quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

O FOLCLORE DA BANANEIRA NAS MORTES DOS BARÕES DE ARARY E GRÃO-MOGOL

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Este texto que hoje publico, diz respeito ao folclore da flora em torno de uma planta frutífera, a popular bananeira, originária do sudoeste da Ásia e, ao contrário do abacaxi, não nativa no Brasil, como muitos creem. E dentre as diversas e ricas histórias folclóricas que dizem respeito a esta planta, apresento este ensaio sobre a sua ligação com o folclore da morte, a escravidão e o baronato. O ensaio diz respeito ao folclore desta planta envolvendo dois barões locais: o barão de Arary, de Araras (fazenda Montevidéu), e o de Grão-Mogol, de Rio Claro (fazenda Angélica). Lembremos que ambas as cidades são vizinhas e muito inter-relacionadas desde sua fundação, como, por exemplo, em eventos como feiras, parelhas de cavalo, futebol; namoros e casamentos; mudanças de município; negócios em geral etc.

O Barão de Arary

O caso Barão de Arary (José de Lacerda Guimarães, 1822–1897) se deu numa curiosa passagem envolvendo ele e seus escravos. A história, recolhida pelo falecido escritor e pintor Emílio Wolff (1902-1995) em seu livro Nosso Folclore (1963), conta que esse barão tratava seus escravos com rigor. Quando faleceu, segundo reza a lenda, os familiares determinaram que seu corpo fosse velado por quatro escravos, em câmara ardente que foi armada na sala de visitas. Por volta da meia-noite, os mesmos resolveram tomar café e dirigiram-se para a cozinha. A certa altura, ouviram um forte estrondo que pareceu vir da sala onde estava o corpo do barão, e para lá acudiram. Já na sala, se depararam com um clarão que ia se dissipando, acompanhado de fumaça com cheiro de enxofre, e o corpo do barão sumira! Após o fato, a família desejou que no lugar de seu corpo fosse colocado um tronco de bananeira, e assim, José foi sepultado no dia seguinte ao amanhecer. O fato se deu 19 de outubro de 1897, quando o barão estava com 76 anos. Segundo o etnomusicólogo Paulo Dias, o “fumo espesso é indício inequívoco da presença do demônio, cujo exorcismo é levado a cabo pela leitura do Credo”. No distante 1931, uma tal de Zuleika de Lima publicou um conto no jornal Tribuna do Povo, intitulado “O bode preto”, conto que versava sobre maçonaria, onde se lê algo pertinente, que se deu durante o velório de um homem maçon:

“Tudo ia às mil maravilhas; entretanto, lá pelas horas mortas ouviu-se um tropel medonho, aproximava-se um cavaleiro. Sem que soubessem a razão todos sentiram arrepiarem-se os cabelos. Finalmente entrou um homem que, sem dizer palavra, assentou se ao lado do caixão. Os circunstantes olharam-se pasmados da esquisita aparição, mas tudo ficou como se nada houvesse.
O homem continuou em silêncio, porém, quando o relógio bateu compassadamente meia-noite, quando o relógio bateu compassadamente meia-noite, ele disse: fechemos o caixão. E fechou-o. Depois do que, colocando-se no meio da sala começou a virar que nem pião e deu um formidável estrondo, enchendo a casa de forte cheiro de enxofre.
Foi um susto medonho, todos fugiram deitando o morto.
No dia seguinte, muito receosos, levaram o féretro ao cemitério. O peso do cadáver era extraordinário; foi com grande custo que conseguiram chegar ao campo santo.
À beira do tumulo, como é de regra, o coveiro abriu o caixão; todos ficaram maravilhados; no caixão, em vez do cadáver, estava um pau de bananeira.”

