‘Pirataria’ é uma boa faixa. Existem outras duas
de alta qualidade, como ‘Fruto proibido/Esse tal de roque enrow’”.
A
revista Veja, por sua vez, trazia sua
resenha duas semanas depois, na edição de 16 de julho. De curioso nela, podia
se ler o texto de Tárik de Souza, que se já mencionava Rita como superestrela do
rock nacional:
“Rita Lee parece
outra vez disposta a passar de superestrela do acanhado rock nacional a
primeira dama da música jovem em geral”.
Já
a crítica do jornal carioca Jornal do
Brasil era bastante breve, dizendo que havia
“um
pouco de rock-nativo no LP Fruto Proibido”.
Por
sua vez, a revista Geração Pop, de
julho, trazia uma pequena resenha do disco que nada acrescentava nem orientava
o ouvinte.
Rita Lee, uma quase freira...
Assim,
algum dia do distante mês de junho de 1975 — portanto comemorando jubileu de
rubi —, chegava às prateleiras das lojas brasileiras de discos aquele que pode
ser considerado uma das principais obras-primas do rock and roll brasileiro, o disco “Fruto Proibido", da então já veretarana Rita Lee e seu ótimo grupo, o Tuttti Frutti. Após o relativo o sucesso de "Mamãe Natureza", o hit de do disco “Atrás do Porto
Tem Uma Cidade”, “Fruto Proibido” era a consagração de Rita como rockeira, e
devemos dar graças aos céus por isso, uma vez que os conventos perderam uma (im)possível
freira levada da breca, enquanto o rock brasileiro ganhou aquela que é sua
maior representante em todos os tempos, a "Santa Rita de Sampa"!...
Como era o cenário
musical na época
Numa
breve revirada à procura de lançamentos nas bancadas das lojas de discos, podíamos
nos deparar com "Slade in Flame" do Slade; "Live" do Uriah
Heep"; o primeiro LP solo do Ney Matogrosso, no vitorioso LP homônimo;
idem o João Ricardo, ex-Secos & Molhados, no LP que não aconteceu; também o
célebre primeiro LP solo do ex-marido da Rita Lee, o "Loki" do Arnaldo
Baptista; o primeiro do Emerson, Lake & Palmer, de cujo hit “Lucky Man” Rita e o Tutti Frutti fariam
um cover no show “Fruto Proibido”; o novo LP de Elton John, o autobiográfico
“Captain Fantastic & the Brown Dirty Cowboy”, e a gravadora aproveitou e lançou também no
Brasil o seu primeiro disco, o fraco "Empty Sky". Lançado também
nesta leva, e com atraso de três anos, encontrava-se o duplo ao vivo do Deep Purple, o
ótimo “Made in Japan”; com atraso também vinha “Visions of The Emerald Beyond”
da Mahavisnhu Orchestra, e “Straight
Shooter”, com o Bad Company (do LP anterior, o primeiro, a banda faria um cover de "Ready for Love" também no mesmo show). Podiam ainda ser encontrados o também duplo “Tommy”, do The
Who; os guitarrísticos “For Earth Below do Robin Trower e “Blow by Blow” do Jeff
Beck; os eletrônicos “Autoban” do Kraftwerk, e “Rubycon” do Tangerine Dream. Finalmente, “Molhado de Suor" do Alceu Valença, e o Raul Seixas, numa espécie de
prévia ao “Gita”, com a coleção de sucessoS “Vinte Anos de Rock and Roll”.
Curiosamente,
em 18 de junho de 1975, às vésperas do lançamento de “Fruto Proibido”, resenhando
o novo disco "King Arthur" do tecladista Rick Wakeman na revista Veja, o crítico musical Tárik de Souza
parecia estar vaticinando o movimento punk: "Ora, deixem o rock envelhecer
(e voltar a infância) em paz"...
Nessa
avalanche de bons lançamentos, vinha Rita e o seu Tutti Frutti, com os hits “Ovelha Negra”,
“Agora Só Falta Você” e “Esse Tal de Roque Enrow”, que dividiam em pé de igualdade as
rádios com músicas românticas como “Lovin’ You” de Minnie Riperton, “One Day in
Your Life” com o Michael Jackson e “I’m Down” dos The Hollies; e, na ala rock,
com “Pinball Wizard” com o Elton John e “I Know What I Like” do Genesis. Dentre
as baladas nacionais, se destacavam “Na Sombra de uma Árvore” com o Hildon, e a
chorosa “Quantas Lágrimas” com a Cristina Buarque.
Foi
dentro deste contexto que “Fruto Proibido” chegou às lojas, em suma, nada que
lhe fizesse uma grande afronta à ponto de desviar a atenção do rockeiro
brasileiro para a beleza interna e externa que era o promissor LP.
Revista Violão & Guitarra Nº 15, 1975.
O estilo das
músicas
Na
mesma linha do disco anterior, “Atrás do Porto Tem Uma Cidade”, “Fruto
Proibido” era uma perfeita mistura de blues e hard rock, tudo embalado em
incríveis arranjos com sabor pop, a cargo da competente banda.
A
temática das letras iam desde rebeldia e drogas (subliminarmente), amor, feminismo, ironia e
ecologia, em suma, um repertório de temática híbrida que agradou em cheio os
jovens da época. Por isto tudo, “Fruto
Proibido” acabou
sendo considerado o álbum mais roqueiro e (ins)pirado da carreira da cantora.
Aliás,
vale ressaltar que a irreverência seria uma de suas tônicas a partir desse
disco — vide (no ano seguinte) “Arrombou a Festa”, onde, indo da ironia à impiedade, Rita debocha
com meio mundo dos artistas da MPB da época, lembrando que houve uma continuidade
em “Arrombou a Festa II” anos depois (1979), onde ela fez o serviço completo, não
deixando pedra sobre pedra...
