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terça-feira, 29 de setembro de 2009

O BENNETT, O INCRÍVEL COMETA DO OUTONO DE 1970


"Canto a tua beleza, adorada Provença
terra onde o sol põe luz nos olhos de cristal,
e os ciprestes, olhando a azul esfera imensa,
contam. oh Mãe, a tua história imemorial!"
(Provença - Béatrix Reynal, 1892-1990)


Tanto quanto escrever sobre as recordações de minha vida, eu gosto de escrever sobre os cometas que vi em minha infância. Quem é, ou viria a ser escritor, jamais esqueceu a visão de um deles e, nesta condição especial, fez questão de registrá-los. Só mesmo quem viu um grande cometa no céu, sabe do sentimento estranho e indescritível de que é apossado. Foi assim com Drummond e Pedro Nava, dentre outros, escritores que tiveram a suprema felicidade de ver o majestoso Halley em 1910, e transcrever suas impressões para a posteridade. Da infância, a partir dos quatro anos, até hoje, tive a felicidade de ver dois cometas — até o momento, vi 10 ao todo —, e, hoje, vou falar do segundo, não muito grande mas interessante cometa também.

Por volta do final da década de 1960 e início da 70, a impressão que se tinha na Usina é que haviam “coisas no ar”, e sentia-se nela uma atmosfera mágica, algo de presságio, coisas que, parecia, só minha mãe e eu éramos capazes de captar na Usina. O cometa Bennett, creio, foi uma delas. 

Estimaram que ele poderia se tornar um dos maiores cometas do século e ser comparado à cometas históricos como o Halley de 1910 e o Donati de 1858, mas tal não ocorreu, infelizmente. Porém, assim como o Ikeya-Seki, que o antecedeu, o Bennett foi um dos mais belos cometas que passaram pelas proximidades de nosso planeta nestes últimos 40 anos, o que se deu entre março e abril de 1970, ocasião em que pode ser visto a olho nu antes do amanhecer. Seria o primeiro e único cometa que eu vi em meus dez anos de Usina (e era para ter visto três). Viria ele a ser o segundo alumbramento celeste que pontuara minha vida, e uma das imagens que conservo mais nitidamente em minha memória.

Foi descoberto visualmente com magnitude 8.5, por John Caister Bennett, um astrônomo amador de Pretória, África do Sul, em 28 de dezembro de 1969, 15 minutos após haver iniciado sua rotineira busca por cometas, encontrando-o nas imediações da Nuvem de Magalhães. Na foto abaixo, o cometa fotografado por Akira Fuii. Designado como 1970 II, o Bennett foi um dos mais belos cometas que passaram pelas proximidades de nosso planeta nestes últimos 40 anos, o que se deu em março e abril de 1970, ocasião em que pode ser visto a olho nu antes do amanhecer. 



Seu núcleo, onde foi constatado a existência de um envoltório de hidrogênio, era amarelo amarelo-brilhante, parecendo uma estrela. Sobre o núcleo citou-se que  “Além de jatos e envoltórios parabólicos, ele ostentava uma formação peculiar, à feição de ‘rodinha de São João’, de filamentos laranja, na zona próxima do núcleo. A ‘rodinha laranja’, como foi designada na ocasião, foi observada tanto visual como fotograficamente e demonstra, em parte, a extensão da atividade nas regiões centrais de um cometa verdadeiramente ativo”. Por isto, seu núcleo parecia estar girando rapidamente. Já sua cauda, que era dupla, reluzia com brilho amarelo-pálido (foto: Staten Island, New York, 1970 March, Perti 135mm f3.5,15 seconds on Tri-X. Pho), e cerca de duas semanas antes de sua máxima aproximação do Sol, ele foi visto no céu sul-oriental com uma cauda de poeira, curva e brilhante, e outra de gás, tênue e reta, que parecia brotar como um raio reto de um lado da cauda curva de poeira. Ambas eram separadas entre si por uma distância de cerca de um grau da cabeça. Em 21 de março se podia ver uma larga cauda de poeira, de 13 a 14 graus de extensão, curva e brilhante, na cor amarelo-clara, junto de uma cauda de gás, que tinha uma borda convexa muito nítida voltada para o norte, outra borda côncava indefinida que, para o sul, se dissolvia numa luminosidade amarelada, dando a impressão de um repuxo curvo jorrando em direção oposta ao movimento do cometa e se pulverizando numa fina névoa de vapor luminoso amarelado. Em 11 de abril a cauda chegou a atingir 25 graus. 

