domingo, 8 de julho de 2018

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DESÍGNIOS DE GERALDO VANDRÉ

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Vandré, no exílio europeu em 1970.
O Geraldo Vandré encerrou carreira em 1973, e certamente nunca mais voltará, por nada neste mundo, por dinheiro nenhum, nem que lhe paguem mais que ofereceram pela volta dos Beatles. Pensando bem: ele encerrou carreira ou ela está em aberto? Em se tratando do excêntrico Vandré, tudo se pode esperar...

As vezes eu fico pensando na qualidade do novo material que o Vandré poderia ter colocado no mercado, e chego a desconfiar que ele havia se esgotado e, por isso mesmo, encerrou carreira, mas, obviamente, a coisa não era bem assim.

Victor Jara (1932-1973)
Se analisarmos claramente, veremos que ele abandonara o lado romântico e bossanovista (em que ele também era ótimo) da virada dos anos 50/60 e partira depois para o Novo Regionalismo (ou Música de Protesto) junto com, p. ex., o Sergio Ricardo, mas, finalmente, entrara de cabeça naquele estilo chileno (que muita gente acha que é estilo original dele, mas, infelizmente não é) e foi até o final com ele. Ouçam a ótima Quilapayún, uma banda chilena de música folclórica, e constatem como o Vandré tem muito do estilo. Há quem diga que Victor Jara ─, o maior cantor chileno ─ é “o Vandré do Chile”, mas eu acho que é o contrário: é o Vandré que é o Victor Jara do Brasil... Numa incrível coincidência, nosso grande vate encerrara carreira no mesmo ano em que a ditadura chilena matou Jara, inclusive chegando antes ao horror de decepar suas mãos com um facão!

Das Terras de Benvirá, gravado na França, 1970.
Andei ouvindo outras gravações do período e era, com todo o perdão da colocação, a mesma ladainha chilena de sempre, aquele estilo de “Caminhando” ou "Réquiem para Matraga”, sempre baseado em poucos acordes. “Fabiana”, uma de suas últimas canções (dos anos 90) ─ que por sinal tem uma poesia que eu acho absurdamente linda, num estilo que só ele tem ─, me decepcionou melodicamente falando, pois é mais do mesmo. Neste período final de sua carreira, a impressão que se tem é que ele se viciou neste estilo ou não conseguia mais fugir dele Haveria o Vandré se esgotado e não conseguia mais compor nada que fosse além de três acordes neste gênero chileno? Assim sendo, talvez um novo material seu correria o risco de se mostrar enfadonho, porém, quem ouve dele por exemplo “Depois é só chorar”, sabe das coisas complexas e tocantes que ele era capaz de compor mesmo sendo um violonista de modestos recursos.

“Das Terras de Benvirá”, sua ultima gravação ─ que eu acho soberba ─ é seu canto do cisne, e ela é incrível por vários motivos: um disco impressionantemente acústico e composto basicamente com músicas de dois acordes, variando nos estilos nordestino e chileno ─ imaginem um disco feito totalmente com dois acordes: isso é Vandré, isso é “Das Terras de Benvirá”! Penso que nunca ninguém deste país, na amargura do exílio, compôs um disco tão intenso, a um tempo amargurado, revoltado, agressivo e terno. “Saudades do Brasil” do Tom Jobim é lindo, mas esse disco do Vandré é, parodiando o nosso hino, “um choro intenso”! Ele sussurra, geme, grita e berra, talvez de saudades do Brasil, e com aquela voz que só ele tem: inimitável, máscula e depurada como nunca. Aquela gravação numa TV alemã em 1970 (foto) mostra bem isso, aquela intensidade interpretativa que só ele tinha.


Esquecendo o Jara, talvez o Vandré fora – em que pese a comparação, mas querendo nivelar por cima ─ o melhor e mais original equivalente ao Bob Dylan que tivemos no Brasil!
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domingo, 13 de maio de 2018

ROCK, GAROA E QUEBRA-PAUS!


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São Paulo: "Terra da Garoa"

Apesar de todo o crescimento da capital São Paulo, apesar de todo o desmatamento geral, apesar de toda a poluição, apesar da severa alteração microclimática, apesar de todas as “ilhas de calor” da megalópole, e, enfim, apesar de toda a selva de concreto que se tornou a maior cidade da América Latina, o secular e famoso fenômeno paulistano cantado em mil versos de poetas e letras de compositores, a querida garoa de São Paulo ainda existe, ou subsiste! Meninos eu vi! Me encontrei com a ela por duas vezes em São Paulo.