Shows em Poços de Caldas, 22 e 23 de novembro de 1975.
Os méritos do disco
e o sucesso
Atualmente,
o disco é cotado pela crítica especializada como o melhor álbum de rock
nacional de todos os tempos. Numa lista com os 100 discos mais importantes do
país, a revista Rolling Stone
brasileira incluiu o disco, e o considerou como o 16 melhor álbum de
todos os tempos da música brasileira. Lembremos que “Fruto Proibido” é o quarto
disco solo de Rita Lee, e o segundo com o Tutti Frutti. Foi também incluído em uma lista da revista Super Interessante como um dos principais álbuns do rock brasileiro.
E o sucesso foi tanto que tanto que “Ovelha negra” e “Agora só falta você” subiram
aos primeiros lugares das paradas, com direito à clipes em um programa de alto
ibope, fatos surpreendentes em se tratando do tipo de rock que se fazia naquela
perigosa e arriscada época ditatorial, uma vez que, como a própria Rita cantou
depois: “rockeiro brasileiro sempre teve cara de bandido”. Convém lembrar que o
disco era da gravadora Som Livre, ligada à Rede Globo, e a
execução das mesmas país afora neste programa — o Fantástico
— , ajudou ela e banda a conquistar um disco duplo de platina, já
que haviam atingido na época a marca de 200 mil cópias vendidas. No montante, até
hoje, computa-se que foram vendidas 700 mil cópias, façanha só comparável aos grandes vendedores da
época, leia-se: Roberto Carlos, Secos & Molhados e Raul Seixas.
Além
disso, numa enquete feita pela revista Geração
Pop, em dezembro de 1974, Rita Lee foi eleita a “Melhor Cantora de 1974”, e
de quebra, o maior nome feminino do nosso rock, resumindo: a “Rainha do Rock Brasileiro”!
Suas constantes aparições nesta revista levaram à conclusão de que foi a
personalidade feminina do rock que mais teve matérias em suas páginas até setembro
de 1976. Inclusive, neste último ano, em janeiro, Rita foi eleita também pela revista Rock, a História e a Glória como a
melhor cantora de 1975.
Os shows inovadores
Desde
o show anterior, o do disco “Atrás do Porto Tem Uma Cidade” — considerado o
melhor show do ano de 1974 pela citada revista POP —, Rita vinha chamando a atenção pela beleza, qualidade e
profissionalismo de suas apresentações.
A
revista Geração Pop de novembro de 1974, trazia, além de belíssimas fotos, o
seguinte texto:
“Rita Lee está com
tudo mesmo! Seu novo show, Atrás do Porto Tem uma Cidade, foi tão bem montado
que deixou os empresários Alberto Kossky e George Ellis impressionados. Tanto
que, logo depois da estreia em São Paulo, no teatro Bandeirantes, eles
começaram a transar a apresentação do show no Carneggie Hall de Nova York””
Mas o tal show não aconteceu e
não se sabe o porquê.
O carro chefe do disco era a lírica e
belíssima balada “Menino Bonito”, que já dava indícios da inspirada compositora
que estava “surgindo”. Neste show, além de uma equipe de cerca 20 pessoas, ela tinha
nada mais nada menos que 18 toneladas de equipamento e um palco de 12 por 15 metros, o que não era pouco
naqueles tempos difíceis em que tudo era absurdamente caro em se tratando de
“aparelhagens de som”.
Sobre sua equipe, Rita revelou na época:
“Somos, ao todo, vinte cinco pessoas. Sete se apresentam tocando, cantando
e dançando comigo. Os outros são técnicos: de som, iluminação, cenografia, etc.
Por isso só podemos nos apresentar em grandes palcos e nosso show sempre parece
uma festa incrível.”
Sobre
o show “Fruto Proibido”, Antonio Carlos Duncan, então diretor da gravadora Odeon, citou na época: “o único show que
tem condições de ser levado para qualquer lugar“. Duncan afirmava isto baseado
na “postura do grupo e da artista”, bem como na “estrutura e retaguarda”. O
crítico Carlos A. Gouvêa, da Folha de São
Paulo, em 18-8-1975, citou:
“Há muito tempo que
não víamos em palcos de São Paulo um concerto de rock com um desenrolar mágico,
espontâneo, de qualidade e com características profissionais (...)”.
Roberto
Nascimento, do blog “Estadão”, escreveu:
“Em termos visuais,
o disco levou a sério a proposta profissionalizante. Andy Mills apostou em um
espetáculo colorido com Rita Lee de luvas de cetim, corpete e cinta-liga e o
alto e bom som mixado por um sistema ‘surround’, uma grande novidade para a
época.”
Trabalho cênico de
Primeiro Mundo
Outro
ponto alto dos shows era o visual criado pela iluminadora Judy Spencer (foto) sócia
de Mônica Lisboa, que tornou seu trabalho de iluminação uma inovação no Brasil,
isto, após ter assessorado os próprios Mutantes após a saída de Rita da banda. O
trabalho de Judy era inédito no país, porém, tudo era feito na base do teste e do
improviso, mas usando a criatividade e a invenção O problema é que, no Brasil,
não havia boas aparelhagens de iluminação de fabricação nacional, nenhum curso técnico no ramo nem professores, sequer uma revista especializada sobre iluminação.
Com
a vinda de Alice Cooper em março/abril de 1974, Judy Spencer e Mônica Lisboa, que eram
sócias, compraram 22 refletores de mil watts
cada antes de a banda retornar aos EUA, sendo detentoras, então, do maior aparelhagem de
iluminação do país. Duas das luzes dos 22 refletores comprados podem ser vistas
na capa de “Tudo Foi Feito Pelo Sol” dos Mutantes, que são aquela bonita
combinação de luz laranja e violeta, a mesma que está também na capa e
contra-capa o disco ”Killer” do Alice Cooper, e semelhantes à da capa do então recém-lançado “Made in
Japan” do Deep Purple.
