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PROFISSÃO DE FÉ
O vício desconhece as palavras medo, morte e doença, mas sofre um verdadeiro abalo diante da determinação, da boa vontade e da esperança.
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DO ALÉM
“Uma sociedade só será saudável quando ninguém for tão conquistador que possa seduzir todo mundo, e ninguém for tão ingênuo que se deixe seduzir por qualquer um.” (Jean-Jacques Rousseau pseudo-psicografado)
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NEOLOGISMO I
Sonambulimia = quando uma pessoa desperta inconscientemente no meio da noite para vomitar propositalmente o que comeu.
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ATINAÇÕES I
Um porre ocasional é uma loucura admissível, mas um cigarro amiúde é uma estupidez intolerável.
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NEW AGE
Eu não gosto de dançar, mas danço conforme a música, principalmente se for música para dormir.
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EPITÁFIO DE HUMORISTA
"Morri de rir"
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ATINAÇÕES II
O "ficar com uma mina", para o adolescente brasileiro, significa: insubmissão mútua, liberdade análoga e descompromisso recíproco.
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CENAS QUE GOSTARÍAMOS DE VER
Arca de Noé é o lugar onde o urso abraça o tamanduá e a sucuri se enrola com a jiboia.
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ATINAÇÕES III
Dizem que não há nada de novo sob o Sol, mas há tantos segredos e coisas lindas sob o luar que a insensibilidade humana jamais irá descobrir.
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SUTIS DIFERENÇAS
A manhã é feminina: a aurora, a matina, a alvorada. O entardecer é masculino: o crepúsculo, o pôr do sol, o ocaso.
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ATINAÇÕES IV
Três coisas redimem a mania mimético-laudatória do brasileiro de tomar os EUA como parâmetro ideológico para tudo: o futebol, a natureza e a mulher.
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DESDITADO
Quem nasce para prego nunca chega à cabide.
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NEOLOGISMO II
Ótimo → otimismo → otimizar
Péssimo → pessimismo = pessimizar
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quinta-feira, 10 de abril de 2014
terça-feira, 1 de abril de 2014
THE EYES OF ALICE COOPER - OS 40 ANOS DA VINDA DE ALICE COOPER AO BRASIL!
“Em uma noite onde tudo se encaixa, parece impossível
imaginar que o tempo tenha passado desde a primeira
vez que você parou, sentou ou correu para esconder
atrás do sofá quando um ser de nariz torto, olhos negros,
cabelos bagunçados, meio homem e meio Muppet
surge de uma cova de um de seus piores pesadelos
para lhe dizer o que aconteceu com sua escola.”
(Alice Cooper - Bem-vindo ao meu
pesadelo. Dave Thompson, 2013)
"Quando eu era um jovem adolescente, a música do Alice
Cooper com a banda original era o meu mundo inteiro.”
(Steve Vai, guitarrista, em entrevista ao também
guitarrista Glen Buxton, seu ídolo, falecido em 1997)
"No entanto, em 1984, uma geração inteira surgiu,
que não apenas havia crescido imitando Alice no
espelho do quarto, da mesma forma que ele cresceu
imitando Elvis, mas ainda faziam isso agora."
(Alice Cooper - Bem-vindo ao meu
pesadelo. Dave Thompson, 2013)

A figura do grande front man estava no auge dominando todo os meados da primeira metade desta “era de excessos” iniciada na década anterior.

Uma verdadeira loucura estava instalada – não se via nada igual desde a Beatlemania! O Brasil rockeiro, finalmente, se rendia às loucuras de “tia Alice”!
"Seja lá o que for isso, divirtam-se!"...
Neste ano, definitivamente, eu e meus três
irmãos debutamos no rock. Havíamos ganhado uns compactos da filha de um amigo
de meu pai, a Daysi Dadona, e ali tudo se iniciou. O rock surgia em nossas
vidas como a perfeita expressão do sentimento musical e da paixão pela música
dos meninos que éramos – era como que um instrumento de integração da juventude
da época, e quanto mais nele mergulhávamos, mais se tornava ele um consenso
entre os amigos que o curtiam. Neste ano, o rock já era "de maior",
possuindo então seus meros 18 anos de existência, enquanto nós ainda andávamos
de calças curtas...
Mesmo morando naquele lugar, que poderia ser considerado um lugar isolado em termos de informação do Primeiro Mundo, não estávamos em situação muito diferente daquele jovem judeu de Woodstock, que interrogou dois hippies à caminho do festival, perguntando para onde iam vestidos daquele jeito, e ambos disseram que estavam à caminho do "festival de rock de Woodstock". E o "alienado" judeu lhes retrucou sorrindo: "Seja lá o que for isso, divirtam-se!"...
Poderá parecer ao leitor que estou querendo romantizar esse nosso “isolamento” na zona rural de uma cidadela do interior, mas gostaria de lembrar aqui uma curiosa história protagonizada por meu irmão Weber, história esta que abaliza esta minha colocação. Um certo dia – era 1975 –, estava ele a ouvir Alice Cooper na janela de nosso quarto que ficava ao lado da entrada do novo escritório da Usina, quando um moço, atraído pela música, se aproximou e puxou um papo. Esse moço, que era oriundo de São Paulo e estava ali à negócios, bastante surpreso, desabafou ao meu irmão algo assim: “- Eu jamais ia imaginar que, aqui nesse fim de mundo, ia me deparar com um menino curtindo Alice Cooper na janela de uma casa da zona rural!” E meu irmão, tão surpreso quanto o paulistano, a primeira novidade que ele me contou quando retornei da escola no final de tarde foi exatamente isto.
Mesmo morando naquele lugar, que poderia ser considerado um lugar isolado em termos de informação do Primeiro Mundo, não estávamos em situação muito diferente daquele jovem judeu de Woodstock, que interrogou dois hippies à caminho do festival, perguntando para onde iam vestidos daquele jeito, e ambos disseram que estavam à caminho do "festival de rock de Woodstock". E o "alienado" judeu lhes retrucou sorrindo: "Seja lá o que for isso, divirtam-se!"...
Poderá parecer ao leitor que estou querendo romantizar esse nosso “isolamento” na zona rural de uma cidadela do interior, mas gostaria de lembrar aqui uma curiosa história protagonizada por meu irmão Weber, história esta que abaliza esta minha colocação. Um certo dia – era 1975 –, estava ele a ouvir Alice Cooper na janela de nosso quarto que ficava ao lado da entrada do novo escritório da Usina, quando um moço, atraído pela música, se aproximou e puxou um papo. Esse moço, que era oriundo de São Paulo e estava ali à negócios, bastante surpreso, desabafou ao meu irmão algo assim: “- Eu jamais ia imaginar que, aqui nesse fim de mundo, ia me deparar com um menino curtindo Alice Cooper na janela de uma casa da zona rural!” E meu irmão, tão surpreso quanto o paulistano, a primeira novidade que ele me contou quando retornei da escola no final de tarde foi exatamente isto.
“Alice Kids!”
Posso até dizer que após conhecer a banda,
o rock se tornara algo como aquilo que o Raul Seixas chamou de “novo way of
life”, e eu já me via tocando bateria, que era o instrumento que eu sonhava
tocar na época, e assim aconteceu cerca de 4 anos depois! Lembro-me que eu
nunca vira nada parecido e tão chocante quanto esse artista num palco, e, como
aconteceu à tantas crianças da época, e muitos se tornaram futuros músicos e
cantores, como este que vos escreve – , Alice impactou e fez a cabeça de uma
infinidade de meninos e meninas daquela geração, que
vieram a ser conhecidos como os Alice Kids.

