"CASO COM O OCASO" ou A NATUREZA E A SENSIBILIDADE HUMANA
Aqui, na solidão destes pinheiros graves,
Eu venho, muita vez, a sós, pela noitinha,
Ouvir a natureza incompreendida, a minha
Amada, a minha amiga, a minha confidente!
Ouvir a natureza! Esse gemer plangente,
Essa apagada voz de surdinas estranhas,
Que vem dos ribeirões, que sobe das montanhas,
E acorda, dentro dalma, em nossa soledade,
Um místico pungir de mágoa e de saudade.
Ah! cada árvore tem uma intima linguagem!
Ah! cada árvore tem, fremindo na ramagem,
Uma alma como nós, que nós não vislumbramos,
Mas que vibra no ar e palpita nos ramos...
Já repararam quando as brisas vespertinas
Sopram, como, a gemer, sofrem as casuarinas?
E choram os chorões? soluçam os pinheiros?
Murmuram os ipês e cantam os coqueiros
Quando o vento, a passar balouça-os palma a palma?
- Homens, reparai bem que as árvores têm alma!
Reparai que à noitinha, à luz do lusco-fusco,
O ruído, os sons, a vida, estacam-se de brusco,
E cada árvore fica imersa num cismar
De quem compreende e sente a dor crepuscular.
Oh! vós que respirais a poeira da cidade,
Vós nunca entendereis a doce suavidade,
A música dorida, a estranha nostalgia,
Que vem da solidão quando desmaia o dia!
Vós nunca entendereis essa rude grandeza,
Essa infinita paz, essa imensa tristeza,
Que sai do coração da mata bruta, quando
Resplandecem no céu os astros palpitando.
É preciso viver longe da turba humana,
Longe do mundo vão, longe da vida insana,
para sentir, amar, ouvir essa tristeza,
Que exala, ao pôr-do-sol, a maga natureza!
Ai! Quanta vez eu fico a sós pela noitinha
Ouvindo a natureza, a inspiradora minha!
Ouvindo o pinheiral com seu gemer infindo,
Ouvindo a noite, ouvindo as árvores, ouvindo
Os ventos, e na volta exígua duma curva,
Ouvindo o ribeirão de correnteza turva,
Que vai, soturno, ouvindo o estrépito das águas,
Consigo rebramando incompreendidas mágoas...
E assim, no ermo da tarde, escutando, enlevado,
Esse vago murmúrio, esse rumor sagrado,
Eu quedo-me a cismar num êxtase de crente,
Conto se eu estivesse a ouvir, confusamente,
A própria voz de Deus ecoar na solidão.
Povoar a natureza e encher meu coração...
Dicas: se vocês quiserem conhecer outros escritores que tem sensibilidade semelhante, e também escreveram belos romances e poemas, leiam, por exemplo, as obras completas do poeta Fagundes Varella, do qual estou escrevendo um romance biográfico; leiam "Inocência" e "Céus e Terras do Brasil" do Visconde de Taunay; as poesias de Olavo Bilac; o livro "O Feijão e o Sonho", do Orígenes Lessa, e vocês irão conhecer o notável Campos Lara, um sujeito hiper-sensível e telúrico, talqualzinho o do poema do Paulo Setúbal.
Prometo que, em breve, irei inserir neste blog algumas produções destes grandes escritores.