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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

AS SETE MARAVILHAS DESAPARECIDAS DA CIDADE DE ARARAS/SP


"O homem sonha monumentos
E só ruínas semeia
Para a pousada dos ventos."
(Paulo Eiró)

Por ocasião da recente eleição das setes maravilhas do mundo atual, o “Estadão” trouxe uma matéria recente do jornalista Sérgio Augusto (fev.2008) – “Factóide dos desocupados” – onde este afirmava que “O ser humano é o único animal que faz e gosta de fazer listas”. Disse ainda que “a maioria das listas é arbitrária, inútil, perecível, com forte tendência ao ridículo”. Disse mais e pegou pesado: as listas são “Dominadas por jovens com ociosidade e ignorância para dar e vender, a grande infovia é uma fórmula 1 de disparates e cânones estapafúrdios”. Não vou entrar aqui no mérito da questão (que, inevitavelmente, causa ressentimentos bairristas), nem “assino embaixo” do que disse Sérgio, mas este assunto me diz respeito e me atrai por outro viés: o da preservação de bens históricos e naturais. E a lista que hoje aqui se publica nada tem a ver com a primeira, mas guarda certa relação com a recém-votada “7 Maravilhas de Araras”. É ela, além de didática, uma lista de protesto, alerta e lamentações, onde incluo alguns dos muitos patrimônios que foram postos abaixo sem muita cerimônia e compaixão, devido falta da informação e bom senso das sucessivas administrações. Muitos outros bens de não menor importância poderiam ser incluídos nela, logo, as escolhas não foram tão criteriosas. Através desta lista, podemos nos dar conta de que o mal é antigo – vem dos primórdios essa prática de demolir bens históricos em prol de construções e benfeitorias modernas, daí talvez a antiga alcunha de “Araras, cidade progressista”...


1- BOSQUE DA “PRIMEIRA FESTA DAS ÁRVORES DO BRASIL”: plantando em 7-6-1902 por ocasião da festa, localizava-se abaixo da praça “Martinico Prado” e do T. G., ao lado de uma belíssima aléia de bambuais. Em 1947, na administração de José Paulino de Oliveira, a prefeitura elaborou no local um plano de loteamento, e foi o golpe fatal que colocou abaixo esse importante bosque da chamada “Cidade das Árvores”... Na foto, década de 1950, o lugar onde ele se situava, donde se conclui que a área era tão extensa quanto o Lago Municipal. Esse bosque constituía um testemunho vivo daquele que foi considerado pela revista Silvicultura como o “Primeiro movimento brasileiro de tomada de consciência do problema ambiental”, assim como era o símbolo maior do “Primeiro movimento ecológico brasileiro”, como colocou o Jornal da Tarde em 1978, fato que as administrações e o povo teimam em ignorar, mantendo o país alheio à iniciativa tão pioneira. Estes procedimentos insensatos provam claramente que em Araras, há muito, a natureza é a última que fala em questões imobiliárias...



2- PALACETE DO BARÃO DE ARARI: residência de José de Lacerda Guimarães, que se situava em frente a atual “Praça Barão”. Tempos depois da morte do barão, foi transformando no Palace Hotel, o que se deu em 1929. Foi nela que se recepcionou D. Pedro II e sua comitiva, em 1887, quando José recebeu o título de barão. Foi demolido em 1981 para a construção da nova sede do banco Itaú, ao que se sabe sem qualquer protesto dos povo ararense. Isto representou não só a perda irreparável de um bem histórico de excepcional valor – um “vestígio” do passado que nos permitia recordar a morada de um dos grandes fundadores de nossa nação e, conseqüentemente, a descaracterização do mais antigo logradouro urbano, a praça Barão, lugar onde nasceu o primeiro núcleo populacional da cidade. Infelizmente, essa força centrípeta que atrai bancos para os centros históricos das cidades do interior, impede-os muitas vezes de acordar para a política do restauro privado de edifícios históricos para fins comerciais.



3- HORTO FLORESTAL DO LORETO: era a grande reserva artificial de eucaliptos da cidade, além de possuir pequenas reservas de Mata Atlântica integradas à ele. Devido a sua importância, foi citado no livro “A Onda Verde” de Monteiro Lobato em 1920, lembrando-se que seu criador – o visionário Navarro de Andrade – foi o pioneiro da introdução do eucalipto no Brasil, com a sábia intenção de preservar matas nativas e abastecer as locomotivas com lenhas de plantações desta espécie. Constituía ele um excelente recanto para amantes da natureza, ideal para piqueniques, treckers, ciclistas e os que gostavam de se enveredar e se perder por seus sossegados aceiros. Na foto, no final da década de 1970, a parte sudoeste do horto. Ao contrário do seu “irmão” rio-clarense, ele não foi tombado, à salvo de “sem tetos” e “sem terras”, e, infelizmente, recebeu o golpe de misericórdia em 1997 quando foi definitivamente desflorestado para dar lugar a assentamentos... Aliás, nossa vizinha é uma cidade que preservou grande parte de seus bens históricos e culturais, como também a maior parte de seu equipamento ferroviário, além do seu imponente horto, isto, sem se gabar de ser uma “Cidade das Árvores”, slogan que não é nada bom para Araras como conceito sociológico, pois reduz a imagem de cidade à uma qualidade que ela não possui. Como se vê, os ideais conservacionistas do grande Navarro não fizeram eco na... “Cidade das Árvores”. Curiosamente, antes do advento dos motéis e drive-ins na cidade, o horto era o “malhômetro natural” da galera da época. Bons tempos estes!