A fazenda Montevidéu - Araras-SP

O mesmo Emílio Wolff recolheu outra história sobre o assunto em seu livro Nosso Folclore (Vol. 2, 1985), que fala sobre a índole de um barão, ao qual não deu o nome, mas todos os indícios remetem ao lendário Barão de Grão Mogol (Guálter Martins Pereira, 1826-1890). A mesma história da bananeira envolvendo o barão ararense, se deu com este fazendeiro da cidade de Rio Claro, na verdade, originário de Minas Gerais. Quem trouxe outras contribuições à esta história sobre a estranha morte desse barão, , envolvendo o folclore da bananeira e a escravidão, foi Ari Roberto Pesce, que a ouviu de seu tio, o senhor Santo Medina, antigo morador da fazenda São José e depois residente em Rio Claro. Segundo este, no dia do velório deste barão surgiram alguns homens estranhos, vestidos de preto e todos tinham os pés em forma de pé de pato. A certa altura, estes homens misteriosos tomaram o corpo de barão e partiram levando-o consigo para local ignorado. Depois, para que a família pudesse realizar o enterro, a solução foi colocarem um tronco de bananeira no lugar do corpo. 

O Barão de Grão-Mogol

Consta que ele, já bastante idoso, certamente movido por remorsos, Guálter trabalhou muito para a causa da abolição em Rio Claro, cidade que, inclusive, libertou seus escravos antes de Araras. Ele tinha estreitas relações com Araras neste quesito, e há uma ata na Câmara Municipal de Araras, referente a libertação dos escravos na cidade (8-4-1888), onde se lê: “Durou vários dias a Festa da Liberdade, na qual tomou parte saliente o Barão de Grão Mogol”, o que vem validar a história recolhida por Emílio Wolff. Inclusive, nas comemorações da abolição da comunidade negra que se deram no Largo da Capela Santa Cruz em Araras, evento que durou oito dias, Guálter esteve presente. Sua esposa, Emília Martins Pereira, está enterrada no Cemitério Municipal de Araras, num suntuoso jazigo. Segundo o livro “Memórias da Fazenda Angélica”, de Ariovaldo José Seneda (2004), um dos desejos do barão foi ser enterrado junto de seus escravos em seu jazigo, que fica na borda de um canavial atrás da fazenda Angélica, local muito visitado. Corroborando este fato, e acrescentado um curioso detalhe, colhi uma história narrada à mim pelo ararense Miguel Curtulo, 82 anos (1921), que afirmou que o barão, após morto e enterrado no cemitério Municipal de Rio Claro, começou a aparecer à noite em sua fazenda como uma assombração. Diziam que ele queria se enterrado em suas terras, e a solução foi trazer seus despojos de volta e enterrá-lo no cemitério junto de seus escravos.

Jazigo da Baronesa de Grão-Mogol 
no Cemtério Municipal de Araras

Sobre a crueldade deste barão para com seus escravos, Wolff escreveu:

“Uma preta velha, que foi escrava da fazenda de café do Barão, contava que certa vez, uma escrava, de cesta na cabeça, uma criança nos braços e outra agarrada na saia, vinham em direção à senzala. Ao se aproximarem do lago, o Barão, que seguia seus passos, arrancou-lhe o filhinho e o jogou na lagoa. A mãe, desesperada, atirou-se na água para salvá-lo. Como não sabia nadar, morreram afogados, mãe e filho. A menina, que ficara em terra, instintivamente também foi ao encontro da mãe para morrer com ela. Assim, três vidas se perderam para gáudio do senhor Barão." 

A fazenda Angélica - Rio Claro-SP

Wolff escreveu ainda que Guálter costumava matar a tiros alguns de seus escravos por puro sadismo, enterrando-os depois no cemitério da fazenda. Menciona ainda outra história conhecidíssima e muito divulgada, a de que este barão trancafiava sua esposa no sótão do casarão, a fim de poder cortejar lindas pretas escravas de sua propriedade. 

O jazigo do Barão de Grão-Mogol 
na fazenda Angélica, Rio Claro-SP

Não aprofundei minhas pesquisas a ponto de decifrar se estas histórias folclóricas fazem parte da tradição oral africana de escravos que aqui aportaram. O eminente Câmara Cascudo (1898-1986), em seu livro “Dicionário do Folclore Brasileiro” (1952), no item bananeira nada registra sobre o folclore desta planta associado à morte. Com muitas variantes, há inúmeras histórias por este Brasil afora, recolhidas por outros folcloristas e memorialistas, e esta temática da morte ligada à bananeira e à escravidão foi muito associada naqueles tempos à morte de muitos fazendeiros e barões cruéis para com seus cativos.  