Havia algo de perigoso e sobrenatural em sua figura e sua música que cativava de imediato – era ouvir e se tornar fã de pronto! Alice era um artista impar, com uma proposta nova e radical – o primeiro vilão do Rock! –, o que lhe dava ao mesmo tempo uma aparência de entidade provocante e até mesmo violadora dos bons costumes. Para a mídia, era um artista possuído pelo espírito do perigo e da rebeldia, e o terror dos pais que ficavam horrorizados vendo seus filhos atraídos por aquele "ser repugnante"!... Com sua aparição, algo explodiu e nossas cabeças e já não éramos mais as mesmas crianças inocentes: queríamos ser como ele, ser transgressores, rebeldes e polêmicos! Curiosamente, em momento algum nossos pais nos repreenderam – principalmente o meu pai, de quem era para se esperar alguma atitude de reprovação –, dizendo que era para tiramos essa besteira de rock da cabeça, pois corríamos o risco de nos tornarmos crianças ruins e “mal-encaminhadas”.
O que eu sei dizer é que, desde que entrou em minha vida, o Alice Cooper tornou-se o dono de quase de todo o meu gostar de rock pesado, ou, como se dizia, "rock horror". Quando ouvi sua banda e sua bizarra figura pela primeira vez, uma explosão foi detonada aqui dentro da minha cabeça, e isto, naturalmente, são coisas que, hoje, infelizmente, não acontecem mais com a mesma intensidade e impacto daqueles dias. É normal na pré-adolescência a gente ouvir um estilo novo de música ou admirar a imagem cativante de um novo ídolo e ficar maluco, em êxtase, e isto talvez se deva à uma grande quantidade de hormônios liberados descontroladamente nesta idade. É uma fase em que muitas coisas mudam, inclusive nossas opiniões. Alice Cooper e Rick Wakeman, suas músicas e seus visuais mexiam fortemente com a cabeça da meninada debutante no rock, e eu fui um desses afortunados meninos!
Ainda hoje, não consigo mensurar com precisão o que causou em mim não só a figura de Alice, mas, em especial, a primeira audição do disco “Killer”, e mais especial ainda a música “Halo of Flies”. Eu simplesmente não acreditava no que estava ouvindo! Enquanto me deliciava com o som, aquela voz, aquelas guitarras!... com a capa nas mãos, deitado no chão eu via a foto daquela cobra sinistra – a jiboia Kachina! –, aquela combinação impactante de luzes negra e laranja e ficava abestalhado! E estas luzes se acenderam para sempre na minha cabeça, e, coincidentemente, seis anos depois eu ganhei um apelido definitivo: Cobra!...
Ao final da turnê “Killer”, o disco chegara à meio milhão de vendas! Além disso, a Kachina fora a estrela da capa mais fotogênica daquele ano, fartamente popularizada em fotografias pela mídia escrita. Suas primeiras aparições foram chocantes e aterrorizantes, e os gritos das meninas das primeiras fileiras nos shows não era um histeria pós-Beatles, mas puro pavor causado pelo asqueroso réptil!...

1974, o ano do Rock no Brasil!
Considerado na
época como o ano da explosão do rock no Brasil, 1974 nos brindava com mais de
20 álbuns de grupos nacionais do gênero, além do surgimento de 30 novas bandas
profissionais de rock, além de 300 concertos realizados pelo país (quase um por
dia), e mais de um milhão de cópias de discos vendidas. Desde a Jovem Guarda e
a Beatlemania, não se via algo parecido no país.
Ano pródigo também em grandes lançamentos
de discos de rock internacional, o ano seguinte, 1974, traria grandes pérolas:
“Brain Salad Surgery” com o Emerson, Lake & Palmer, que, por incrível que
pareça, tocou muito nas rádios; Grand Funk com “We’are An American Band”;
Razamanaz” do Nazareth, novidade escocesa bem recebida no Brasil; o ótimo
“Live” do Genesis (que seria exibido no Som
Pop da TV Cultura – e que “parece que assisti ontem!”); os ex-Beatles John
Lennon com “Mind Games” e Paul McCartney & Wings com “Band on The Run”, do qual a música “Jet”
foi lançada em clipe no programa Fantástico e eu tive o prazer de assistir!
Nesse entremeio de três meses, contrabalanceando todo esse peso, lindas e marcantes baladas rolavam nas rádios: “Bennie and The Jets”, “Sweet Painted Lady”, “Roy Rogers”, "The Ballad of Danny Bayley" e “Goodbye Yellow Brick Road”, com o baladeiro Elton John; a belíssima “Mandy” com o Barry Manillow; a “maneira” “Save The Sunlight", com Dennis Yost & The Classics IV. Aos que curtiam um “balanço”, não podia deixar de mencionar o famoso “Melô do Puladinho”, ou seja, "Rock Your Baby" com George McCrae; as dançantes “I’m Falling Love With You”, com Little Antony and The Imperials e “Love Me or Leave Me Alone” com o Classic IV. Havia também o impressionante tema instrumental que instigou as bandas de baile de todo o país: “Love’s Theme”, com a orquestra do bonachão Barry White, assim como, mais em meados do ano, "Pick up the pieces", o tremendo funk suingado e seu lindíssimo naipe de sopros, com os branquelos da Average White Band.
Em maio seriam lançados dois clássicos discos
pesadíssimos: o segundo do Led Zeppellin (com um enorme atraso!) e o
último grande disco do Black Sabbath “Sabbath, Bloody Sabbath”. Este,
como o Alice Cooper, também fazia o então “rock horror”, mas Alice
estava na dianteira e era só na sua vinda ao Brasil que o “rapeize”
brazuca falava.
O "horror" estava no ar!