O Monsters of Rock em 2 de setembro de 1995, estádio do Pacaembu

A primeira foi em 2 de setembro de 1995 ─ inverno, portanto, quando fui assistir ao Monster of Rock, no Estádio do Pacaembu, no que tive a oportunidade de ver meu grande ídolo Alice Cooper, retornando novamente ao país após 21 anos. Pagamos ─ até hoje eu não acredito ─, a bagatela de R$ 20,00 na arquibancada! Vale lembrar que havia um enorme receio de se fazer esse evento, pois, dias antes, as torcidas do São Paulo e do Palmeiras haviam promovido o maior quebra-pau no estádio. Desse modo, bebidas foram proibidas no show, e muita gente quis brigar devido à essa proibição!... Mas, deixemos de enrolação, e vamos à garoa, então. Lá pelo meio do show, do nada, surgiu um imenso borrifo de água do céu, um lençol de gotículas que 
desceu sobre nós lentamente ─ não era cerração nem chuvisco, mas um meio termo, algo incrível que surgiu e baixou discretamente sobre as 45 mil pessoas que curtiam esta excelente 
Alice Cooper no M onsters!

noitada rockeira! E o tal borrifo, que chegava a molhar a pele, era frio pacas. Falei para meu amigo: “Paulão, será que é a tal da famosa garoa de São Paulo?!”. Ele respondeu: “Mas, Cobra, isto ainda existe em São Paulo, apesar de tudo?!” O que eu sei dizer é que ficamos abestalhados, e, em meio àquela friagem úmida, surgiu um sujeito também do nada ─ como que caindo do céu também ─ a vender capas plásticas! Não pensamos duas vezes em comprar uma!... 
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O Cartaz do show.

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A lanchonete do sósia do Kajuru
A segunda vez foi recente ─ há uns três anos ─ quando fui trabalhar em São Paulo. Uma certa noite, estava eu a tomar cerveja parado na porta eu numa lanchonete em frente ao Centro Operacional do Metrô, na avenida Vergueiro, um lugar por onde passam muitos estudante de Direito. O engraçado é que ─ não deu para não notar ─ o dono do estabelecimento era a cara do  locutor esportivo Jorge Kajuru (o original ─ vejam só!: sujeito que nasceu um dia antes de mim...). E, eu ali, bebericando e me deleitando com aquele desfile de uma legião de belíssimas mulheres que só São Paulo tem, todas saindo das aulas e muitas parando nas lanchonetes que há ao longo da avenida. 

Vale lembrar novamente, que a cerveja que não pude beber no Monster ─ proibiram cerveja no show!... ─, descontei nesse dia nesta lanchonete!... Eis que, de repente, vem uma umidade com a brisa e eu estranhei aquilo; olhei para cima e lá estava a danada!


O locutor esportivo Jorge Kajuru
Mirando a luz do poste acima, pude ver novamente o tal borrifo, que feito uma água espargida por um spray, passava com um lençol esvoaçando com a brisa. Fui até o caixa e perguntei para o xará do famoso locutor esportivo:

“Ô, Kajuru, por acaso esta cerração que chegou agora é a tal da famosa garoa de São Paulo?” 

Ele riu do “Kajuru” e disse: 

“Até você me acha parecido com o maldito locutor?! Mas, sim, amigo, é a velha garoa mesmo ─ ela não desapareceu!”.

No primeiro caso, se houve, porém, um “demônio da garoa” naquela noite, esse cara não foi o monstro das trevas Ozzy Osbourne, mas o Alice Cooper, que tocou antes e fez o maior quebra-pau no palco durante a música “Street Fight”, mas, mesmo assim, a plateia não pegou fogo a contento, que faltou cerveja e sobrou garoa fria!... Quanto ao Kajuru da lanchonete, não sei se ele e ainda está lá, enquanto o da TV sumiu de vez, depois que um lutador de boxe quase lhe quebrou a cara na TV ao vivo; mas, e quanto à velha garoa que versejara o poeta Mário de Andrade, repito: meninos eu vi! E 45 mil rockeiros também!...
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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

SELETA DE PENSAMENTOS SOBRE ALIMENTAÇÃO E BEBIDA NUMA CHUVOSA E ENTEDIANTE NOITE DE QUINTA-FEIRA (criação: Wenilton)

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- Grão de milho: a arte de escapar à cozimentos, à dentadas, a ácidos estomacais e, ainda assim, sair intacto do outro lado.

- Trigo integral: algo que, para o brasileiro, é tão difícil de falar como expressão, quanto ingerir como alimento.

- Páscoa: quando crianças, a gente começa por comer chocolate em demasia; quando velhos, terminamos comendo bacalhau a dizer chega.

- Relatividade I: nunca gostei de comer pipoca em cinema quando criança, assim como hoje, adulto, não gosto de telões em festa junina.

- Banzo: com comichão de comer terra, comi terra do chão.

- Sutis diferenças I: rico toma um trago de vinho para abrir o apetite; o pobre toma um trago de pinga para enganar a fome.

- Ituana: de passagem por Itu, aproveitei para comer um espetinho de coração (de boi).

- Relatividade II: nunca comi comida de bordo, mesmo porque nunca voei num jato, mas, amigo, o que eu já me alimentei com minha mãe fazendo aviãozinho numa colher é brincadeira!

- Atinações I: adolescente é o tipo de pessoa que passa a juventude comendo porcarias, e quando fica velho, com a saúde estragada, só fica lembrando da "comida da mamãe".