4- ESTAÇÃO “SÃO BENTO” DA FEPASA: Inaugurada em 1885, era constituída de depósito e estação, e assim permaneceu até 1922, quando ganhou um novo prédio, ao lado do antigo, que permaneceu somente como depósito. Foi demolida quase que conjuntamente com a estação do Loreto, ou seja, após 1986. Com seu desaparecimento, o bairro circunvizinho decaiu consideravelmente e até a escola foi desativada! Nesta estação, há mais de um século, desembarcaram pintores de renome, como o francês Gabriel Biessy e o grande pintor regionalista Almeida Jr., que pintaram belos quadros tendo como motivo a fazenda Montevidéu e seus proprietários. Sabe-se que seu famoso quadro, o célebre “Caipira picando fumo”, foi pintado da janela de uma fazenda onde ele estava, de onde teria visto o tal caboclo, cujo apelido era “Quatro Paus”. É de se perguntar se esta fazenda não seria a Montevidéu ou a São Bento? Quem o dirá?...


5- CORETO "CHAMPIGNON": este coreto em forma de cogumelo gigante, foi construído em 1901 por Otávio Monti, pintor e arquiteto amador oriundo da Itália. Se situava no mesmo lugar onde hoje se ergue a Fonte Luminosa. Os antigos dizem que foi a primeira obra feita em concreto armado no Brasil, isto, décadas antes de ter sido inventado na França. A Internet diz que ele foi inventado pelo francês Joseph-Louis Lambot em 1845, mas Inglaterra e EUA também reivindicam a paternidade. Visto como um "monstrengo" por alguns "progressistas", foi posto abaixo em 1940. Curiosamente, o mesmo se deu com um coreto que ficava no cume do Corcovado carioca, que foi demolido para dar lugar à famosa imagem do Cristo Redentor em 1931 - a causa da demolição de nosso coreto foi menos nobre: deu lugar à um insosso lago com estátuas... Não se sabe se sua demolição foi motivada por alguém que soube do caso do coreto carioca. Conhecido também como "guarda-chuva", foi um dos primeiros bens históricos demolidos em nome da "picareta do progresso", como se disse na época. Houve raros protestos, mas levando-se em conta que nesta época os ideais de preservação sequer ensaiavam os primeiros passos na cidade, a maioria dos homens de então não poderiam aquilatar a importância cultural e arquitetônica que esse monumento teria com o passar dos anos se preservado. Numa época em que os ararenses se gabam de ter sapos, gnomos e cogumelos em seus jardins, o velho Champignon não faria feio nos dias atuais...



6- ESTAÇÃO “LORETO” DA FEPASA: na década de 1920, costumavam desembarcar nesta estação a famosa troupe da Semana de Arte Moderna de 22: Villa-Lobos, Blaise Cendrars, Tarsila do Amaral, Mario e Oswald de Andrade, Victor Brecheret, Lasar Segall, etc. Ali, eram recebidos pela “grande musa de nossos artistas das primeiras décadas do século XX”, a célebre Olívia Guedes Penteado, em sua bela fazenda, a Sto. Antonio – “marco da cultura europeizante”, “polo convergente da elite cultural da S. Paulo do momento”. Fato não confirmado, dizem que Villa-Lobos, em viagem de trem para a fazenda, compôs a famosa “Trenzinho Caipira”. Para se chegar à fazenda, havia uma estrada com uma belíssima aléia de bambuais – a “Via Carola” – que, partindo da estação, se estendia até a entrada da mesma. Inaugurada em 1899, foi desativada em 1962 e, por fim, demolida após 1986, o que também se deu com a singela estação do Remanso. Assim como estas, o bambual também foi colocado abaixo, mas o motivo foi a construção do Nosso Teto I em 1981, quando foi transformando por seus moradores em cercas para suas novas casas...



7- ARQUIBANCADA DO “COMERCIAL FUTEBOL CLUBE”: um monumento vivo da época de ouro do futebol local, erigida no campo da grande agremiação surgida em 1929. Em 1988 o estádio receberia nova iluminação, mas anos depois, a arquibancada foi posta abaixo, dizem que para se lotear o estádio... Se o verdadeiro problema fosse avarias em sua estrutura, é óbvio que ela poderia ser restaurada sem problemas. Na foto, a arquibancada em 1948, década em que foi construída. Dizem também que sua demolição foi o primeiro passo dado por aqueles que tinham a intenção de abrir uma rua ali e desafogar o trânsito, priorizando-se assim o maior sonho de consumo do ararense, digo, o automóvel, em detrimento do elemento humano, ou seja, o torcedor e o jogador. Lembrando-se de como as coisas velhas e históricas são desprezadas e vivem em constante situação periclitante na cidade, passo aqui a palavra ao velho e sábio São Lucas que, parecendo se referir à Araras, escreveu em seu evangelho: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído”...
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