.
O primeiro semestre de 1980 foi o período em
que prestei serviço militar em minha cidade, Araras – SP, servindo no Tiro de
Guerra 02-053, como soldado raso. Hoje, preferiria que tivesse durado um ano,
como o é atualmente, e você verão o porquê nesta curiosa história.
Os folgados escrivões
do sargento...
O nº 138, o atirador Wenilton... |
Aos sábados, enquanto a nossa turma ficava suando fazendo ordem unida sob um sol de rachar mamona, eu e o Edenilson estávamos lá dentro numa sala silenciosa redigindo as atas, tranquilos enquanto tomávamos café... Lembro-me até que eu
e ele éramos os encarregados de fazer o café para o sargento, e com uma inesquecível exigência dele, a de colocarmos um “aditivo” na garrafa... Nunca me esqueço de sua voz rígida dizendo: “Não esqueçam de colocar uma colher de Nescau na garrafa após a passada, hein!"...
Edenilson Daniel. |
Um caso semelhante,
mais feliz e... famoso
Como se vê, a chamada ironia do destino foi mais generosa com o Quirino do que com eu e o Edemilson: o artista não só não foi à guerra — onde correria alto risco de morrer —, como pode também dar continuidade à sua pródiga carreira de pintor e historiador.
Outro caso algo semelhante se deu com o escritor André Maurois (foto), quem, em sua "Memórias", disse que seu pai "fez o serviço militar em Limoges, na infantaria, e lá se tornou um consencioso sub-oficial cuja linda letra era o orgulho do sargento-mór". Não digo que, por minha letra técnica eu fora o orgulho do sargento, mas que ela lhe chamara a atenção, chamara, pois eu fui sim o seu "escrivão-mór"...
O que é bom dura pouco...
A faixa clara é o Stander de Tiro no Horto Florestal do Loreto, em 3-4-1982 |
A ordem para o tiro era por ordem alfabética.
Assim, quem tinha o nome começando pela letra A atirava primeiro. O problema destes é que, pela ordem, eram os
que chegavam primeiro ao Stander e
montavam os painéis onde ficavam os alvos em que os atiradores praticavam... Provavelmente
essa primeira turma começasse a tirar por volta das 6:30 horas, tendo 10
minutos para isso. Estes painéis eram montados numa espécie cabine de concreto subterrânea,
sobressaindo a parte em que ficava o alvo por uma abertura no final da cabine.
Os soldados, que se revezavam no trabalho, ficavam ali dentro protegidos dos
tiros ao mesmo tempo em que trocavam os alvos de papel e faziam as anotações de
acerto ou erro de mira. Mas, para os da letra A, tudo bem: eram eles quem montavam os painéis, mas também eram os
primeiros a serem dispensados tão logo atirassem...
Lembro-me que ficar dentro dessa cabine era
algo perigoso, uma vez que as balas poderiam ricochetar ali dentro e nos
atingir. Era comum voarem farpas de madeira da moldura do alvo para todos os
lados, devido aos tiros imperfeitos, e ali, era um zunir de balas atrás do
outro — a maioria dos soldados tinha pontaria ruim mesmo!...
Um aparte aqui! Me permitam o detalhismo:
chego à precisão de dizer que no dia 29 de março, um sábado, participei da 20ª
turma de tiro — a última!... —, que atirou às 9 horas, no alvo 5 com a arma nº
113...
Ironia do
destino...
Mas, enfim, aonde eu queria mesmo chegar
com esta história? Pois bem: acontece que o nome do atirador nº 138 era
Wenilton... Assim, voltando ao assunto da ordem nominal de tiro, como o leitor
pode deduzir, os soldados de nome iniciando pela letra W, Y e Z eram os últimos a atirar, o que se
dava por volta das nove horas quando o sol, já vai alto e judiava de que está
pesadamente fardado e de coturno...
Porém, o verdadeiro problema não era sermos os últimos a atirar — o problema mesmo era que, por sermos os últimos, éramos nós os que não só desmontavam os painéis-alvo — muito pesados por sinal —, como também levávamos um por um até o depósito do Stander, num percurso que entre este e a cabine orçava por uns 400 metros — uma pernada! E a coisa não parava por aí: além de carregar também alguns cavaletes auxiliares até Stander, tínhamos de recolher todas as armas na carroçaria do caminhão para depois guardá-las no depósito do TG!... Nisto, mais de meia hora nos era subtraída de nossa dispensa!... Nesta época de treinamento de tiros, pegamos a transição do Mosquetão M949 — 30-06 Springfield, pesado e de cano longo, pelo Mosquefal 7,62 M968, arma mais moderna e compacta, de modo que era menos penoso carregar as armas ao final dos tiros. Pelo menos isto!...
O belo Mosquefal 7,62 M968 |
Como se vê, o amigo Edenilson, por ser letra E, também não escapou dos painéis: por estar entre os primeiros, foi um dos que carregaram as molduras do depósito até 40o metros adiante na cabine, com a ligeira vantagem sobre mim de que não o fez sob sol escaldante...
Saldo de sentimentos
Mas que, amigos: não era nada ruim isso!
Não só eu como todos adoramos estes dias de soldados de Tiro de Guerra! E eu,
que particularmente fiz de tudo para escapar ao serviço militar — inclusive
tentei forjar uma varicocele! —, depois que saí dali concluí que tudo foi mil
maravilhas, e sinto saudades até hoje desses dias, momentos em que houve mais
diversão e alegria que dores e tristezas. Sim, houve dissabores, em que pagamos
todos pelos erros de outros soldados, mas no dia seguinte estávamos todos
recordando e rindo à beça dos acontecidos. Como esquecer aquele dia em que o
sargento mandou um grupo de soldados limpar o telhado e lá, para surpresa de
todos, foi encontrado um mar de latas de cerveja!... Não importou se as latas
foram ingeridas por nossa turma ou não — e a maioria eram latas velhas e
enferrujadas! Pagamos pelo erro de todas as turmas que nos antecederam, e
tivemos, cada soldado, que fazer 50 cópias à mão livre do Hino Nacional como
punição! Desnecessário dizer que isto teve um lado bom, já que a maioria de nós
sabe até hoje o hino de cor, de cabo à rabo e de trás para a frente!...
.