O
rigor e o bom-gosto eram a tônica de Judy, a ponto de ela ser considerada o 7º
membro do Tutti Frutti, no que remetia ao ótimo Mick Brockett, o criativo
iluminador inglês da banda de rock progressivo Nektar, que devido ao seu
impressionante trabalho visual com a banda nas luzes, projeções visuais e
montagens de palco, era considerado o 6º membro.
Em
suma, Judy é considerada hoje a pioneira da iluminação cênica no país — sorte
da Rita Lee!
Famoso tecladista
progressivo se deslumbra com Rita
Mas
os elogios não pararam por aí: no dia 12 de agosto de 1975, desembarcava no
Brasil o tecladista da banda progressiva Yes, que vinha visitar o país e
agendar gravações, no que aproveitou o ensejo para conhecer o rock que era
feito por aqui, o que não lhe agradou muito pois, com raras exceções, pois
disse só ter visto gente querendo imitar o que se fazia nos EUA e na Inglaterra.
Rita foi uma exceção — após assistir seu novo show, exclamou:
“Muito profissional,
muito sexy e sobretudo uma grande atriz.”
Era
na noite de estreia do show em São Paulo, quando cerca de duas mil pessoas
lotavam o teatro “Aquarius”.
Um príncipe, fã da Rainha do Rock Brasileiro!
Décadas depois, um outro inglês não menos célebre,
viria engrossar o coro de fãs de Rita: nada mais nada menos que o Príncipe
Charles, que revelou ser Rita Lee a sua cantora predileta, no que menosprezou
não só Elton John (o predileto de sua esposa, a finada princesa Diana), como também a banda Queen e os próprios
Beatles!
Cita-se
que os shows de estreia no Rio de Janeiro, no teatro “João Caetano”, entre 15 e
19 de julho, 10 mil pessoas foram computadas, lembrando que um show extra teve
que ser acrescentado devido ao enorme sucesso. Rita relembrou estes memoráveis
shows:
“Desta vez, estreamos no Rio o show Fruto Proibido, que apresenta as músicas de nosso novo long-
play. Ficamos no Teatro João Caetano apenas quatro dias. A casa sempre lotada,
tivemos de fazer uma sessão extra: uma vesperal no domingo. Houve até venda em
câmbio-negro: a garotada curtiu mais do que o público da sessão noturna.”
O primeiro anúncio do
primeiro show do "Fruto Proibido".
Quando
o show veio para São Paulo, no citado teatro “Aquarius”, entre 13 e 24 de
agosto, o fenômeno se repetiu. O porquê de o show de estreia ter se dado no Rio
de Janeiro e não em São Paulo, onde morava, foi explicado pela própria Rita
numa entrevista, ainda no Rio, à revista Amiga,
no início de julho de 1975, onde Rita justificou a decisão:
“O Rio sempre foi uma
cidade aberta. É no Rio que se decide a moda e, por isso, decidimos lançar o
show aqui. Vamos ver se levantamos São Paulo, que consideramos uma cidade
triste.”
Sobre
o tipo de público que frequentava os shows, Rita disse:
“O forte de nossa plateia são os adolescentes, a turma do ginásio e do
colegial. Mas o primário e o Mobral também nos curtem demais...”
Depois de São Paulo, inúmeras apresentações
ocorreram em todo o país, preferencialmente nas capitais. Segundo a então
empresária Mônica Lisboa, foram 82 shows do “Fruto Proibido”, que se iniciou
em agosto de 1975 no Rio de Janeiro, passando por São Paulo, e depois por cerca
de 40 cidades por todo o Brasil, todas com menos de 90 mil habitantes, findando a turnê,
ao que parece, em de março de 1976.
“Quem falou que não pode ser? Não, não...! Eu posso tudo!”
Rita, nos shows, era a "mulher dos sete instrumentos":
além de cantar, dançava, tocava flauta, violão e sintetizador, portanto, uma
artista eclética e, pasmem, autodidata! Na verdade, durante a infância, teve aulas de piano com a musicista clássica Magdalena Tagliaferro, e o autodidatismo se estendia à flauta, bateria, percussão e violão. À propósito, Rita tinha teclados que dificilmente as bandas de rock da época possuíam, isto, devido ao preço caríssimo, como Moog, Mellotron, Clavinete, Hammond e piano elétrico. Além disso — fato que raros comentam —,
Rita é uma ótima desenhista e ilustradora, inclusive, a capa de se seu disco “Hoje é o primeiro
dia do resto da sua vida” (1972) é de sua autoria.
Recriação de uma apropriação indébita...
Uma curiosidade na parte gráfica de "Fruto Proibido" é uma espécie de símbolo, que talvez funcione como um logo do disco, usado na contra-capa e encarte, um desenho que lembra algo uma pata de gato em que um dos dedos, que possui dois anéis, espeta com a unha algo como uma cereja (seria o tal “fruto proibido?...).
Pois bem: este desenho foi surrupiado de um disco lançado em 1972 no EUA, chamado “Rock On”, da banda The Bunch, na verdade, uma reunião de músicos de duas bandas folk-rock da época: a Fairport Convention e a Fotheringay, onde fazem releituras de clássicos do rock’n’roll. A ilustração original do disco da Bunch é uma pintura em aerógrafo que lembra uma pata estilizada, meio rococó, com um anel e outro ornato que, na verdade, é um cabeçote de braço de toca-discos, e a unha representa a agulha, que por sua vez sulca um disco. O verso da contra-capa do disco da Rita atribui a arte à um tal de Kélio, e pode ser que seja ele o autor do desenho, e se foi apenas o diagramador, a arte pode ser de autoria da própria Rita, que recriou a arte original em papel vegetal e nanquim. Como o disco da Bunch não foi lançado no Brasil, não se sabe a "proveniência" do exemplar utilizado no processo, se foi comprado em lojas importadoras ou mesmo sua capa vista num catálogo de discos ou revista de rock, mas quem sabe o então namorado da Rita Lee, o Arnaldo Batista, não trouxe a bolacha dos EUA quando foi comprar equipamentos para os Mutantes por lá em 1973.
