Analisando as pessoas desse velhos tempos, há pouco mais de 60 anos atrás, é difícil acreditar que alguém pudesse ter sua atenção despertada por um simples e exótico animalzinho alado chegado pela primeira vez a cidade, a ponto de, anos depois, registrar o fato num jornal. Mas foi o que aconteceu, e, no mínimo, a pessoa devia ter uma relativa queda por pássaros.
Foi nesta época que, dando continuidade à sua ferrenha e vitoriosa bioinvasão, um novo pássaro originário do Oriente Médio começava a se espalhar pelas cidades do interior paulista. Como vinha ocorrendo desde 1903 à partir do Rio de Janeiro, onde fora introduzido, esse pássaro estrangeiro aportava em nossa cidade, e o fato não passara em branco para um atento articulista de um jornal local, que por uma feliz iniciativa, registrara o acontecimento numa breve crônica, apesar de o fazer mais de uma década após o acontecido. Explica-se: na época, o observador era um aluno de grupo escolar.
Antes de mais, nada, gostaria de informar que o que escrevi aqui, só foi possível devido ao fato de ter ganho um valioso presente, que me fora ofertado por um velho amigo das letras, o professor e escritor Alcyr Matthiesen, uma coleção completa de um extinto jornal ararense que, de cabo a rabo, eu já pesquisara anos atrás. O que não me conformo é que a citada crônica de onde retirei as informações para redigir este post, eu não descobrira durante estas pesquisas e passei batido por ela, logo eu que sou que sou tão meticuloso e atento...
No distante 1941, o popular e cosmopolita pássaro conhecido como pardal (Passer domesticus), chegava à cidade para ficar, e o já citado articulista, cujo nome era João das Neves, em sua coluna no Jornal de Araras denominada Bilhete de Araras, rememorava o “feito”, registrando a histórica data numa singela e simples crônica. No entanto, eram passados 13 anos do fato, mas mesmo assim, João das Neves, em 11 de março de 1954, registrava para a posteridade o curioso acontecimento.
Não se sabe se o pardal viera sozinho, ou em bandos, como era de se esperar – se é que alguém esperasse... O que João das Neves vira fora apenas um discreto casal que timidamente aportava na cidade... Mas qual fora o lugar que ambos buscaram para estabelecer domicílio na pacata cidadela de então? Seria um arbusto, uma árvore ou um buraco num barranco, como era de se esperar de um pássaro? Nenhuma das alternativas – não fugindo às suas natas tendências sinantrópicas, o casal forasteiro escolhera uma boca de jacaré – uma dessas tubulações que escoam a água das chuvas, nos altos do telhado daquela que é a primeira, e única de então, escola pública de Araras, o “Grupo Justiniano”. Será que ali, num estabelecimento de ensino, os pardais obteriam melhores informações sobre a pequena cidade que escolheram para se fixar?
Na foto, uma reconstituição que fiz do casal na “boca de jacaré”, remetendo ao ano de 1941.
João das Neves, na época, era aluno desta escola, e as informações que recebera sobre o novo passarinho foram passadas a ele e para todos os alunos pelo célebre professor Vicente Padovani, docente que, por sinal, fora professor de meu pai e, décadas depois, já idoso e em fim de carreira, deste que vos escreve. Padovani, informado que era, já tinha ciência da diáspora promovida pelo novo pássaro introduzido no país décadas atrás, e, exceção à regra, estava a espera, mais dia menos dia, de sua chegada à cidade. Chegado, enfim, o dia aprazado, e instado sobre tal, fez questão de repassar a novidade a todos a escola. O que não se sabe é se ele ciceroneu o casal mostrando-lhes as vantagens de se fixar na modesta e promissora cidade em que se instalavam, mas convém reconhecer que ambos foram se instalar justamente na escola em que trabalhava um professor que bem conhecia a sua espécie, e seus hábitos...
Mas, enfim, aqui, o precioso texto histórico de João de Deus:
“Nossa atenção vinha sendo despertada alguns dias, por um casal de passarinhos que vinha habitando uma das bocas de jacaré por onde saem as águas das chuvas, lá do Grupo Escolar naquela época, mas hoje como outros surgiram, foi necessário a designação pelo nome, Grupo Escolar Cel. Justiniano W. de Oliveira.
Desde vários dias vinhamos olhando para aqueles passarinhos, dos quais nenhum de nós havíamos visto e por isso ninguém sabia o nome. Eram desconhecidos para nós. Era aquela a primeira vez que víamos passarinhos como aqueles. E eles continuavam, dias após dias, a chilrear, com o corpo parece que estufado. Em um grupo escolar ou em qualquer reunião de garotos, e comum aparecerem os 'entendidos', os quais davam nomes aos passarinhos. Nunca certos porém.
Certa manhã, logo ao entrarmos em classe, o prof. Vicente Padovan nos explicou alguma coisa sobre eles. Pouco eu me lembro. Só sei que eram passarinhos que alguém trouxera de Portugal, e que aqui encontrara ambiente para criação. Em São Paulo, Campinas, eles já eram conhecidos, e vinham agora se alastrando mais para o interior. Aqueles eram os primeiros a aparecerem em nossa cidade.
Estávamos no ano de 1941, e eram aqueles os primeiros pardais que por aqui arribavam.”
Sete anos depois, o pardal já era muito comum na cidade, e inclusive servia como personagem de crônicas nos jornais locais. Em 20 de junho de 1948, um tal de Zezinho publicava uma crônica no jornal Tribuna do Povo, denominada “Os pardais e os pobrezinhos”, onde, pela voz dos pardais, citou que na época, havia setenta engrates meninos trabalhando na praça Barão, e que o prefeito queria acabar com os bancos “do jardim, para acabar com os namoros”.
Em seu livro Contribuição à História Natural e Geral de Pirassununga (1974), o falecido professor Manoel Pereira de Godoy, ex-funcionário do CEPTA, de Pirassununga, registrou a chegada do pardal à esta cidade no ano de 1943, e sete anos depois em Cachoeira das Emas, portanto, o pardal atingiu Pirassununga dois anos após Araras e, ao que se pode depreender, Leme um ano depois.
Para quem quiser melhores e mais detalhadas informações sobre o pardal, como sua controversa introdução no país, bem como sua bem sucedida difusão, poderá obtê-las neste mesmo blog, cujo link é:
http://apologo11.blogspot.com/2008/07/pardal-100-anos-de-brasil.html
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