Para se ter uma noção de seu comprimento aparente no céu, com o braço estirado, a mão aberta e dedos esticados, 20 graus é a distância entre as pontas do polegar e do dedo mindinho, portanto, um cometa de proporções bem significativas. (foto: Dennis di Cicco)

Entre fevereiro e março houve a passagem pelo periélio, sendo que ele foi visível em seu esplendor entre 15 de março e 10 de abril de 1970. À medida que ele ia se aproximando do Sol, seu aspecto foi mudando até que a cauda de poeira eclipsou em parte a cauda de gás. Coincidentemente, em março deste ano o Sol se encontrava em sua máxima atividade, quando as manchas solares se intensificam após um ciclo de 11 anos, mas não sei dizer se isto influenciou no tamanho de sua cauda. Depois dessa aproximação, a cauda de gás foi novamente vista, enquanto a de poeira continuava a girar para o norte, sendo facilmente observada em começos de abril. Cita-se que nos primeiros 5 graus da cauda houve ejeção de gazes, o que pode ser visto na foto abaixo. 


Era rico em poeira. E cometas assim são os que melhor tem a oferecer aos astrônomos visuais, porque brilham com luz refletida, fornecendo imagens vivas em todos os campos do espectro, inclusive aqueles captados pela vista humana, em contraste com as caudas de gás, cujo constituinte principal, o monóxido de carbono ionizado, irradia no violeta, uma faixa espectral a que os nossos olhos não são muito sensíveis. As caudas de poeira se mostram mais comumente como apêndices longos e encurvados, mais ou menos como a fumaça saída de uma locomotiva a vapor. (foto acima: National University of Ireland, Maynooth)

Curioso foi um fato ocorrido durante a missão Apollo 13: no dia 14 de abril de 1970, às 21h03, Houston orientava os astronautas para que manobrassem a nave para fazer algumas fotos do cometa Bennett. Após o “OK”!, seguem-se dois minutos de silêncio, quando o astronauta Lovell diz “Temos um problema”, afirmando que havia uma falha elétrica num dos sistemas. Havia ocorrido uma explosão, que os astronautas não perceberam, mas após custosos reparos conseguiram voltar para a Terra sem problemas. Outra curiosidade se deu durante a guerra no Oriente Médio: o cometa chegou a ser alvejado por soldados árabes que imaginaram se tratar ele de uma arma secreta de Israel!... Já no Vietnã, os camponeses ficaram apavorados ao vê-lo, chamando-o de “Vassoura Celeste”.


Não sei como minha mãe ficou sabendo da aparição deste cometa, pois, naquela época, a divulgação de eventos do gênero, seja nos jornais (que não assinávamos) e na TV era rara no Brasil. Mas posso garantir que não foi por informações minhas que ficamos sabendo do fato, embora eu já soubesse ler. Por este mesmo problema, deixei de ver o belíssimo cometa West, que surgiu na virada de 1975/76 (foto: New Jersey). Neste caso, o problema se deu com os meios de comunicação, que estavam embaraçados com o anticlímax gerado pela "frustrada" visita do cometa Kohoutek em 1974, e temendo um novo fiasco, pouca cobertura deram ao surgimento do West. O resultado foi que esse cometa espetacular passou desapercebido do grande público. Para reforçar o que digo, leia o que o senhor Adelino P. Silva, de Fortaleza/CE, escreveu sobre o Bennett:

“Imaginei que a passagem do Cometa seria o assunto do dia seguinte na cidade. Se não nos jornais (não dava tempo), pelo menos nas estações de rádio e TV. Nada, rigorosamente nada. Nenhum dos meios de comunicação comentou o fato, aliás, como também nada tinham mencionado anteriormente. Pensei em doar a foto para um jornal, mas acabei desistindo. Achei que seria apenas mais uma. Que nada. Jamais se tocou no assunto. Até hoje tenho a nítida impressão de que somente eu observei e fotografei o Cometa Bennett no céu já quase totalmente azul daquele lindo amanhecer de 1970 em nossa querida cidade de Belém, Pará.”

Na foto acima, feita entre 21 e 25 de março de 1970, o Bennett fotografado por Adelino, com magnitude 1.8 e cauda com 12 graus de extensão.

O cometa, em foto de 20 de março, por Cláudio Pamplona, Fortaleza, Ceará.

Lembro-me que, numa certa madrugada de março ou abril, minha mãe me acordou e fomos eu e ela tentar encontrar o Bennet no céu da Usina. Uma manhã como essa tinha um encanto particular, pois só quem passa a noite semi-acordado, na expectativa de ver algo incomum é que sabe o sabor que tem despertar e ir ansioso para o quintal e olhar para o céu. Acredito que o vimos no auge de sua aparição no hemisfério sul, no final de março por volta das 4:30h. Do próprio quintal de casa pudemos vê-lo facilmente, pois ali a vista era descortinada, já que haviam cortado o velho pé de flamboyant que se erguia no gramado frontal. A noite estava límpida e fresca – como eram a maioria das noites outonais nesta época –, e olhando acima do horizonte ao lado de um cipreste que havia em frente à nossa casa, lá estava o novo cometa, bem visível e brilhante em meio à luz da anteaurora que já se insinuava e começava a azular o céu matutino (na foto acima, o cometa em Waasmunster, Bélgica).