Portanto, amigos, estamos diante de um caso de apropriação indébita e recriação de uma arte alheia, caso que, por sinal, passou despercebida de todos por décadas, e coube a este que vos escreve levantar esta perdiz... Se acalmem: isto não desmerece em nada a obra-prima que é “Fruto Proibido”, não passando o fato de um pecado venial da nossa querida Rita.
Rita, compositora de mão cheia
Outro pormenor que também chamava atenção
em Rita no disco era o fato de que ela se revelou uma ótima e promissora
compositora. E não é a toa que “Fruto Proibido” se encaixa naquele raro caso em
que um disco normal de um artista mais parece uma coleção de hits, tantas são as composições boas no disco! Da minha parte, diria: "Pena este disco não ter sido duplo, e músicas não faltavam para
isso!" Convém ressaltar que as canções são relativamente complexas, cheias de
lirismo e sentimento, com muitas variações não só nas harmonias, mas também nos
arranjos. Vira e mexe, penso aqui comigo: "Qual foi a reação dos irmãos Dias Baptista — me refiro ao Sérgio e o Arnaldo
— depois de ouvir este disco pela primeira vez?...
Aliás,
em se falando de mulheres na música, Rita levava grande ”vantagem” sobre a
maioria esmagadora das cantoras nacionais, pois, como vimos, também era compositora, e
compositora de mão cheia, inteligente, humorada e criativa. E, caso não saiba,
caro leitor, Rita é fã de Dolores Duran, e nela deve ter se espelhado. Pois é: para Rita, Dolores foi uma
pessoa incrível: "Ela sempre me impressionou porque era uma mulher que
compunha e cantava"...
Outro
(grande) pormenor a ser levado em conta sobre a Rita compositora, é o fato de
que ela tem um estilo todo próprio e pessoal de compor, e basta ouvir uma nova
música sua gravada por outro intérprete para atinar de pronto que se trata de composição
sua, o que não é pouco!
E a crítica era unânime em afirmar que ela era a única artista brasileira que fazia
rock genuinamente nacional, numa linguagem simples e atrativa, fato a que
também faz jus o seu equivalente masculino, o “Rei do Rock Brasileiro”, Raul
Seixas. E era isto mesmo: capacidade de poucos na época, “Fruto Proibido” era
uma aula de ”como se fazer rock em português”.
Sua
empresária na época, a Mônica Lisboa, disse que Rita era uma espécie de
bandeirante do rock, “assim como uma exploradora que pretende cantar um rock
tão brasileiro quanto o samba”. Aliás, desde o disco anterior, ela dizia para a
crítica que “estava propondo canções fáceis de imediata assimilação, com uma
linguagem quase infantil, que faz mais meu gênero.” Sobre sua arte e a artista
que era, na mesma época, Rita foi enfática:
“A minha música é um
teatro vivo, porque eu estou numas de querer falar com as pessoas que eu não
estou numas de querer definir uma pessoa em mim.”
De todo modo, à sua
revelia,
Rita se tornou uma superstar!...
O
irônico nisto tudo é que, no final de 1974, citou-se que Rita havia sido dispensada da
gravadora Phonogram sob a alegação
que não vendia discos nem dava lucros. O problema se referia, em especial, ao
seu primeiro disco com o Tutti Frutti, o citado “Atrás do Porto Tem Uma
Cidade”, considerado um disco fraco pela crítica. Na verdade, os anteriores
também não haviam vendido à contento da gravadora. No mesmo final de ano, Rita
foi contratada pela Som Livre, e a
história e o resultado todos conhecem decor e salteado... Desnecessário dizer que os
magnatas da Phonogram deve ter se
arrependido à beça com a partida da talentosa rockeira!... Numa entrevista à
revista Música, em abril de 1977, Rita revelou a verdade:
“A gravadora não tem
muita visão. Na minha época da Phonogram,
por exemplo, eu tinha acabado de sair dos Mutantes e era o meu primeiro
trabalho com o Tutti Frutti. Eu pretendia um trabalho de não levar as coisas a
sério, mas propositadamente. Mostrar
para as pessoas o porquê de não levar a sério. Mas a Phonogram me deu uma brecada. ‘Atrás do Porto’ foi uma barra. Eles
pretendiam que eu assumisse uma de superstar, e eu não queria isso. Eles não
tiveram paciência de esperar e optaram pelo João Ricardo. Eu resolvi sair. Resultado:
o maior desastre da Phonogram não fui
eu, foi o João Ricardo. Ele é o grande exemplo de coisa fabricada."
Outro motivo alegado por Rita era que a gravadora, num clima de “discriminação pessoal em relação ao artista”, insistia que ela não fizesse parte do grupo Tutti-Frutti, e ela garantia que é parte de um conjunto e não estrela”.
Noutra
entrevista à revista Sétimo Céu, em
agosto de 1975, se referindo ao novo disco “Fruto Proibido”, Rita disse que “o
trabalho é do grupo e não só meu! Quanto à Phonogram, aquela posturapodia revelar que a
gravadora a queria como artista solo e não como um mero membro de um grupo. Rita
disse ainda que, na Som Livre,
“a
gente encontra seres humanos como João Araújo, que é o chefe, que vem
apertar a mão de cada um do conjunto, não fazendo distinções entre mim
como estrela e eles como acompanhantes.”