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segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

COINCIDÊNCIAS ENTRE A ARTE E A VIDA REAL

A primeira vez que pus meus olhos neste belíssimo quadro ― "Saudades" (1899), do famoso pintor caipira Almeida Júnior (1850-1899) ―, imediatamente ele me remeteu ao filme "Inocência", de 1981, estrelado por nada menos que a premiada atriz Fernanda Torres e o Edson Celular, filme, aliás, muito bom ― uma ótima adaptação do famoso romance do escritor Visconde de Taunay (1843-1899), livro de 1872, para mim, o mais belo romance regionalista brasileiro, livro de cabeceira, aliás.



Digo que o quadro me chamou a atenção pois a impressão que a pintura me passa é a da própria Inocência (do filme) estar à janela de seu quarto do sítio onde morava, lendo uma provável carta de Cirino, cheia de saudades esperando seu retorno. Escrevi isto, poisa semelhança física da moça da pintura com a própria Fernanda Torres é impressionante!


Há mais coincidências: o fato de o Almeida Júnior ter sido assassinato à punhaladas por um primo seu, pois era amante da esposa deste. Foi considerado o mais famoso crime passional brasileiro da época, comovendo o País. Também, no livro, o personagem Cirino foi assassinado pelo enciumado Manecão, namorado de Inocência. Cirino pretendia desposar Inocência.

Os livros que tenho do romance "Ioncência, 
e das pinturas do Alkmeida Júnior.

O quadro "Saudades" foi uma das últimas pinturas feitas por Almeida Júnior antes de ser assassinado, e, por outra curiosa coincidência, o Taunay faleceu no mesmo ano que o Almeida Júnior.

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quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

O PIANO E OS TECLADOS NO ROCK E NA MÚSICA POP ONTEM E HOJE


Antigamente tínhamos artistas pop que tocavam piano e faziam grande sucesso com suas músicas, e o piano tinha participação ativa e efetiva nos arranjos, destacando-se tanto quanto a voz. O que mais se destacou foi o Elton John, mas tínhamos outros grandes como Stevie Wonder, Paul MacCartney (os três maiores), Ray Charles, Leon Russell, Carole King, Barry Manilow, Roberta Flack, Billy Joel e "finalmente" Freddie Mercury, e no Brasil o Guilherme Arantes. Hoje, nos raros artistas que tocam piano, ele quase chega a passar despercebido. 

Mesmo no rock o piano se destacava bastante, bem como os teclados eletrônicos, tendo como astros maiores Rick Wakeman, Keith Emerson, Patrick Moraz, Jurgen Fritz, Edgar Froese, Richard Wright, e no Brasil o Manito e o Flávio Venturini. O teclado no rock hoje não se destaca tanto, e só as guitarras parecem imperar.




terça-feira, 17 de setembro de 2024

DE COMO A DITADURA DE 1964 - O ANO DO GOLPE -, FOI PÉSSIMA PARA O MAIOR ROCKEIRO DO BRASIL!...


"1964 foi a melhor época dos Panteras, a fase áurea. Porque a gente tocava música dos Beatles. A gente tinha aparelhagem, tinha nome, era o conjunto mais caro da Bahia.” (RAUL SEIXAS, em entrevista à Ana Maria Bahiana em 1975)






terça-feira, 13 de agosto de 2024

PAPAI, NÃO CORRA!


Quem se recorda daquele pequeno acessório decorativo que era colocado no painel dos automóveis entre os anos 60 e 80, um quadrinho de armação de alumínio, de formato comprido e retangular, com uma fotinha dos filhos de um lado, ao centro a frase "Papai, não corra!" (ou "Papai, não corra! Papai, não morra!"), e do outro lado uma imagem de Nossa Senhora ou o emblema de um time de futebol qualquer? 

Ele era preso por um imã que havia atrás do quadrinho, e isto era possível, já que o painel dos carros da época era de metal. 

Quem guardou um desses objetos tem hoje uma verdadeira relíquia de época oriunda daqueles tempos relativamente descuidosos e ingênuos, e sem tantas regras rígidas para se dirigir e viajar.

Mas - ironia do destino - os tempos mudaram: hoje, quem corre são os filhos!!!...