Já no início de fevereiro um outro filme, não tão apavorante mas provocador. havia mexido com a cabeça da juventude, o sinistro "Os pássaros" do célebre Alfred Hitchcock, filme que – perdoem-me a precisão – passara no Canal 4, às 23hs, tendo reprise no início de julho seguinte! Não assisti ao Exorcista, mas me esbaldei com a invasão de corvos negros naquela cidade beira mar – era um suspense e tanto!
Ainda se falando de horror, no mês seguinte, as coisas amenizariam de certa forma com o festejado e tão esperado lançamento do filme "Woodstock" em circuito nacional, mas, por outro lado, foi um verdadeiro alvoroço, com o rock se sacramentando de uma vez entre a juventude roqueira abestalhada com o grande filme. No dia 27 de março seria o cantor de soul Billy Paul que estrearia seu show no Tuca, também em São Paulo, atraindo um público mais devotado à música romântica e dançante, onde, porém, se podia encontrar fãs do Alice Cooper. Outro show do qual se pode dizer que não competiu com Alice em público, foi o não menos célebre "Holyday on Ice" – o grande show de patinação no gelo –, show que eu jamais assistiria, uma vez que já àquela época eu considerava algo totalmente brega. No entanto, a coisa deu altos ibopes e eu me lembro que de Araras saíram diversas excursões para São Paulo para assistirem estes shows de patinação no gelo, e acho que até minha irmã e minha mãe foram assisti-lo em São Paulo.
No
palco, o horror em carne e osso!
Mas, voltando à banda, o show prometia:
cada vez mais elaborado, contava com truques de mágica, sangue (de catchup...),
brigas no palco, e, deste show em diante, a forca havia saído de cena para dar
lugar à algo mais aterrador: uma imensa guilhotina! E havia muito mais: travesseiros
de pena despedaçados, bonecos de nenéns decapitados,
melancias massacrados à marteladas, cadeira de dentista, mesa cirúrgica, máquinas de fumaça de gelo seco e bolhas de sabão, bolhas gigantes que se explodiam sobre o público, cadeira
elétrica, sirenes de
polícia, brinquedos infláveis, tochas de fogo, efeitos de raios e trovões na
hora da decapitação, camisa-de-força, espada, muleta, bengala, cartola, latas de lixo, enfim, uma sucessão enorme de acessórios e fantasias que surpreendiam!... Por tudo isso, a turnê de Billion Dollars Babies fora a mais cara e extravagante do EUA na época!

Por onde quer que passasse, o show batia recorde de público, e o “Billion Dollar Babies” seria o álbum mais bem produzido até seu lançamento, sendo amparado por sete toneladas de equipamento. Além, disso, havia um consenso entre os críticos, e entre a própria banda, de que, em se falando de visual e performance de shows, não havia nada igual à Alice Cooper no showbizz – eles eram únicos! O show era tão bizarro, que alguém como nada mais nada menos que o

Àquela altura, Alice e seu circo era, em pessoa, a validação da teoria freudiana de que certas experiências horrorosas, num culto mórbido, são assimiladas como fonte de prazer pelas pessoas.
"Músculo do Amor"...

A partir daí começaram a surgir boatos de que a banda viria mesmo se apresentar no Brasil, coisa que poucos acreditavam, pois nunca uma grande banda de rock pesado havia se apresentado no país, e, pela situação reinante, em plena ditadura, não parecia ser naquele momento que essa “virgindade” iria ser quebrada. O jornal Folha de São Paulo era um dos que cobriam as peripécias da banda numa coluna diária dedicada ao rock em geral. Surpreendentemente, e até hoje não se sabe as verdadeiras razões, este jornal fez uma matéria inexplicável citando que o artista que se apresentaria no dia 30 de março no Anhembi era o David Bowie, quando, na verdade, o show que iria ocorrer era o do Alice Cooper!... Mas não pensem que fomos os únicos a publicar besteiras na imprensa – a revista norte-americana Circus, três meses depois, fez uma reportagem sobre estas apresentações de Alice e falou mais baboseiras do que todas as asneiras juntas publicadas no Brasil.
* Para se ler esta página de jornal e as seguintes, clique na figura e após ela abrir, clique com o botão direito sobre ela e acesse "Exibir imagem". Após aparecer a lupa com seu sinal "+", clique com ela sobre a foto e esta se mostrará num tamanho legível.

Fazendo jus, em termos, aos músicos da banda, a Circus de julho de 1974, em seu ranking de melhores artistas do ano, colocou Dennis Dunaway como o melhor baixista e Neal Smith como o melhor baterista; porém, eu colocaria também como melhor dupla twin guitar, os dois guitarristas da banda, Glen Buxton e Michael Bruce, que só pelo trabalho genial feito no disco "Killer", deveriam ser lembrados pela eternidade.
The Boxer!
O país começa a acordar para a realidade da nova crise, apesar de o próprio presidente Médici – “feliz todas as noites” – dizer no mesmo mês em que Alice & Cia. aqui desembarcavam, que o Brasil, ao contrário do mundo – perdido em “greves, agitações, atentados e conflitos” –, “marchava em paz, rumo ao desenvolvimento”... Lutas de box de gigantes distraíam o povo nas noitadas televisivas, e o Brasil parava para assisti-las: em 28 de janeiro, na “Luta do Século”, Muhammad Ali seria vergonhosamente derrotado por Joe Frazier. Em 30 de outubro, em nova luta, ele derrota George Foreman e recebe o cinto de Maior Atleta profissional do Ano. E não é que o Alice Cooper tinha sido boxeador antes de partir para a música! O box talvez tenha perdido um boxeador mediano, mas o rock ganhava uma dos seus maiores e polêmicos artistas: o cantor do nariz torto devido à um murro de um boxeador!...