Vale lembrar que o João Araújo, era nada mais nada menos que o pai do cantor Cazuza e dono da Som Livre.
Curiosamente, a própria Rita não tinha pretensões de ser artista
solo e citou que lhe bastava ser uma crooner
— ou “corista”, como ela própria dizia — de uma banda de rock . À propósito, ela fez muito isso nos tempos doTeen Ages Sister, um conjunto de
rock formado só por meninas que ela tinha nos tempos de pré-adolescência. Numa
entrevista à revista Manchete em
1981, Rita confidenciou: “Gosto mesmo de compor. Não acho que seja assim,
cantora, sabe?”
Numa
incrível coincidência, o mesmo se deu com o Elton John, pois quando deixou o
grupo Bluesology, ele não vinha se talhando para ser um cantor, e mais de uma
vez na época revelou que apenas queria ser o músico instrumentista de uma banda,
e também compositor para ter suas produções gravadas por outros. Produtores
insistiram que ele cantasse e ele mesmo disse ter sido "forçado a ser
cantor"! Por fim, quando se tornou interprete, gostou muito, e, com
certeza, o mesmo se deu com Rita... Em abril de 1978, numa entrevista à revista
Nova, Rita não perdeu a oportunidade
de esnobar o inglês, após tê-lo visto “perdido” em pleno carnaval carioca:
"Coitado; não
sabia o que fazer quando aquelas mulheres deslumbradas se atiravam nos braços
dele, gritando ‘Elton, Elton!’ Tudo, tudo mentira. Tudo só pra fotógrafo
fotografar e pôr na revista; tudo falso, uma alegria fingida."
O compacto que
antecedeu o LP e os protoclipes
O
grande sucesso do show “Fruto Proibido” deveu-se ao fato de a balada "Ovelha
Negra" (o disco havia sido lançado antes dos shows) ter galgado o primeiro
lugar das paradas de sucesso.
Logo
depois, foi a vez de outra canção — o rock "Agora só falta você" —, atingir
o segundo lugar. Como vimos, o que também colaborou no sucesso e ajudou a
catapultar as vendas foi sua participação no programa do Fantástico, da Rede Globo,
num protoclipe cantando “Ovelha Negra”, em 15-6-1975.
A edição de domingo do Jornal do Brasil de 10-8-1975, traz uma
nota neste dia, onde se lê:
”20hs — Fantástico,
o Show da Vida (...) Hoje: Rita Lee e a banda Tutti-Frutti Falando sobre um tal
de Roque Enrol”.
Aqui o vídeo!
“Agora Só Falta Você” foi ao ar em 5-10-1975, onde ela aparece voando com os aviões da Esquadrilha da Fumaça, os célebres North American T-6, aviões barulhentos já em vias de se aposentar,
ao contrário de Rita que voava cada vez mais alto.
Em
16 de julho Rita participou do programa Globo
de Ouro Especial, onde cantou seu maior sucesso, “Ovelha Negra”. Em 25 de
janeiro do ano seguinte, Rita voltaria ao Fantástico,
mas não se sabe ela cantou ou deu uma entrevista.
Em meio ao sucesso crescente, no final de 1976, a banda mandou imprimir um curioso cartão de Boas festas com fotos e o nome de todos da equipe.
Rita Lee, a campeã
em participações em trilhas sonoras de novelas
Ainda
na esteira do sucesso, duas canções do disco foram parar na trilha sonora da
novela “Bravo”, em 1975: abrindo o Lado A
do disco, lá estava o petardo “Esse tal de Roque Enrow”. E, já bastante
“batida”, no Lado B figurava “Agora Só
Falta você”.
Na
verdade, Rita já tinha uma composição sua em novela cinco anos antes, a canção
“Sucesso, aqui vou eu”, que integrou a trilha de “A Próxima Atração” de 1970.
Surpreendentemente,
seu maior hit, “Ovelha Negra”, não
integrou a trilha de nenhuma novela na época, e só em 1993 é que foram
aproveitá-la na novela "Mulheres de Areia”.
A
partir de “Fruto Proibido“, este fenômeno de participação em trilhas ganhou
corpo, pois Rita se tornara uma contumaz “frequentadora” de novelas globais —
sendo considerada hoje a campeã neste quesito —, com a inclusão de, até o
momento, nada mais nada menos que 72 canções suas nos bolachões e CDs, façanha
para poucos, reconheça-se. No entanto, grande parte das gravações foram versões
de outras bandas e artistas, e também convém lembrar que muitas delas são em
parceria com seu marido, o guitarrista Roberto de Carvalho.
Dados
técnicos sobre a gravação
- Produtor: Andy
Mills
- Assistente de
Produção: Otávio Augusto
- Técnicos de
gravação: Flávio Augusto e Luis Carlos Baptista
- Técnico de
Mixagem: Luis Carlos Baptista
- Gravado no Estúdio
Eldorado - São Paulo - Abril 1975
- Arte: Kelio
- Foto: Meca
O instrumental do
disco
O
produtor norte-americano Andy Mills, que veio ao Brasil na turnê de Alice
Cooper em março de 1974 e resolveu ficar por aqui após o retorno da banda,
acabou se empregando como programador visual do show “Atrás do porto tem uma
cidade”, no que se tornou namorado de Rita Lee. Depois empregou-se na Som Livre, onde comandou as gravações de
“Fruto Proibido”: como se vê, uma grande parceira em ambos os casos!...