CURIOSIDADES:

- Num show antigo, o humorista Chico Anysio contava a saga do primeiro astronauta brasileiro, citando que ele levaria, colada ao painel de instrumentos, a foto dos filhos com os dizeres: "Papai, não corra";

- Uma rara imagem de um acessório desses pode ser vista numa cena do filme "Cabra-cega", lançado em 2005.

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sábado, 22 de junho de 2024

JOHAN DALGAS FRISCH - A PARTIDA DE UM MESTRE

Há oito dias atrás, fiz um post aqui homenageando o ornitólogo Johan Dalgas Frisch, dizendo que ele era meu mestre desde os meus 21 anos, quando me iniciei como observador de aves, comprando seus discos com gravações de aves e os livros "Aves Brasileiras", volumes I e II, este, obra de referência na ornitologia mundial por ser o primeiro guia de campo lançado no Brasil.



Na verdade, conheci o Dalgas ali por volta dos 8 anos, quando um amigo da família, o Carlinhos Cosmo, levou um disco paa a gente ouvir junto de meu pai, quando ainda morávamos na Usina Palmeiras. Foi chocante. Três anos depois, ouvi novamente suas gravações num ônibus que ficou por alguns dias parado em exposição para visitas em frente à igreja Matriz de Araras, ônibus que se intitulava "Exposição Educativa das Selvas do Mato Grosso", que corria o Brasil, cujo proprietário era o empalhador e ornitólogo José Hidasi. Havia animais empalhados de todos os tipo dentro daquele ônibus fantástico. Era para lá de impactante.  Ouvir aquelas gravações com a voz pomposa do Oswaldo Calfati narrando, foi um impacto muito grade e me tocaram profundamente. Foram nestes dias incríveis que a mosca azul da Biologia me picou definitivamente. 



Coincidentemente, ontem, infelizmente, faleceu um amigo - o Gustavo - que me alertou para o fato de que eu era o pioneiro em Araras como observador de pássaros, o que muito me orgulhou!

Hoje, para minha enorme tristeza, soube pela TV que o Dalgas também faleceu, esta manhã, o que me causou um choque enorme. Era seu fã a não poder mais, colecionando gravações e reportagens dele, sempre acompanhando seu trabalho. 



Porém, Dalgas estava com 95 anos, o que significa que vivera e produzira muito nestes anos todos, felizmente. A Ornitologia brasileira lhe deve muito por seus feitos em prol das aves e sua magnífica obra. 

Enfim, o que me resta é desejar-lhes que Deus os receba com toda a paz na Eternidade, e que todas as pombas do Paraíso façam revoadas com suas chegadas! 

Obrigado, Gustavo, e obrigado Dalgas, grande e eterno mestre!

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quinta-feira, 20 de junho de 2024

MINHA OPINIÃO SOBRE O "SKA" e o "REGGAE", RITMOS JAMAICANOS

Surpreendentemente, quando no mundo do Rock ninguém falava neste estilo musical, a banda norte-americanade rock Grand Funk gravou um ska em seu disco de 1974, o “All the girls in the world beware”, e é uma música que eu ouvi recentemente e gostei, com direito à sopros e tudo mais. É a canção “Runnin’”, de autoria do baterista e vocalista Don Brewer! 

Mas nunca me agradou o Paralamas do Sucesso gravando músicas neste estilo, e até me parecia música ruim executada em ritmo de discoteque demais acelerado… rsrsrsrs… 

Também — apesar de eu ter composto duas músicas no estilo —, não curto reggae, outro estilosinho de ritmo viciado em que todas as músicas parecem a mesma… E penso que todas as bandas de rock que se meteram a gravar reggae, para mim foi um fiasco, algo desnecessário — musiquinhas para lá de insossas —, a começar pelo Eric Clapton (vide “I shot the sheriff”); depois veio o Led (que também gravou um funk, um lixo, por sinal!), e até mesmo o Van Halen (quem diria!...)! 

O Gil gravando “No woman no cry” para mim é uma mediocridade — ô, musiquinha aguada e sem sal ou açúcar! Mas, para mim, “A raça humana”, dele próprio, é o melhor reggae composto no Planeta, um reggae, diria, New Age, bem desacelerado e muito emotivo! 

Mas o reggae em geral me remete a chiclete que se masca e que há muito perdeu o açúcar… E o ska - ah, o ska!... - me parece música de quem vai tirar o pai da forca... rsrsrsrs…

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