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“O que é uma erva daninha? Uma planta cujas
virtudes ainda esperam para ser descobertas.”
(Ralph Waldo Emerson, 1803-1882,
crítico e poeta norte-americano)
Anos atrás, num exemplar do Tribuna no Bairro, suplemento do jornal Tribuna do Povo, estampado em sua última página vinha uma matéria que muito me incomodou, e incomodou tanto quanto um capinzal pode atazanar alguém em plena zona urbana. Ali, em letras caixa-alta e negrito, lia-se a fatal sentença: “MATO ALTO INCOMODA” – o invariável e recorrente protesto contra as “pragas” que infestam os nossos mal-amados quintais, terrenos baldios e lavouras!
O reclamante da chamada “Cidade das Árvores” protestava: “O acúmulo de mato e animais, além de anti-higiênico, atrai muitos ladrões que se escondem no terreno”.
É oportuno recordar: poucos anos depois da inauguração do Parque Ecológico em nossa cidade, um outro jornal ararense trazia a seguinte reclamação: de um conhecido colunista “Alguém pode me dizer quando aquele matagal, que atende pelo nome de Parque Ecológico, vai ser cortado. Tenho a impressão que passar por lá a pé, é risco na certa de um assalto, uma picada de aranha e uma mordida de cobra.”
Antes de mais nada, manda a conveniência que eu pergunte: desde quando capim é “anti-higiênico”? Esquece-se o cidadão que, muitas vezes, os verdadeiros responsáveis pelo aumento de ratos, aranhas, sapos, cobras, pernilongos, e outros animais são as próprias pessoas que ali depositam sacos de lixo, entulho e outros quejandos. E se estes mesmos animais “indesejáveis” também são encontrados em plena zona urbana, os responsáveis diretos por isso somos nós mesmos, e o mato nem sempre tem a ver com esse problema. Oras, é óbvio que as cobras surgem na cidade devido à proliferação de ratos; o mesmo se dá com os insetos, que quanto maior a quantidade de lixo entulhos e esgotos,a céu aberto ou não tratados, maior é o seu número. E aranhas, assim como os sapos, não surgem nestes lugares em busca das baratas? Madeiras abandonadas em terrenos baldios, p. ex., podem se tornar um verdadeiro foco de cupins, que, por sua vez, podem infestar um bairro inteiro!
Quanto aos exóticos caramujos africanos (Achantina fulica) – que comprovadamente podem causar danos à saúde como diarréia, desidratação, perfuração e infecção intestinal –, de onde você acha que eles surgiram? Nada mais nada menos de criadores que, abandonando sua criação devido à perda de interesse comercial, acharam por bem soltá-los na natureza, onde, encontrando ambiente propício, se transformaram numa verdadeira praga. Esta espécie de caramujo é um animal oportunista, que prefere o ambiente urbano às matas, já que na cidade encontra alimento mais fácil. As pessoas jogam lixo nos terrenos e em locais inadequados, que são justamente o lugar onde ele vai se refugiar e alimentar. Além disso, ele também se alimenta de fezes de cães e gatos. Esse animal, que se tornou um grande problema em muitas cidades, foi “importado” para ser utilizado como alimento na criação de aves domésticas, e, acredite, na culinária humana, substituindo o tradicional “escargot” por apresentar vantagens no tempo de crescimento individual e resistência às condições ambientais.
Voltando ao problema dos terrenos baldios e os bandidos que se ocultam no meio dos capinzais, pretende o reclamante que acreditemos que os grupos de assaltantes, semanalmente, fazem ali secretas reuniões, desmanchem carros, escondam armamentos ou façam pontos de venda de droga? Convenhamos!... Isso é reclama-se por reclamar, fato que, no fundo, não passa de ódio vegetal, dendroclastia mesmo! Será, então, que a saída será dar cabo de todos os capinzais urbanos?
Me perdoem os discriminadores das espécies vegetais menos carismáticas e sem valores atrativos, mas o problema não é o capinzal, que o capinzal em si é natureza também. Convém esclarecer que a mamona, p. ex., – popularíssima invasora dos terrenos baldios – já foi planta de jardim no século XIX! E quantas plantas ornamentais modernas já não foram mato um dia? Quantas plantas medicinais há nestes terrenos, que são relegadas à condição de plantas invasoras, daninhas, mato enfim!...
Imaginem se os nosso índios, cada vez mais aculturados, começarem a raciocinar como os urbanos – que tem visão unilateral e míope da natureza: em breve irão reclamar à FUNAI de “matos sujos” por capinar, de pragas de mosquitos, cobras, baratas, ratos e escorpiões, e eis a natureza brasileira em sério perigo! Valei-me, São João Gualberto!