O
baterista Franklin Paolillo comentou sobre a qualidade de gravação do disco:
“Todo esse clima de
liberdade e rock’ n’ roll puro foi aproveitado por Andy Mills, então produtor
de Alice Cooper. Na época, após uma passagem de Cooper pelo Brasil, Rita Lee
foi comprar equipamentos do músico, conheceu Andy e eles começaram a namorar. O
romance trouxe a expertise norte-americana para a produção de Fruto Proibido,
que ganhou um acabamento raro no Brasil de 1975."
À
propósito, um dos detalhes que mais chama a atenção na gravação o disco é a
bateria de Franklin, não só pela execução mas também pela qualidade obtida na
época. Franklin explicou:
“É um cara muito
importante, principalmente pelo que conseguiu de som na época. Quando você ouve
o disco, uma coisa que chama bastante a atenção é a bateria ‘meio na cara’, o
que não era nada comum.”
Franklin Paolillo e Luiz Carlini
O
próprio Andy Mills, disse numa entrevista à revista High Fidelity, que se impressionou não só com ele, mas também com a
guitarra do Carlini. O mesmo se deu com o baterista do Alice Cooper, que ficou
completamente abestalhado com a técnica do baterista Pedrinho do Som Nosso de
Cada Dia, que abriu os shows de sua banda na época.
Por
este disco, inúmeros bateristas brasileiros tem em Franklin não só uma grande
influência, mas também um dos melhores e mais estilosos bateristas nacionais de
todos os tempos. O toque firme e explosivo, a precisão milimétrica das viradas incríveis
de caixa, tons-tons e tambor em conjunção com o bumbo, e, surpreendente, a
impressão de que há uma espécie, por assim dizer, de sustainer no chimbau, que soa maravilhosamente bem em consonância
com a caixa. O trabalho feito em “Fruto Proibido” lhe valeu, em 1978, uma participação no disco “Musicar” do João Ricardo, ex-Secos & Molhados, que inclusive lhe convidou para tocar no disco após ouvir seu trabalho no “Fruto...”, exigindo até que tocasse da mesma maneira.
E
Franklin, realmente — com apenas 19 anos na época —, já era detentor de um
estilo único de bateria, que se podia dizer, com toda segurança, que ele estava
para “Fruto Proibido” assim com Bill Bruford estava para “Fragile” do Yes, e,
igualmente, Mick Tucker para “Fanny Adams” do Sweet. Assim coloco, justamente
por que, nos três discos, os estilos e as gravações de bateria eram a tônica e
o charme das gravações. E, acima de tudo, desnecessário dizer que gerações de
bateristas surgiram e se forjaram inspirados por estes discos, seja aqui, seja
lá fora.
Músicos
- Guitarras: solo/base/slide/violão acústico/gaita/vocal em "Agora Só Falta Você": Luis Sérgio Carlini. - Contra-Baixo/Cowbell: Lee Marcucci. - Bateria/Percussão: Franklin Paolillo. - Piano/Clavinet: na gravação foi o Guilherme S. Bueno, e nos shows o Paulo Maurício, que, inclusive consta das fotos na capa. - Violão Acústico/Sintetizador: Rita Lee. - Vocais: Rubens e Gilberto Nardo. - Arranjos: Rita Lee & Tutti-Frutti. - Arranjos vocais: Rita Lee.
Sobre a
união Rita + Tutti Fruti, foram cinco anos de trabalho, tendo como
“frutos” um compacto duplo, dois compactos simples, várias músicas em
novelas da Globo, vários hits nas rádios, tours pelo Brasil e os cinco
álbuns feitos em conjunto: “Atrás do porto tem uma cidade” (1974),
“Fruto proibido” (1975), “Entradas e bandeiras” (1976).
Fazendo-se justiça ou Reparando um erro
A contra-capa, a relação do músicos que participaram da gravação, traz o nome
do tecladista Guilherme S. Bueno, que trabalhou no disco apenas nas gravações
em estúdio, e
depois foi ser tecladista da banda Made in Brazil na fase “Jack, o Estripador,
músico oriundo de Ribeirão Preto. Já o lado interno do álbum trás o novo tecladista, Paulo Maurício. Também
na parte interna, a foto da banda está invertida, mostrando a guitarra e o
contrabaixo como se fossem de instrumentistas canhotos (na verdade, a foto foi tirada de um espelho...). Ao que eu saiba,
ninguém nunca comentou estes detalhes. Aqui, a correção definitiva!...
Na foto, à esquerda, junto da banda Made in Brazil, em 1976, Guilherme S. Bueno, o incógnito e esquecido tecladista de “Fruto Proibido”, que, por sinal, fez um trabalho fantástico. É incrível que com tais arranjos incríveis e belíssimos de piano, arranjos dançantes no melhor estilo boogie-woogie, ninguém comente ou se lembre do trabalho desse grande músico! Seu estilo
lembra também às vezes algumas músicas do Elton John, como, p. ex., "Honk Cat", ou seja, um piano no animado estilo ragtime dos antigos pianistas negros do sul dos EUA. Seus arranjos de piano deram um sabor todo especial ao disco, quase se sobrepondo aos outros instrumentos em todas as canções.
À esquerda, Guilherme, com a banda Made in Brazil em 1976.
O baterista Franklin Paolillo, em entrevista concedida à revista Modern Drummer, em março de 2011, além de revelar que as bases do disco foram todas gravadas juntas ao vivo (guitarra, baixo, piano e bateria), e depois foram colocadas as vozes, sintetizadores e solos de guitarra, comentou sobre o trabalho de Guilherme na banda:
“Ensaiávamos na casa de Rita, na Vila Mariana, numa
salinha com piano. Ela ficava no piano, o Carlini e o Lee nos violões e eu
tocava as músicas numa cadeira. Foi assim que fizemos os arranjos! Uma coisa
importante foi que, depois de dois ou três ensaios nesse esquema, entrou o
Guilherme Bueno, pianista, que caiu como uma luva na banda e me inspirou muito
nas levadas das músicas. Foi uma coisa muito natural: ele chegou e já rolou uma
química muito forte. Fizemos um dez ensaios assim, sem batera Depois a
empresária alugou um galpão na Vila Alpina, montamos o equipamento e fizemos
uns dois ensaios para ajustes finais e para começamos as gravações do disco.”