Os vocais de Alice nesta música me deixavam maluco, pois, até então, eu nunca havia visto alguém cantando daquela maneira – Alice tinha uma voz tão “quente” que eu acreditava que seria possível se acender uma lâmpada em sua boca! O som da guitarra fazendo o solo na abertura também me partiram a cabeça ao meio: e eu nunca havia ouvido um som de guitarra tão poderoso como aquele, que, mais tarde vim a saber ser devido ao uso de um bootleneck com distorção e eco, cuja qualidade e potência só fora alcançada em 1978 pelo Eddie Van Hallen no primeiro disco da banda. Durante a música, havia uma passagem em que bolas de látex cheias de talco explodiam sobre a plateia, uma verdadeira loucura na época, e uma tremenda revolução da cabeça do menino deslumbrado que era eu. Vi também o clipe da música “Teenage Lament '74”, mas não me empolguei muito, apesar de seu título ter sido emprestado para batizar a primeira música que compus em minha vida, “Lamento Juvenil”, com melodia inspirada por Raul Seixas, isto, anos depois já morando na cidade. Na verdade, pincei este nome de uma música homônima da banda kraut Karthago, que eu vira num release da revista Pop. Mas por que uma banda alemã titulou uma música em português?!
Tia Alice desembarca no Brasil!

A revista Pop lançada no início de março trazia a chamada na capa: “Mamãe não me consegue chamar de Alice” –, e veio com uma reportagem de três páginas que “ouriçou” mais ainda os fãs. Alice esnobava: “Estamos milionários, por isso podemos nos dar ao luxo de cometer qualquer tipo de exagero, sem nenhum grilo.” Na primeira página do jornal encartado na revista, o Hit Pop, a confirmação: “Alice Cooper chega em abril”. Todos ficaram loucos para verem de perto e ouvir aquele artista, que estava sendo considerado “a praga do rock’n’roll que assola os EUA” – a igreja norte-americana o considerava um anti-Cristo, e, ele próprio... um proscrito!... O ibope negativo que recaiu sobre a banda fora tanto que um evangelista da Pensilvânia lançou uma verdadeira cruzada para salvar a juventude americana da “perversão e violência” capitaneadas por Alice Cooper, o “Embaixador de Satã”!....
Não menos equivocada e mal-informada que a primeira e tendenciosa chamada sobre a banda num poster Super Pop, a Folha de São Paulo, num exemplar da época, incluiu no mesmo pacote de andróginos Alice Cooper, Secos & Molhados e Dzi Coquetas. O então encarte Hit Pop da revista Geração Pop, no mesmo ano, em 1972, quando a banda começava a chamar a atenção no Brasil, a Folha de São Paulo, em sua edição de 4 de dezembro publicava sobre eles:
"ALICE COOPER é uma banda sólida de 'rock',
misturada com o que só pode ser descrito como atitudes de perversão sexual e
emocional. As perversões agradarão à quem (1) precisa delas, (2) sabe o que é,
e (3) sabe como
utilizá-las. Alice Cooper é um show 'liberado' para 'voyeurs' que não tem
coragem de assumir suas perversões."
Lembrar que quem abriria os show era o Som Nosso de Cada Dia em sua clássica formação, power trio, me deixa frustrado até hoje: num único show as duas bandas de rock de minha vida!


Curiosas coincidências
Quando a banda desembarcou em São Paulo, ninguém acreditou que na América do Sul existisse uma megalópolis, já que o conceito que se tinha no exterior era a antiquíssima ideia de que o Brasil era quase que um país selvagem, onde só haviam matas, índios e cobras, etc. O próprio Alice Cooper – que quis fazer shows no Brasil se fiando em outro conceito equivocado: o de que a religião oficial do país era a macumba!...–, ao se deparar com a imensidão da cidade cogitou de que São Paulo fosse maior que a própria Nova Iorque!...
Coincidentemente, na noite do primeiro show, ou seja," 1º de abril, estreava na Rede Globo a primeira telenovela a ter como tema a Ecologia, numa época em que a maioria das pessoas não falava nisso. A novela era "O Espigão", cujo enredo girou em torno da desumanização crescente da cidade, e de como o progresso descontrolado podia complicar a vida do ser humano. Assim como o show do Alice Cooper, a novela usava pela primeira vez no país efeitos especiais em grande escala. E a repercussão da novela não foi menor que as do show da banda, pois no dia seguinte à estreia, a imprensa especializada divulgava que a Globo sofria pressões por parte das grandes construtoras cariocas, pois a temática mexia com a chamada "especulação imobiliária", surgida no início da década de 1970.
A ironia do destino: um dos maiores artistas de rock do planeta, oriundo de uma das maiores cidades do planeta, vindo fazer shows com sua cobra na maior cidade da América Latina, crendo que vinha para a pátria da macumba, onde pululavam índios e cobras!...
As coisas estavam mesmo mudadas no país, e Araras participava com seu quinhão, e à tal ponto que nesta época da vinda da banda ao Brasil um novo clube da comunidade negra de Araras – o SERUC, fundado em agosto desse ano – estava realizando bailes em plena Quaresma, coisa que era uma verdadeira heresia até então! Por ali, em plena polêmica moda hippie, negões de cabelos black power, tamanco, shorts curtos e raibãn iam e vinham ante os olhos inconformados de minha avó Ana, vizinha do clube!...
No mês anterior, na manhã de 1º de fevereiro, houve comoção em todo o país com o terrível incêndio que assolou o edifício Joelma, em São Paulo. Araras também fora vitimada pelo incidente, pois dentre os 189 mortos, se encontrava um ararense, o jovem Ivan Ignácio Zurita. Das lembranças que tenho deste dia, recordo-me que foi assustador ver aquele inferno de chamas pela TV, que transmitia o incidente ao vivo. Na escola, porém, entre rockeiros, só se falava no Alice Cooper, e me recordo de, já próximo da virada de março/abril, eu e meus irmãos estarmos em frente à casa do Fernando Martins, amigo que estudava em nossa classe, e o mesmo dizer que ele e seus irmãos iriam assistir ao show em São Paulo, e eu fiquei tremendamente frustrado por não poder ir!
Coincidentemente, na noite do primeiro show, ou seja," 1º de abril, estreava na Rede Globo a primeira telenovela a ter como tema a Ecologia, numa época em que a maioria das pessoas não falava nisso. A novela era "O Espigão", cujo enredo girou em torno da desumanização crescente da cidade, e de como o progresso descontrolado podia complicar a vida do ser humano. Assim como o show do Alice Cooper, a novela usava pela primeira vez no país efeitos especiais em grande escala. E a repercussão da novela não foi menor que as do show da banda, pois no dia seguinte à estreia, a imprensa especializada divulgava que a Globo sofria pressões por parte das grandes construtoras cariocas, pois a temática mexia com a chamada "especulação imobiliária", surgida no início da década de 1970.
A ironia do destino: um dos maiores artistas de rock do planeta, oriundo de uma das maiores cidades do planeta, vindo fazer shows com sua cobra na maior cidade da América Latina, crendo que vinha para a pátria da macumba, onde pululavam índios e cobras!...
As coisas estavam mesmo mudadas no país, e Araras participava com seu quinhão, e à tal ponto que nesta época da vinda da banda ao Brasil um novo clube da comunidade negra de Araras – o SERUC, fundado em agosto desse ano – estava realizando bailes em plena Quaresma, coisa que era uma verdadeira heresia até então! Por ali, em plena polêmica moda hippie, negões de cabelos black power, tamanco, shorts curtos e raibãn iam e vinham ante os olhos inconformados de minha avó Ana, vizinha do clube!...
No mês anterior, na manhã de 1º de fevereiro, houve comoção em todo o país com o terrível incêndio que assolou o edifício Joelma, em São Paulo. Araras também fora vitimada pelo incidente, pois dentre os 189 mortos, se encontrava um ararense, o jovem Ivan Ignácio Zurita. Das lembranças que tenho deste dia, recordo-me que foi assustador ver aquele inferno de chamas pela TV, que transmitia o incidente ao vivo. Na escola, porém, entre rockeiros, só se falava no Alice Cooper, e me recordo de, já próximo da virada de março/abril, eu e meus irmãos estarmos em frente à casa do Fernando Martins, amigo que estudava em nossa classe, e o mesmo dizer que ele e seus irmãos iriam assistir ao show em São Paulo, e eu fiquei tremendamente frustrado por não poder ir!
Meninos assistindo aos polêmicos shows!