Os quintais e terrenos baldios são áreas vitais, uma vez que servem como local de absorção de chuvas, e os nossos “higiênicos” quintais concretados e azulejados são um dos responsáveis pelas enchentes. Neles, as águas pluviais não têm como penetrar no solo, a não ser pelo ralo que vai levar a água até os ribeirões, que nem sempre podem conter esta mesma água que poderia ser absorvida pela terra caso os quintais e ruas fossem permeáveis. Também ignora-se que os mal-amados brejais são habitats imprescindíveis para inúmeras espécies vegetais e animais, e desempenham papéis importantes, como filtrar a poluição e servir como áreas de contenção de enchentes, e não são lugares insalubres, como se pensava desde o século XIX? – me refiro à chamada “teoria miasmática”: aquela que afirmava que as doenças provocadas por “miasmas” ou emanações malignas provenientes do solo, da água ou do ar “estagnados”.
E os responsáveis pelos mares de espuma da cidade de Pirapora (foto), não somos nós mesmos, com todas as substâncias poluidoras que, dentro de nossa própria casa,
botamos ralo abaixo todo santo dia? Uma pequena lista desse descarte monstruoso que ocorre diariamente: óleo e vinagre, farinhas diversas, sal e açúcar, gordura e banha, temperos , restos de inúmeras bebidas; creme dental e de barbear, anti-séptico bucal, gel capilar, sabonete, xampu, filtro solar e outros cosméticos; detergente, sapólio, fragmentos de esponja de aço, amaciante, cera, água sanitária, desinfetante, alvejante, odorizante; resíduos industriais como graxa, solvente, gasolina, álcool, querosene, etc. O irônico é notar que boa parte destas substâncias são usadas devido à nossa insensata vaidade...
De quantas coisas como estas, em prol de nós mesmos, poderíamos abrir mão sem deixar de viver melhor, e, assim, praticaríamos o mais nobre do deveres que é manter a natureza limpa e “higiênica”. No caso de Pirapora, a grande ironia é que a espuma que torna nossa casa, roupas e objetos mais limpos é a mesma que depois causa aquela verdadeira desgraça flutuante no rio!...
E olha que sequer mencionamos a “poluição da moda”!... Na verdade, ela existe há muito tempo, mas só há poucos anos foi estudada sistematicamente. Me refiro à chamada poluição hormonal. Esta, é um tipo de contaminação da água que se dá através da urina., uma vez que anticoncepcionais e medicamentos de reposição hormonal são eliminados nas águas através da micção.
(clique na imagem para ver a pesquisa) Os problemas no meio ambiente decorrente desses resíduos são muitos e preocupantes. Esse fenômeno é causado tanto por hormônios naturalmente excretados pelas mulheres, quanto por pílulas anticoncepcionais, e também pelos chamados xenostrógenos, que são hormônios presentes em compostos industriais que têm efeitos semelhantes ao estrógeno, causando por exemplos, a femeninilização de peixes machos (
Ecotoxicology an Enviromental Safety, 9 agosto 2011). O fenômeno vem acontecendo com o lambari-do-rabo-vermelho (
Astyanax fasciatus) na hidréletríca de Furnas, em Minas Gerais. Segundo a bióloga Mércia Barcellos da Costa, da Universidade Federal do Espírito Santo, “Todas elas têm ação estrogênica e mesmo quando não são hormônios reais, agem no corpo de forma parecida”. Ainda segundo a pesquisadora, um desses compostos, o tributilestanho (TBT), provoca mudança de sexo de algumas espécies de animais. Em humanos, suspeita-se que o contato com a água com excesso de hormônios esteja antecipando a menstruação das meninas e a diminuição de espermatozóides nos homens, além de câncer. Pesquisadores constataram que resíduos de colesterol, hormônios sexuais, produtos industriais e uma infinidade de substâncias microscópicas não são eliminados nos sistemas de tratamento das cidades brasileiras, porém, até o momento, isto não significa que a água seja imprópria para o consumo. Segundo todos os padrões internacionais de potabilidade, a água que chega às torneiras dos brasileiros é limpa e está pronta para beber. O problema é que, até hoje, a Organização Mundial de Saúde (OMS) não avaliou os riscos para a saúde desses resíduos. Quer entrar fundo neste assunto (e se assustar), lei a este artigo:
http://www.terra.com.br/revistaplaneta/edicoes/437/artigo126067-1.htm
Quanto ao reclamante do Parque Ecológico, eu pergunto: será que o s matos, as cobras e aranhas não podem viver em paz nem mesmo num parque ecológico?! Ao menos se ele reconhecesse que o nosso Parque Ecológico de ecológico pouco ou nada tem... Festa do peão em parque ecológicos!, lagos artificiais, vegetação exótica! Só em Araras mesmo...