O irônico nesta história, é que quando um repórter, anos atrás, foi
entrevistar Guilherme em Ribeirão Preto, ele não só fez pouco caso de sua
participação no célebre disco, como também deu de presente para o mesmo o
único exemplar que possuía do “Fruto Proibido”, que trazia guardado
consigo desde a época!...
De todo modo, a justiça foi feita aqui!
Aqui, uma entrevista do guitarrista Luis Carlini, em 2010, comentando os 35 anos do disco "Fruto Proibido" e detalhes das gravações:
Abaixo, texto extraído do site Banda Made in Brazil.
O disco comentado, faixa a faixa
Lado A:
1 - Dançar
Para Não Dançar (Rita Lee): rock que abre o disco com um piano numa levada meio à cabaré. O contrabaixo Rickenbacker de Lee Marcucci viaja tranquilo fazendo um esteio perfeito para a canção. Os efeitos de sintetizador e o tremolo colocado no piano elétrico caíram muito bem no arranjo no final. Os backing vocals do irmãos Nardo já estreiam com competência nesta música, que era considerada um dos pontos altos do show, pois a coreografia que Rita fazia junto deles foi considerada “sensacional”. O estilo personalíssimo de bateria do Franklin Paolillo — a sua inconfundível pegada suingada —, chama a atenção já nesta música, destacando-se os backbeats, que são reforçados com aberturas de chimbau nos contratempos, coisa rara em bateristas.
2- Agora
Só Falta Você (Rita Lee e Luiz Carlini): Uma suave guitarra slide abre a música, e num crescente
agressivo descamba numa bela canção que tem um dos melhores e mais rápidos solos
do grande Carlini. A bateria é um show de estilo e precisão, fazendo uma levada com bastante suingue durante o solo de guitarra, a partir do 1:30 minutos; já nos oito compassos finais, a partir de 3:02, há um show de frases e variações. O trio de vozes de
Rita e irmãos Nardo soa impecável. Embora alguns vejam um quê feminista na
letra, outros poderiam imaginar que é uma recaída de Rita, digo, que ela poderia
se referir ao seu ex, o Arnaldo Dias Baptista, mas Rita já estava em outra há
muito, além de que, segundo o próprio Carlini, ele se referia uma uma sua ex-namorada...
3 - Cartão
Postal (Rita Lee e Paulo Coelho): um blues lento composto em uma
parceria com Paulo Coelho, que até então só havia escrito letras com Raul
Seixas, do qual havia se desligado recentemente. Calcado no piano e numa
dolente guitarra slide, não é um
blues convencional de poucas notas, mas complexo e com variações. Em suma, é um
desses blues de botequim escuro e esfumaçado, blues de fossa, para fumar encher
a cara.
4 - Fruto
Proibido (Rita Lee): o que há de dolência no blues anterior, há de
alegria e vitalidade neste hard rock, marcado pela gaita de Carlini, pelo piano
de Guilherme e a bateria explosiva de Franklin, música que é uma de suas prediletas. Nota-se nesta canção que a voz
de Rita tinha um timbre ligeiramente diferente do atual, que se solidificou, ao
que parece, no disco Babilônia, de
1978. Mesma assim, Rita se mostra madura, com competente interpretação e abusando
de gritos agressivos. Porém, a música finda com violão de uma maneira bem
terna.
5 - Esse
Tal de Roque Enrow (Rita Lee e Paulo Coelho): A
bateria mais marcante do disco, com uma levada bem particular de Franklin, que
faz misérias nas viradas. A música já abre num duo com
a guitarra, com Franklin fazendo uma abafação do prato crash com uma pegada animal. Carlini
também reveza na gaita ao lado do “incrível” Manito, que faz belos floreios no
saxofone. Nota-se na canção a grande habilidade de Rita como compositora: uma
canção com belas variações, que, definitivamente, vieram provar que não era uma
rockeira qualquer, e que estava sim à altura de seus ex-companheiros “progressivos”
nos Mutantes... In my humble opinion,
o melhor solo de guitarra de Carlini, melhor até que o de “Ovelha Negra”, onde
sua Gibson tem um belíssimo som gutural, com uma qualidade de timbre que poucos
tinham na época, lembrando o do Ace Frehley do Kiss. Aos
2:53 minutos a virada de Franklin à la
Don Brewer do Grand Funk é a “cereja do bolo”! Finalmente, os backings dos gêmeos junto de Rita são
divinos.
* O que representaria o desenho de Rita Lee do encarte acima? Seria a pata
de Zig, a jaguatirica de estimação de Rita espetando um fruto proibido?...
Lado B
1 - O Toque
(Rita Lee e Paulo Coelho): a faixa começa com um órgão Hammond à cargo do Manito, com o registro tratado, ao que parece,
com phazer, o que ficou muito bonito,
lembrando uma guitarra, e é ele que faz a base ao longo de toda da música. Os backing vocals, sempre belíssimos.Na mudança de rumos da canção, nota-se o
incrível lirismo de Rita: a arte de mesclar peso e sentimento. Enfim, uma letra
com um "toque" bem Era de Aquarius beirando o ecológico.
2 – Pirataria
(Rita Lee e Lee Marcucci): um dos mais belos riffs de guitarra do disco, além do piano que está belíssimo e
marcante. A beleza desta canção (também) reside no fato de uma ter uma levada
suingada ao estilo dos The Archies. Ao final, a partir do 3: 48 minutos, o clima da musica muda de um jeito empolgante, e Manito entra
com sua flauta numas de John Anderson do Jethro Tull; em seguida, vem o Carlini
com outro belíssimo solo de guitarra. As palmas e os vocais agudos dos irmãos
Nardo nos refrões finais ficaram ótimos.