Se por um lado nós fomos brindados com sua música demolidora e shows sem precedentes, a banda foi coroada com o melhor show de sua carreira e, para aumentar nosso “orgulho nacional”, o baterista Neal Smith, em entrevista à revista Poeira Zine em agosto de 2004, disse que nós brasileiros temos “as mais belas garotas

Apesar de toda a febre rockeira iniciada neste ano, e o “Billion Dollar Babies” ter virado “mania nacional”, eu ainda não era um comprador de discos, tampouco meus irmãos mais velhos, que se limitavam à gravar fitas cassete com os amigos da cidade. Tínhamos alguns compactos, de que já falei aqui, os clipes de TV com o Big Boy, os “reclames” e era tudo. Meu primeiro disco de rock eu só fui comprá-lo em janeiro de 1975, o já citado “Tudo foi feito pelo sol”, que eu já conhecia devido à uma fita gravada por um dos meus irmãos com o “Caco” Franzini. Não posso descrever qual a sensação de ter este disco dos Mutantes pela primeira vez em minhas mãos – era um luxo só – ouvia o disco com ela diante dos olhos, apreciando o excelente trabalho gráfico da capa dupla, enfim, todo aquele bom gosto que o advento do CD tentou matar, mas não conseguiu de todo.
Brincando de Alice Cooper
Com o movimento glitter, estava na moda rockeiro pintar o rosto e o Brasil não passou incólume à mania, cabendo aos Secos e Molhados o auge do modismo. Inclusive, o próprio João Ricardo foi instado se sua banda era “o Alice Cooper brasileiro”, e ele se safou dizendo que “eles são americanos, refletem a decadência de uma sociedade super-desenvolvida, e nós brasileiros, um país subdesenvolvido.”
E nesta época, pintar o olho de preto imitando o Alice Cooper havia virado uma mania nacional – nos dias dos shows no Brasil muito fãs fizeram isso e até mesmo depois, quando jovens que frequentavam a então “rua do rock”, a Augusta, passaram a desfilar pintados assim. Houveram muitos foliões usando pinturas do Alice Cooper no carnaval de 1974, mas houveram muito mais jovens com pinturas faciais do Ney Matogrosso, que também era outra coqueluche entre a juventude, mais presente ainda no imaginário da galera, que a o trio estava em plena febre do sucesso.
Eu e o meu irmão Weber (foto) não ficamos atrás – ainda que estivéssemos perdidos naquele “fim de
mundo” que era a Usina Palmeiras, estávamos antenados com o mundo
rockeiro – éramos cosmopolitas sem o saber: costumávamos, dentro de
nosso quarto, passar as noites brincando de Alice Cooper, como comprovam
as fotos feitas em nosso quarto, porém, no carnaval de 1976.
Eram dias intensos estes, e nos divertíamos muito. Vira e mexe, evoco os detalhes do interior desse nosso último quarto ali na Usina como se fosse hoje e tudo ainda estivesse ali: as quatro camas, a enorme móvel rádio-eletrola, que destruímos num acidente por esta época, meus discos, meus livros e revistas... Nestas nostálgicas noites em nosso quarto, vivíamos dentro de um pequeno mundo lúdico, um espaço mágico que nos dava o poder de transfigurar o que tocávamos e o que criávamos, vivendo enredos inspirados nas revistas, livros, clipes, shows e discos que curtíamos constantemente.
Pela época do lançamento do disco já sem a banda original, ou seja, “Welcome To My Nightmare” – era agosto de 1975 –, Alice se deixou fotografar junto de diversas crianças, na faixa dos 8 aos 12 anos, todas pintadas igual ele, e ele disse: "Meu negócio é divertir os pequeninos, feito um palhaço de circo suburbano.... Tanto o é que ele agendou apresentações em escola dos EUA. A foto com os "sobrinhos" fora de cunho promocional, e percebam, que pela nossa idade, eu e meu irmão poderíamos estar nesta foto!...
Eram dias intensos estes, e nos divertíamos muito. Vira e mexe, evoco os detalhes do interior desse nosso último quarto ali na Usina como se fosse hoje e tudo ainda estivesse ali: as quatro camas, a enorme móvel rádio-eletrola, que destruímos num acidente por esta época, meus discos, meus livros e revistas... Nestas nostálgicas noites em nosso quarto, vivíamos dentro de um pequeno mundo lúdico, um espaço mágico que nos dava o poder de transfigurar o que tocávamos e o que criávamos, vivendo enredos inspirados nas revistas, livros, clipes, shows e discos que curtíamos constantemente.
Pela época do lançamento do disco já sem a banda original, ou seja, “Welcome To My Nightmare” – era agosto de 1975 –, Alice se deixou fotografar junto de diversas crianças, na faixa dos 8 aos 12 anos, todas pintadas igual ele, e ele disse: "Meu negócio é divertir os pequeninos, feito um palhaço de circo suburbano.... Tanto o é que ele agendou apresentações em escola dos EUA. A foto com os "sobrinhos" fora de cunho promocional, e percebam, que pela nossa idade, eu e meu irmão poderíamos estar nesta foto!...
Alice: na trilha de Luz del Fuego...
QQuanto à jiboia do Alice Cooper, assim como o próprio cantor, , como se viu, ela também rendeu altos ibopes, mas não fora a já citada Kachina que veio ao Brasil – aquela aparece na capa do disco “Killer”, que ela já havia morrido –, e há duas versões sobre a utilizada nos shows: uma, que o Instituto Butantã emprestara um exemplar à banda, e outra, que uma nova cobra fora trazida dos EUA no lugar da finada. Mas a Folha de São Paulo cita que a jiboia era brasileira mesmo, e, inclusive, afirmou que em vários momentos do show ela tentou estrangular o cantor, que teve de ser socorrido por Andy Mills, técnico de som da banda. Mills, em breve, se tornaria namorado de nada mais nada menos que Rita Lee!... Cita-se também que, um dia, essa jiboia comeu tantos ratos que engordou além da conta, e depois acharam-na entalada no ralo do banheiro do hotel onde a banda se hospedada!... Na verdade, esta história era meio que uma reciclagem de uma outra verdadeira ocorrida anteriormente num hotel em Knoxville, no Tenessee, onde Kachina foi vista descendo descarga abaixo em direção aos esgotos da cidade.