Gornergrat. Close to the Lyskamm. "Jena Primoplan",, 75mm lens, f-1.9

Custava-me a crer que, após cinco anos, eu estava novamente diante de um cometa, de modo que nos que meus olhos quase não acreditavam no que viam. Sempre quando vejo o quadro “Noite Estrelada” do Van Gogh, o segundo quadro, o que tem os ciprestes e os entrelaçamentos de espirais, os torvelinhos de estrelas, e revivo esta noite especial da aparição do Bennett, em que meus olhos de menino curioso e sonhador se deslumbraram. Interessante saber hoje que o cipreste é a árvore que simboliza a união entre o Céu e a Terra. 

By Andiroby

Bennett era um cometa mediano, mas bem visível no céu, e dificilmente não chamaria a atenção mesmo para os que “são inábeis para as afeições do céu”, como diria o poeta. Por causa disto mesmo, a sensação de se ver um cometa a maioria das pessoas desconhece, mas é algo indizível – só mesmo se vendo para saber o que é este sentimento ao ver um astro milenar que veio dos confins do universo nos visitar, coisa que, felizmente, pude desfrutar novamente vendo o belíssimo cometa McNaught em janeiro de 2007. Ele não proporcionou o mesmo show deslumbrante do grande Ikeya-Seki, que eu havia visto cinco anos antes em Araras, mas foi ótimo ver novamente um cometa, coisa tão rara atualmente. Dos 10 cometas que vi até hoje, o Bennett foi o terceiro melhor, o McNaught o segundo e o Ikeya-Seki o primeiro. Ainda estou na espera de um gigante cometa rasante solar – aqueles que são vistos até de dia. Mais dia, menos dia, um desses aparece.


Na foto acima, o Bennet visto numa praia de Samoa, fotografado por John M. Flanigan.

No livro que abandonei temporariamente, O Romeiro da Maldição – As reinações do poeta Fagundes Varella – meu personagem que volta no tempo, ao século 19, passando por 1910, se detém para ver o cometa Halley e reclama do século 21, em que vive, época pobre de cometas e outros eventos astronômicos:

“Como não se bastasse, os cometas e chuvas de estrelas que foram eventos tão freqüentes e deslumbrantes no século XIX e anteriores proporcionando inesquecíveis espetáculos, no século seguinte, com a possessão da luz, deixaram a desejar, aparecendo raramente e, ainda assim, timidamente, e o XXI, pelo que se nota, lamentavelmente ainda não soube repetir à altura um destes raros eventos astronômicos que encantaram e assombraram estes nossos afortunados habitantes aqui do passado...”

Gornergrat . With track of an Echo satellite. "Jena Primoplan" 75mm len

Roy Stemman – um dos papas da Ufologia Bíblica – sentenciou:

“Quanto mais olhamos para trás no tempo, mais impressionantes são as histórias que se descobrem.”
 
E já que falamos em Ufologia, veja esta outro colocação do ufólogo George Adamsky, em seu livro “Os Discos Voadores”, em pareceria com Desmond Leslie, lançado no Brasil em 1953:

“Procissões enchem os caminhos do espaço à volta do nosso globo, fazendo parecer vazias, pela comparação, as nossas estradas principais em dias de feriado. O século XIX bateu o recorde no que diz respeito ao turismo estelar. Milhões de seres extraterrenos, aparentemente, espreitaram, bisbilhotaram, investigaram, estudaram e registraram tudo o que viram no nosso planeta nas suas fantásticas excursões.”

Assim sendo, resta-nos apenas lamentar estes tempos insípidos e insossos em que estamos vivendo...

Para fechar a matéria, uma belíssima foto do Bennett, nas montanhas suíças, em 26 de março 1970.

O Bennett na revista Veja, em 1º de março de 1970




* * *
* Este texto é um capítulo do livro, em fase de redação, "APÓLOGO 11 – OS DEVANEIOS DE UM MOLEQUE NA ERA DA CONTRACULTURA Volume 2 — Sweet memories ― janeiro de 1969 a dezembro de 1970".

Veja aqui um outro documentário meu sobre cometas:
O GRANDE COMETA MCNAUGHT EM JANEIRO DE 2007: UMA BELA SURPRESA QUE POUQUÍSSIMOS FELIZARDOS VIRAM!...



Fontes:
Seis fontes. Consultar o autor.
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