3 - Luz
del Fuego (Rita Lee): é outro ponto alto do disco, começa com um ótimo riff de guitarra e nos intervalos temos
ótimos solos. É uma música de contornos sérios, onde, fora o refrão, passa um sentimento que soa trágico. Tem ótima letra, que
particularmente, me soa como uma auto-profecia de Rita.
4 - Ovelha
Negra (Rita Lee): O disco é fechado com chave de ouro com esta pérola
que, convenhamos, dispensa apresentações, destacando-se o arranjo de piano que tem um lirismo que remete à "Your Song" do Elton John. . Desde a época, é considerada “o Hino
de Rita Lee”, ou “um
manifesto infanto-juvenil”,estando entre as suas principais canções. Se tornou um clássico
do Rock Nacional, um baladão que se encerra com outro solo antológico de
Carlini, um daqueles típicos casos em que "menos é mais". O guitarrista sempre afirmou que foi a partir de um sonho que o criou, e que o tocou
de olhos fechados na hora da gravação. Ele conta que precisou insistir com Andy
Mills para incluí-lo ao final da faixa. Felizmente, o gringo cedeu...
O que disse Carlini sobre o episódio:
“Eu sonhei com o solo e acordei assobiando. Fui para o
estúdio (o disco já estava sendo mixado) e pedi para gravá-lo. Os técnicos
disseram ‘fica quieto aí cabeludo, você não vai fazer mais nada aqui’. Mas eu
fui tão insistente que deixaram. Quando terminei, o Andy Mills (produtor do
Alice Cooper) me chamou para a sala de mixagem e disse: ‘Vai embora daqui. Eu
gravei, está pronto e você nunca mais vai mexer nisso’. O solo, feito de um
riff simples que se repete até o fim da faixa, virou referência para os guitarristas
brasileiros. ‘Fiz um bilhão de solos depois, mas nenhum foi tão famoso quanto
esse’, conta Carlini.”
“Fruto Proibido” no
EUA!
Andy Mills brincando com Rita.
Cita-se
que o próprio Andy ficou tão empolgado com a qualidade de “Fruto Proibido” e
seu impacto na mídia, que tentou negociar seu lançamento no EUA, o que
infelizmente não ocorreu, e não se sabe o porquê.
À esta altura, podemos concluir que se Rita tivesse nascido no EUA ou na Inglaterra, o sucesso à nível mundial seria inevitável... Aliás, alguém aqui se esqueceu (ou sabia) que nada mais nada menos que o Eric Clapton (acho que em 1975), em visita ao Brasil, se deslumbrou ao ver a Rita executar "Mamãe Natureza" e cogitou de gravá-la? Ou que a banda new wave Television, ao ouvir "Papai Me Empresta o Carro”, também... cogitou de gravá-la?... É o que eu repito, amigos: não é para qualquer um!... Enfim, pobre do tal jornal londrino por ignorar quem é "Rita Who", que não sabe o que estão perdendo!...
Rita e Rod
Cita-se
que na visita que o cantor Rod Stewart fez ao Brasil em fevereiro de 1978, à
princípio, ele não queria saber de conhecer as bandas de rock brasileiro. Porém,
Rod foi convidado por Caco Barcelos e Ângela Dust, ambos repórteres da então revista
Geração Pop, para uma visita
ao
estúdio Level onde Rita e Roberto
gravavam seu novo disco, o ótimo Babilônia.
Rod ouviu três músicas com um sorriso nos lábios, e gostou tanto que chamou o Roberto
de Carvalho num canto e disse: “Adorei
o som de vocês. Faço questão de convidá-los para jantar e dançar”.
Ao
conhecer Rita pessoalmente, e passar durante duas horas para ela a
receita de seu visual, o homem ficou maluco por ela, mas, segundo a revista. o Roberto advertiu: “Não vem que não tem!”...
Dias
depois, Rita decidiu fazer um carnaval particular em sua própria casa, e
convidou diversos superstars do rock brasileiro e internacional para a
festa – dentre eles, Elton John e Peter Frampton. Rod ficou sabendo do auê, mas...
não foi convidado... Dizem que o britânico ficou espumando de ódio...
The End
Sobre
o “Fruto Proibido”, na citada revista Sétimo Céu
de agosto de 1975, Rita revelou:
“Foi o primeiro
disco que eu consegui curtir depois de feito. O único que não ficou velho.
Antes, eu curtia enquanto o disco estava sendo feito; depois de pronto eu
descurtia e era terrível. Esse, cada vez que eu escuto, gosto mais.”
A benção, Santa Rita!
.
* Este texto faz parte da série de oito livros memoriais que venho escrevendo sobre a Usina Palmeiras (Araras-SP), intitulado: "APÓLOGO 11 -AS REINAÇÕES DE UMA MOLEQUE NA ERA DA CONTRACULTURA. Vol. r – All things must pass– janeiro de 1975 a abril de 1977". Os livros estão em processo de confecção sem prazo para lançamento.
Desenhista profissional desde os 15 anos de idade, tendo trabalhado nas mais diversas áreas, como construção civil, publicidade e propaganda, implementos agrícolas, equipamentos de elevação e veículos militares. Nas horas vagas é fotógrafo da natureza, tratando de nuvens, fenômenos atmosféricos, céus estrelados, insetos e aves. É escritor, pesquisando biografias, história, folclore e ufologia, e também trabalha na criação de materiais humorísticos. Também é musico e compositor, tendo músicas gravadas por outros artistas.