O que poucos sabem é que cerca de duas décadas antes de Alice Cooper, alguém aqui no próprio Brasil já vinha causando furor nos palcos ao apresentar-se com jiboias. A artista – e ela era mulher! –, era nada mais nada menos que a polêmica bailarina Luz del Fuego – aquela, como diria a Rita Lee, que “Não tinha medo e foi pro céu, cedo!, com a vantagem sobre o Alice Cooper de que se apresentava não com uma mas duas jiboias enroladas ao corpo, que, corpo que, por sinal, era escultural!
Coincidentemente, neste mesmo mês da vida da banda ao Brasil, passou um filme na TV, que, inclusive eu assisti, o célebre “Sssssss”, ou, como ficou conhecido no Brasil, “O homem-cobra”, que vinha numa onda nascente de alerta ecológico e anti-militarismo, que denunciavam “as guerras do homem contra a natureza, servindo-se dos bons exemplos que os répteis dão”, como colocou uma resenha na revista Pop desse mês. A incrível e chocante maquilagem do ator transformado em cobra ficou por conta do grande John Chambers, o mesmo de “O Planeta dos Macacos”. Houve outro filme na mesma época citado pela mesma resenha, mas que não passou no Brasil, “Stanley, o réptil maligno”, que, por sua vez, tomava “posição contra os seus caçadores a serviço das fábricas que usam peles para fazer botas, bolsas e cintos”. Já o Alice Cooper... ah, o Alice Cooper estava alheio a tudo isso e só queria mesmo era tocar rock e beber cerveja, muita cerveja!...
E não é que além de o grande front man usar uma cobra nos shows, ele veio ao Brasil com uma bota salto plataforma e de cano longo feita de couro de cobra! Inclusive, cita-se que a Rita Cadillac, chacrete do programa "A Buzina do Chacrinha", sentiu uma tremenda inveja desta bota!... Aliás, não é de se descartar a hipótese de que sósias do cantor tenham ido ao programa do Velho Guerreiro e se sujeitado às suas buzinadas, fato que se deu com Ney Matogrosso após o sucesso – na verdade, não era nada fácil imitar estes dois grandes artistas da época. A bota de Alice ficou no Brasil e hoje se

Sitiados pelo rock!

Na verdade, estávamos “sitiados” pelo rock desde meados de 1973: de um lado era o Alice Cooper, após lançar “Billion Dollar Babies” em março; de outro eram os Secos e Molhados, com o primeiro LP lançado em 6 de agosto, e, no meio, o não menor Raul Seixas estreando carreira solo com o genial “Krig-Há Bandolo!”, o que se deu no memorável 21 de junho. Era muito para as nossas cabecinhas de pré-adolescentes! Vivíamos em transe, abestalhados – uma verdadeira revolução corria à solta pelo país!
O mês de março vinha para mostrar que o cenário rockeiro tinha mudado radicalmente no país. Já no mês seguinte estreava na Rede Globo o célebre programa Sábado Som; porém, o primeiro programa, apresentado pelo Nelson Motta, não foi com Tia Alice, mas sim com o Pink Floyd, com o célebre show ao vivo nas ruínas de Pompéia. Na verdade, houve um programa semelhante anterior na mesma emissora, apresentado pelo grande Big Boy, o “Hello Crazy People”, que estreou em 1º de julho de 1972, não durando muito, indo até o último sábado de dezembro deste mesmo ano, sempre aos sábados às 13:30 hs (e o que há de bom hoje em dia para se assistir num tedioso sábado à tarde na TV aberta?!). No programa do Motta, quem já tinha TV à cores se esbaldou com o Pink em meio as ruínas, e dizia-se na época que todos queriam ter TV à cores, mas os aparelhos eram ainda muito caros.

Curiosamente, na primeira apresentação realizada em São Paulo – o “show do tumulto” –, antes do início, a multidão enlouquecida que queria ficar perto do palco e ver o Alice Cooper de perto foi “acalmada” com o disco “Dark side of the moon”, recém lançado, que rolou nos alto-falantes por inteiro. Mas vocês devem estar intrigados se perguntando: “Por que Pink Floyd num show do Alice Cooper?!” Pois bem: acontece que Tia Alice chegou a morar por um curto período de tempo com o pessoal do Pink. Há uma história curiosa deste período: certa vez, instado sobre se transava drogas, Alice disse que a única vez foi quando comeu um bolo recheado de maconha numa festa nesta casa maluca onde moravam...

