Um belo dia, eu, menino, estava na sala de espera de um dentista, e folheando uma revista encontrei uma interessante reportagem sobre como fotografar o céu noturno estrelado. Louco que era por assuntos astronômicos e fotográficos, não pensei duas vezes em arrancar secretamente a reportagem da revista. Iniciava-se aí um hábito que me acompanha até hoje: “roubar” reportagens de revistas de consultório... Mas, voltando ao assunto, a reportagem dizia que, para se fotografar o céu noturno, uma máquina popular e barata como a Kapsa, que ainda era encontrada no mercado, seria a ideal, uma vez que ela possui o dispositivo para se fazer fotos com longas exposições, em “pose” e sem o uso de flash. Popularmente, ela era conhecida como “caixão de abelhas”...
Quanto à reportagem sobre como se fotografar o céu, apesar de eu ser cuidadoso e guardar até hoje muitas das coisas que influenciaram a história de minha vida, infelizmente ela se perdeu e pouca recordação tenha dela, mas lembro-me de uma foto que mostrava o traçado que as estrelas deixam no céu em seu movimento aparente, para ser mais preciso, era uma foto da estrela Polar com as estrelas girando em torno dela numa longa exposição de tempo.
Clique no folheto para vê-lo em tamanho melhor.
Como o meu amigo Osvaldo Tesche tinha uma máquina dessas, mostrei a reportagem à ele e sugeri de fazermos umas fotos noturnas do céu e ele topou. Comprei um filme preto e branco de 400 ASA, Trix-X Pan profissional e, numa certa noite, fui até a casa dele, e na colônia de cima, no quintal da escola e no campo em frente a venda, fizemos vários fotos. O problema é que além de não termos sido bem sucedidos, algumas fotos se perderam. Por outro lado, um novo campo fotográfico era aberto para nossas instigantes experiências com fotos noturnas. E esse foi o exato momento em que surgiu meu interesse definitivo pela fotografia, momentos daqueles que constituem um dos mais marcantes episódios de minha vida. Assim, aos 13 anos, fiz minhas primeiras fotos do céu noturno com essa Kapsa “pinta vermelha”.
A partir desta data, tanto eu quanto o Tesche, o Marcelo Aragão, meu irmão Weber, e mais tarde dois primos na cidade, fizemos muitas fotos com a Kapsa, e grande parte delas eram fotos experimentais, com sobreposição de chapas, pincéis de luz, fogos de artifício, chispas de Bombril incendiado, e até mesmo o desafio de se escrever na chapa com a luz da lua! Ia me esquecendo que, depois que mudei para a cidade, me apoderei de uma pertencente à um amigo que havia dado um sumiço numa monareta minha.... (na ilustração, anúncio de 1958; notar o flash).
Fazer fotos do céu noturno com a Kapsa não era brincadeira – devido ao fato de o visor desta máquina ser pelo sistema de espelhos (viewfinder). À noite, era praticamente impossível mirar imagens com pouca luz, e as estrelas não se podia vê-las, ao contrário da lua, que já na fase nova era visualizada. Desse modo, fotografando-se em pé, tínhamos que colocar ela apoiada na barriga e ver a cena de cima através do pequeno visor. Fotos noturnas com exposição de tempo nem pensar sem tripé ou apoio num substrato qualquer. No entanto, em seus disparador ele tinha uma rosca onde se podia encaixar um cabo extensor, de modo a não interferir na máquina na hora do disparo. Nestas horas, fotos tremidas eram comuns...Em muitos casos, devida à péssimas condições de iluminação, tínhamos que fazer mira no chutômetro. Fotografei por anos a fio com a Kapsa, mas com a compra de uma máquina digital em
Convém ressaltar que a Kapsa, que surgiu nos anos 50, tinha dois recursos interessantes e, que eu saiba, recursos não existentes em qualquer máquina digital moderna, como o de exposição de tempo infinita com o obturador aberto, além de ser possível se fotografar mais de uma vez na mesma chapa, o que permitia fazer fotos fantásticas com sobre-exposição. Normalmente, era, feitas 16 fotos no tamanho 4,5 x
Seus ajustes de abertura do diafragma eram manuais, e contava com apenas 3 ajustes (F22, F16 e F11). As velocidades de disparo eram apenas duas: 1/100 e "B" (nesta opção o obturador fica aberto enquanto se mantém o disparador pressionado). Além da Pinta Vermelha, existia a Pinta Verde e Azul, que se tratavam de modelos mais simplificados. Sua lente era uma Vascromat
Negativo 120
A fabricante da Kapsa era uma indústria ótica brasileira, a D. F. Vasconcelos, empresa ainda existente, que iniciou suas atividades em 1941 na cidade de São Paulo, com a fabricação de telêmetros de depressão para Artilharia de Costa, encomendados pelo Exército Brasileiro. Era também fabricante de teodolitos, microscópios e binóculos, sendo que a Kapsa foi a primeira máquina fotográfica nacional do tipo caixão – um grande sucesso tecnológico inspirada na velha Kodak, surgida no início do século, cujo modelo durou até os idos de 1950. E quantos fotógrafos deste país não tiveram seus primeiros rudimentos em fotografia estreando com uma velha Kapsa?
"The winter-sky star trail over the vast Khoor salt lake in Iran". Notar o movimento aparente das estrelas. Foto de Ehsan Sanael Ardakani.
Vale lembrar que a D. F. Vasconcelos foi a construtora do famoso brinquedo Polyopticon (fotos abaixo), lançado por volta de 1974, com o qual se montava lunetas, microscópios, binóculos, etc., brinquedo que, por sinal, eu tive o prazer de conhecer e brincar, uma vez que o meu amigo Sylvio Baggio possuía um. Aliás, o Tesche também tem desta marca um pequeno binóculo 3 x 40 que é uma relíquia (anúncio abaixo, década de 1970). Enfim, vale lembrar que a maioria das fotos noturnas da Usina Palmeiras da década de 1970 foram feitas com ela.