É óbvio que nenhum dos que reclamam dos capinzais, notam que eles também se prestam como áreas sinantrópicas, ou seja, lugares de atração e fixação da fauna nas zonas urbanas. Quanto aos animais indesejáveis já citados anteriormente, eles vêm para cidade com ou sem a existência de matagais e terrenos baldios, e que o diga o pernilongo da Dengue. Na última casa onde morei, havia um quintal ao lado , com muito mato, e que não era nenhum esconderijo de ladrões, mas sim um verdadeiro refúgio de pássaros, como rolinhas, avoantes, asas-brancas, pardais, anus, tizius, bicos-de-lacre
(foto), sabiás, coleirinhos, bigodinhos, tico-ticos, bem-te-vis,
sanhaços, etc.
Além disso, hoje se sabe, p. ex., que o popular mato
(Croton glandulosus, foto), esse que cresce espontaneamente em terrenos baldios, não é mais considerado erva daninha – mesmo em plantações, onde é combatido com roçadeiras, enxadas e herbicidas, ele têm a função de atrair insetos que predam pragas das lavouras. Eis enfim a profecia de Ralph Waldo Emerson se concretizando, centenas de anos depois!
Peter Tompkinns e Christopher Bird, em seu livro A
Vida Secreta das Plantas, lançado em 1974, trazem o seguinte texto,
versando sobre a importância das chamadas “ervas Daninhas”:
“A opinião de
Soloukin sobre a simbiose das plantas valida a de um professor de botânica e
conservacionista americano,o Dr. Joseph Cocannouer, que, enquanto Sir Albert
Howard trabalhava na Índia, dirigiu o Departamento de Solos e Horticultura da
Universidade das Filipinas por uma década e estabeleceu na província de Cavite
uma grande estação experimental. Em seu livro O mato , um guardião do
solo, publicado há quase 25 anos, Cocannouer sustenta a tese de que, longe
de serem nocivas, as plantas normalmente assim consideradas e rotular das de
‘daninhas’, como a tasna ou tasneira, o quenopódio ou anserina, a beldroega e a
urtiga, bombeiam minerais do subsolo, especialmente os que se tornaram escassos
na camada superior, e são excelentes indicadores das condições da terra. Como
vegetação associada, elas ajudam as plantas domésticas a aprofundar suas raízes
até fontes nutrientes que, de outro modo, ficaram fora do seu alcance.”
O verdadeiro problema desta mentalidade retrógrada é que fomos, aos poucos, nos distanciando das raízes de nosso passado rural, aceitando inconscientemente o grau de demência que a sociedade “civilizada” nos impôs, desruralizando as cidades e ficando cada vez mais apartados e alienados da natureza. É simples constatar que estamos tomando o mesmo rumo que o Rio de Janeiro, onde, como disse o Millôr, a área verde do habitante é um vaso de samambaia... Ironias à parte, me vem à mente uma pergunta que não quer calar: por que a maioria dos homens, que bem poderia preservar seus quintais de terra e árvores, não se preocupam com isto e não pensam duas vezes em abrir mão da parte que lhes cabe? Até quando teremos de conviver com a febre do chamado “quintal lajotado”, do quintal com edículas entulhadas de coisas inúteis, do quintal com piscina e churrasqueira que, passada a febre da inauguração, caem no esquecimento?
E – tenham certeza –, é também por se raciocinar assim – como no século XIX, reconheça-se –, que se pôs abaixo o bosque onde se deu a Festa das Árvores em 1902, extinto em 1947, e o Horto Florestal da Fepasa, desapropriado e colocado baixo em 23 de julho de 1981. A propósito, é só dar um pulinho até a vizinha cidade de Rio Claro – que não é nenhuma “Cidade das Árvores” –, e notar, já da rodovia Wilson Finardi, que seu horto está ali, integro e salvaguardado para as gerações futuras, enquanto nós, na hipócrita “Terra dos Canaviais”...
Enfim, espero estar vivo um dia para ver surgir uma nova lei que venha a proteger os capinzais pelos mesmos motivos que expus acima: lugares de atração e fixação da fauna, de absorção de águas das chuvas, e até de lazer, mas, ah!, eu já prevejo o meu irritado leitor querendo me perguntar: – Mas, Wenilton, você é radical demais, rapaz! Não se pode aceitar um quintal ou praça com mato como um lugar desfrutável! E eu lhe responderei: – Não sou tão radical assim, meu caro – apenas um marxista, tendência Burle...
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