Uma chamada profética no mesmo supracitado jornal O Albatroz dizia:
“Ecoam
pelo ar os últimos suspiros de disco inicial dos Secos e Molhados. Tomara que os
sujeitos não façam como muitas “revelações”: estoura, quebram os recordes e
depois, cadê?” (...) “E quanto às declarações de um jornalista carioca, o qual
afirma que caminhamos para uma nova invasão de música lixo, merece uma única
resposta: ‘Nos fios tensos da pauta de metal/As andorinhas gritam por falta de
uma clave de sol.’”
Ser cabeludo estava na moda, até no futebol!...
A banda de
Alice, muito provavelmente, foram os rockeiros de cabelos mais longos a pisar
no Brasil – até então ninguém havia visto jovens tão cabeludos em terras
tupiniquins, e com cabelos tão longos que chegavam a rivalizar com as próprias
mulheres. Na banda, destacavam-se os cabelos do baterista Neal Smith e do baixista Dennis Dunaway que se
estendiam quase até a cintura! E vale lembrar que os Cooper vieram numa época em que
no Brasil ser cabeludo era sinônimo de bandido – e a Rita não me deixa mentir,
pois poucos anos depois cantou o famoso refrão: “rockeiro brasileiro sempre teve
cara de bandido”. Ser cabeludo era sinônimo também de ser maconheiro, sujo,
hippie e piolhento, e a polícia da época – excessivamente repressiva devida ao
regime militar –, costumava não dar sossego para os cultores das longas
madeixas.

E a moda não se
resumia só os cabelos, pois os jogadores também usavam tamanco, costeletas
(suíças), barba cerrada, colares e pulseiras, roupas extravagantes, shorts
curtos, raiban B & L, etc., de modo que não havia técnico que não sentisse
um certo mal-estar...
O mais curioso é que a moda rock acabou influenciando até mesmo os jogadores de futebol, muito embora a maioria deles fosse composta de gente que curtia samba, aliás, como é até hoje: a velha fórmula samba + futebol!... E, ironicamente, também houve repressão para a turma da pelota, no entanto, não era a polícia que vivia em seu encalço, mas sim os próprios técnicos dos times.

Dentre outros futebolistas cabeludos famosos estavam o Rivelino e o Clodoaldo (ambos da Seleção), Forlan (São Paulo), e o Cesar (Palmeiras) e o Paulo Cézar “Caju” (Flamengo), que cultivavam enormes black powers que deram o que falar. O Afonsinho (Flamengo) – que além de cabeludo era barbudo –, era um caso à parte e deu o maior ibope na época, e chegou mesmo a ser cassado por suas escolhas não serem do agrado de generais e técnicos do período. Além de jogador era médico, músico e... boêmio. Um que “fez tipo” foi o polêmico César do Palmeiras – talvez o maior enfant terrible da história de nosso futebol. Foi ele um dos poucos que bateram de frente com os técnicos e chegou a chamá-los de “quadrados” e “invejosos da velha guarda”!... Já o Forlan, por sua vez, disse: “Futebol se joga com os pés e não com os cabelos”...
Um dos técnicos que mais atazanaram os jogadores cabeludos foi o Pepe do Santos, que obrigou o time todo a cortar os cabelos, e deixou muitos deles contrariados, embora a qualidade do futebol se mantivesse a mesma... O irônico da situação é que ele chegou a dizer na época que seu time “mais parece um bando de hippies”!...
Na verdade, nem as costeletas do Carlos Alberto (Seleção) nem os tamancos do Orlando (Sport Club) influiram na qualidade de seu futebol, e a teoria capilar do Forlan de que em futebol ninguém vira Sansão com os cabelos cortados, era mais verídica do que nunca...
Rock versus samba?

Na verdade, este ingênuo sambinha com sua “perspectiva assustadora” fora lançado numa época em que o samba teria uma reinjeção de vitalidade através da trindade Clara Nunes, Beth Carvalho e Alcione, iniciada antes com Martinho da Vila. Clara Nunes; no entanto, não aceitava o rótulo de “cantora de samba”, mas Alcione – talvez a responsável pelo lamento do Franco –, gravaria no ano seguinte, em seu primeiro LP, o lamentoso samba “Não deixe o samba morrer”, que, por sinal, fez um grande sucesso em todo o país e fez o “samba descer o morro” de vez. Apesar do conteúdo “à favor” do rock do sambinha do Franco, os rockeiros espumavam de raiva quando ouviam esta música, e a primeira providência era mudar de estação ou mesmo desligar o rádio o mais rápido possível.
Por outro lado, ironicamente, houve muito rockeiro que estava curtindo adoidado o novo hit do Gilberto Gil que explodia nas rádios, o belíssimo “Maracatu Atômico”, que no fundo era um samba sutil e muito estilizado. Para ser mais preciso, muitos rockeiros vinham curtindo samba desde o aparecimento dos Novos Baianos, e vale lembrar que no ano anterior a banda havia explodido nas paradas com uma releitura rock de um clássico do samba que dizia nada mais nada menos que: “Quem não gosta de samba/ Bom sujeito não é/ É ruim da cabeça/ Ou é doente do pé”...
Na ala masculina dos sambistas propriamente ditos, capitaneando o então “samba jóia”, despontava o pianista e cantor Benito de Paula, com seu primeiro grande sucesso, o samba canção “Retalhos de cetim”, e novamente a galera rock torcia o nariz quando o ouvia. Anos depois, este sambista amargaria um congelamento do público, o que se deu após o escritor Marcelo Rubens Paiva ter dito em sua biografia “Feliz Ano Velho” (1982), que o cantor era alienado e cantava a alegria e sambas de amor derramado numa época “barra pesada” em que a ditadura vivia apavorando os artistas. Marcelo, porém, é que era o alienado, pois não só ignorava que o cantor teve seu primeiro disco, de 1971, censurado por ter gravado “Apesar de você” de Chico Buarque (numa época em que uma de cada três músicas sua era liberada pela censura), como também desconhecia que Benito gravara, em 1974, uma música de sua autoria em que homenageava nada mais nada menos que Geraldo Vandré – a canção “Tributo A Um Rei Esquecido”, cuja letra, porém, não condiz com a realidade dos fatos.
O polêmico show do Anhembi, por
pouco não se torna uma tragédia!
pouco não se torna uma tragédia!
A mídia também – seja a televisão e as rádios, seja os jornais e revistas –, todos se rendiam ao fenômeno do rock e, na onda, lançavam novos programas, reportagens e colunas dedicadas exclusivamente ao gênero, como, p. Ex., a Folha de São Paulo, que encabeçada pelo crítico musical Edvaldo Gouvêa, lançava a ótima coluna “Rock”, que fazia um apanhado geral dos shows correntes no país, dos discos lançados na semana e também notícias sobre artistas no estrangeiro, que era publicada no caderno Ilustrada, às segunda-feiras.
Voltando ao Alice Cooper, em Araras, como já disse, repercutiu bastante o tumulto causado no Anhembi pelos fãs, e era assunto de cabeceira entre as rodas de rockeiros. Na verdade, ninguém no país estava preparado para um show desta envergadura: imprensa, público, empresários, segurança, assistência médica, setores de alimentação, etc., todos eram de um despreparo tão gritante, que por pouco o show não resultou em tragédia. Os fãs enlouquecidos queriam de todas as maneiras se aproximar do palco para ver Alice de perto, que acabaram por esmagar contra a grade de segurança os jovens estava à sua frente! O show teve que dar um tempo e enquanto a histeria não cessou a banda não retornou ao palco.
Houve cerca de 200 feridos, mas sem gravidade. Felizmente, acalmados os ânimos com as constantes “chamadas” nos microfones, o show continuou com todos ironicamente sentados pelo chão... Na verdade, a primeira entrevista com
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Aproveitando o sucesso de Alice Cooper no Brasil, a gravadora Warner lançava, com atraso de anos, o disco “Love it to Death”, que, segundo o jornal Folha de São Paulo de 22 de abril, foi produzido por Jack Nicholson, e não Jack Richardson! E pensar que o ator Jack Nicholson não passou de “Easy Rider”!...
Muitas bandas sondadas, e nenhuma vinha!...
Outras bandas estrangeiras estavam na mira dos empresários. Foram cotados Paul MacCartney & Wings, Pink Floyd, Black Oak Arkansas, Rolling Stones, Led Zeppelin (show que seria aberto pelo O Peso) e The Who, porém, infelizmente (para ambas as partes) ninguém veio!.. A única banda que realmente esteve mais próxima de vir foi o Traffic, que, inclusive, já tinha até data marcada, mas os shows foram abortados porque a banda encerrou as atividades logo depois. Quem acabou vindo, pela segunda vez, em maio, foi o cantor grego Demis Rousseau, que, aliás, era oriundo de uma banda de rock, a Aphrodite’s Child. Rousseau, numa entrevista ao jornal da revista Pop, confundindo alhos com bugalhos e cuspindo em seu passado rockeiro, aproveitou para descer a lenha na trindade Alice Cooper, David Bowie & Mick Jagger, quando criticou “(...) nunca vou assistir a um show desses. Eu detesto os andróginos”. Por sua vez, o terno Billy Paul, que havia vindo em abril, instado sobre o mesmo assunto, foi mais cortês e confessou: “É realmente uma música diferente. Eu sou muito aberto, aceito quase tudo sem me grilar”.


