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A
poeta norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979), reconhecida entre as
escritoras mais importantes do século XX da Língua Inglesa, escreveu boa parte
de sua obra no Brasil, onde morou entre 1951 e 1967.
Elizabeth apreciava muito nosso idioma, que dizia ser "cheio de diminutivos, aumentativos, formas
carinhosas etc.”. Sua palavra predileta em português era "coitado", “uma das
primeiras —
e mais úteis — palavras que um estrangeiro aprende”. Em um de seus
comentários mais famosos, observou ironicamente o uso que o brasileiro faz dos
pronomes de tratamento possessivo ao lidar no dia-a-dia com as pessoas:
"— Aqui
você chega e o zelador, o porteiro, o cozinheiro abraçam você com carinho e a
chamam de 'senhora' e 'minha filha' ao mesmo tempo!...
No conto “Pílades e Orestes”, Machado de Assis, se refere à um caso algo também semelhante:
“Chamava à filha 'a minha alemãzinha', apelido
que foi adotado por Quintanilha apenas modificado para o plural: “a nossa
alemãzinha”. Pronomes possessivos dão intimidade; dentro em pouco, ela existia
entre os três, — ou quatro, se contarmos Gonçalves, que ali foi apresentado
pelo amigo; — mas fiquemos nos três.”
Fato algo semelhante se deu séculos antes, mas desta vez com um menino, também não brasileiro, mas português, que viria a ser também literato muito famoso quando adulto. Me refiro ao célebre Padre Viera (1608-1697), aliás, um dos maiores escritores da Língua Portuguesa. No texto a seguir — uma passagem real de sua vida — há indícios de que esta forma de tratamento há muito já era vigente em terras lusitanas:
“Em Lisboa, Vieira teria no máximo seis anos, por que veio ao Brasil em 1614, perguntou-lhe um cônego, no adro da antiga Sé de Lisboa:
— De quem sois, meu menino?
— Sou de Vossa Mercê, pois que me chama seu.”
Outro que se refere ao assunto é o escritor Pedro Nava (1903-1894), em seu livro "Galo das Trevas" (1981). Em determinado trecho deste livro de memórias, lê-se:
“Baixou os ouvidos sobre as regiões de baixo da clavícula. Em ambos os pontos ele sentiu como vento dum furacão ao longe — o sopro cavernoso.
— Agora deita de lad'um pouco, minha filha, primeiro, lado direito, depois esquerdo, pr'eu escutar tuas costas.
O minha filha dito com extrema doçura não atritou os ouvidos suspicazes da Conceição porque esse minha filha era o tratamento dos médicos com todas as doentes. Automático. Só que o Egon o dizia com uma doçura de coração amante paterno. Repetindo por gosto.”
Uma cinquentenária reportagem sobre o cais da cidade paulista de Santos, publicada na extinta revista Realidade, de setembro de 1968, onde comenta a "rivalidade" entre prostitutas santistas e cariocas, traz uma curiosidade:
“E as cariocas são as mulheres mais alegres. Defendem-se em espanhol, inglês e alemão. Chamam:
— Shotime, Faive dolar. Ten Táuse.
Tratam o gringo com classe. São educadas, carinham.
— Filhinho, meu filhinho."
Pedro Bloch (1914-2004) um médico foniatra, jornalista, compositor, poeta, dramaturgo e autor de livros infanto-juvenis, numa de suas obras recolheu esta história ocorrida com a filha de um amigo seu, e é provável que se trate da atriz Regina Casé:
“Um preto velho, muito feio, pediu a um pirralho:
- Meu bichin, vai vê um caneco d'água pr’eu bebê!
- ‘Meu bichinho’ não, eu não sou bicho.!
Ó xente! Não se zangue não, meu filho Taís pontos
- ‘Meu filho’ Não que, se eu fosse seu filho, era bicho.”
"CRIANÇA FALANDO DIFÍCIL
O meu amigo Casé tem uma filhinha que, desde que tinha este tamanhinho assim, já era incrível.
Tem saídas prodigiosas, tão prodigiosas que muitos dos amigos mais íntimos só acreditavam vendo e ouvindo.
Certo dia começou a usar a palavra 'autêntico'. Era 'autêntico' pra cá, 'autêntico' pra lá. 'Autêntico' isso, 'autêntico' aquilo.
Foi quando alguém, vendo-a gastar palavra tão difícil para tão fácil idade, observou:
— Que negócio é esse, menina? Deixe disso! Você não sabe o que é autêntico!
— Sei, sim! — protestou o pingo de gente.
— Não sabe, minha filha! — insiste a visita.
E a garotinha explica pra liquidar o assunto:
— Quer ver: quando a senhora me chama de 'minha filha' não é autêntico. Agora, quando mamãe diz 'minha filha' é autêntico."
Um caso muito engraçado envolvendo este assunto foi recolhido pelo escritor Leonardo Mota em seu livro "No Tempo de Lampião! (1968):
“Um preto velho, muito feio, pediu a um pirralho:
- Meu bichin, vai vê um caneco d'água pr’eu bebê!
- ‘Meu bichinho’ não, eu não sou bicho.!
- Ó xente! Não se zangue não, meu filho!...
- ‘Meu filho’ Não que, se eu fosse seu filho, era bicho.”
Hoje, no Brasil, está na moda, mesmo entre homens, a expressão “querido”, que a usam como forma de carinho, respeito e bem-querer em qualquer situação. Curiosamente, nos tempos do escritor Charles Dickens (1812-1870), certa vez, num jantar, sentado ao lado da jovem mulher de um famoso médico americano, Dickens ouviu-a dirigir-se carinhosamente ao marido chamando-o por “querido”, e consta que esta expressão era inusitada na época. Dickens achou tanta graça nisto, que desatou a rir até cair da cadeira, esparramando-se no chão, com os demais convidados tendo apenas uma visão dos seus pés agitantes no acesso de riso incontrolável.
A esta altura, não nos esqueçamos daquela velha mania nossa de que quando queremos enfatizar ou engrandecer alguma atitude, como, p. ex., o ato de se dar um belo golpe numa pessoa, dizermos: “Uma senhora cacetada!” Mas, vamos a um exemplo dessa expressão, em que o substantivo “senhora” temum uso inusitado, funcionando como uma espécie de adjetivo aumentativo. O trecho abaixo foi extraído do conto “A consulta do Lau”, do livro “Leréias: Histórias contadas por eles mesmo” (1945), do escritor regionalista Valdomiro Silveira (1873-1941b):
“─ O home’, Lau, é dos bons. E tem uma senhora filha, Eita menina placiana e conversada!” ”
Num curioso trecho de uma reportagem extraída de um exemplar da revista Playboy, de novembro de 1989, onde o articulista expõe regras de etiqueta, ele diz que a expressão "minha senhora" soa pesada, alegando que "há muito tempo elas preferem ser chamadas de senhora". Alguém também já escreveu que a interjeição tão comum em nossas bocas, a tal de "minha nossa!", é frase nascida de algum bipolar... Reconheça-se: bem típico de nosso povo. Fazer o quê, brasileiro é assim mesmo, "tá ruim, mas tá bom"...
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