“A banda inteira
voltou para casa no dia 8 de abril, exceto o guitarrista Glen Buxton, que foi
se aventurar na floresta amazônica. O cara sumiu por seis semanas e não deu
nenhum sinal de vida para familiares e companheiros de banda. A equipe de
Alice já começava a se preocupar com o sumiço do músico, até que num belo dia
Glen desembarca em Nova Iorque como se nada tivesse acontecido!”
Quase dois anos, e um novo grande show!

Mas, para compensar a nova frustração de não poder ver o Yes, uma pesquisa havia revelado que o Brasil era o terceiro maior consumidor dos discos solo de

E, então, encerrando o Projeto Aquarius de 1975, o mago dos teclados desembarcava no país para uma série de cinco shows no mês de dezembro, shows estes que foram suficientemente documentados pela citada Pop e a própria televisão. Ligar a TV e ver Wakeman com aquele cabelão e sua capa dourada rodeado de mil teclados, fora um impacto em minha vida tão grande quanto ao de Alice Cooper e seu “circo de horrores”!
Recordando destes dias incríveis, constato o quanto estas coisas mexeram comigo! Aliás, mexeu com a vida dos jovens rockeiros de todo o Brasil – a coisa era quase que um fenômeno, por todas estas novidades despejadas no país, primeiro por Alice e depois por Wakeman! Cita-se sobre este que a capa completamente cobertas de lantejoulas e sua imensa cabeleira loira brilhavam tanto que o tecladista mais parecia um fantástico vulto de luz pairando sobre o palco! Tanto o é que a revista Pop de dezembro presenteava os leitores com um pôster gigante do tecladista, e com muitas reportagens no verso, que marcou época e até hoje é lembrado, sendo ele uma verdadeira relíquia.
Alice ator!



Por esta época, por estar morando novamente na cidade e me encontrar afastado dos jornais televisivos, me escapara o anúncio da descoberta de uma montanha na superfície de Marte cuja aparência lembrava um rosto humano, imagem que causou grande impacto, tanto quanto a carantonha do Alice Cooper pintado de cobra!... A impressionante fotografia foi feita no dia em 25 de julho de 1976 pela nave Viking 1, e causara um verdadeiro rebuliço,

E a banda se desfez!

No entanto, seu sucesso se mantinha no Brasil, tanto o é que em 13 de dezembro de 1976 estreava na Rede Globo a novela “Duas vidas”, e,

Com o resto de minha família retornando à nossa casa original na cidade em março de 1977, minhas relações com a Usina seriam rompidas para sempre, com alguma visita esporádica ou outra. Ficava para trás a terra que eu amei mais que tudo, e com ela, aquela banda genial que nunca mais haveria de se reunir novamente para minha grande frustração!

* * *
Nossas lembranças dos nossos primeiros contatos com a música de Alice Cooper e sua figura são incríveis – aquele sentimento todo, a enorme euforia. Aqueles momentos saudosos de nossa meninice rockeira, que curtimos sonhando em fazer o que fizemos poucos anos depois, ou seja, formar uma banda de rock, foram para lá de especiais e excitantes. Apesar de nossos caminhos terem tomado rumos diferentes depois, hoje, quando nos reencontramos, sorrimos relembrando o que tudo aquilo nos causou, as transformações, os sonhos, as esperanças... Em ambos estamos em total consonância que não mudaríamos nada daquilo que aconteceu, e que será eterno!
* Este capítulo faz parte da série de nove livros memoriais sobre a Usina Palmeiras: "O MENINO DA USINA". Vol. 5 – The way we were – abril de 1973 a de dezembro de 1974. Os livros estão em processo de confecção sem prazo para lançamento.
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