- Relatividade III: não é que eu não goste de gatos, mas gosto demais de tamborins; não é que eu não goste de cachorros, mas eu sou louco por comida chinesa.

- Atinações II: com frequência, a comida mais cheirosa e deliciosa, na hora da evacuação é a que dá uma catinga dos diabos.

- Sutis diferenças II: rico com fome vê comida e fica com água na boca; já o pobre baba.

- Batismos: nome para uma competição regada à maconha: "Gincanabis"; para outra regada à bebidas: "Torneio Ébrio da Bebida".

- Sutis diferenças III: antigamente, era o clichê do cão São Bernardo com o barrilzinho de bebida atado ao pescoço; depois veio o Vinícius de Moraes com o tal do cachorro engarrafado.

- Ano Novo, Vida Nova: sim, sim, amigo, eu disse que ia parar de beber de uma vez, pois ultimamente andava vendo leões toda vez que enchia a cara, mas acontece que agora eu ando armado...
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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

"O PALHAÇO RI NO PALCO, E DEPOIS CHORA NO CAMARIM"...

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Tem gente que não acredita que pessoas engraçadas, brincalhonas e bem humoradas possam, no fundo, ser pessoas deveras tristes e melancólicas. Compreensível este conceito, uma vez que são situações opostas, antagônicas.

Li, décadas atrás, esta quadrinha de um trovador nordestino:  "O palhaço ri no palco, e depois chora no camarim". Algo que é pura verdade em muitos casos. E não está cheio de artistas que detonam no palco, e na vida particular são recatados, quietos, pouco falantes e ridentes?

Mas, convenhamos, se uma pessoa tem o dom de ser humorada, porque ela iria cometer a insensatez de andar cabisbaixa pelaí, se arrastando com cara de tristonha e acabada como que a cobrar comiseração e compaixão das pessoas? Aliás, quem sabe se esse uso do humor não seja uma forma discreta de camuflar a tristeza, de não deixar que as pessoas perceberem a sua mágoa particular.

É sempre assim: em casa depois, quando as luzes da ribalta do dia-a-dia se apagam, a pessoa deixa o artista para trás e volta a ser quem realmente ela é: o cidadão comum com todo o seu verdadeiro drama: o arsenal de dores, doenças, seus problemas enfim - é, quando surge a triste realidade, a hora de se desfazer das fantasias e lavar a pintura psicodélica da face com as próprias lágrimas incolores!

Um grande palhaço do meu tempo, o Arrelia, mesmo com suas tristezas na vida particular, costumava dizer algo como: o palhaço não chora, mas ele ampara os que choram (e isso era coisa de palco), e lembremos que os Doutores da Alegria são a mais fiel tradução desse conceito.

A vida é assim, aliás, as pessoas insensatas e sem empatia são sempre assim: acreditam piamente numa eterna alegria do palhaço, mas ninguém crê em suas secretas lágrimas, no seu verdadeiro drama pessoal! E, pior, se estes flagrassem o palhaço chorando, o tratariam  como certos adultos tratam uma criança e diriam: "Oras, oras, deixa disso! Homem que é homem não chora!"...

Mas acontece que o palhaço também é uma criança! E uma criança que chora tanto quanto! Mas, uma coisa, amigos: há Doutores da Alegria para amparar nossos queridos palhaços?...
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domingo, 19 de novembro de 2017

VELHO ESCRAVO DA FAZENDA SANTO ANTONIO (Araras-SP) INSPIRA FAMOSO QUADRO DO PINTOR MODERNISTA LASAR SEGALL!

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Lasar Segall
A famoso quadro "Bananal", do pintor Laser Segall (1891-1957), teve por base um estudo detalhado, a lápis-carvão, que ele fez de um senhor negro e idoso, chamado Olegário, que fora escravo dessa que é uma das mais antigas de Araras, surgida no distante 1831.
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Segundo LuDiasBH:
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"Segall mais uma vez, como fez em Menino com Lagartixas, destina a parte inferior da tela, reduzida aqui à metade, para colocar o único personagem da composição, preenchendo todo o resto com as folhas verdes das bananeiras.
Como o título induz-nos a pensar, o negro Olegário é apenas parte da densa vegetação, pois, como na vida, nunca fora visto como pessoa, mas como parte disso ou daquilo, subordinado ao trabalho, mandado por seus donos.
A figura de Olegário, vista a partir do longo pescoço para cima, traz profundos sulcos na testa, que denotam não apenas preocupação, mas também marcas do tempo e do trabalho servil. Seus olhos são pequenos e verdes como o verde das folhas do bananeiral. O nariz anguloso e achatado mostra enormes narinas abertas. A boca grande e grossa, mesmo fechada, expõe os lábios carnudos. Dois profundos sulcos cercam-na, partindo das narinas, e indo até os cantos esquerdo e direito.
O cabelo curto e emaranhado da cabeça de Olegário encontra-se com a barba crespa, como se fizessem uma moldura em torno do rosto do ex-escravo. Seu olhar é ao mesmo tempo duro, desesperançado e sofrido."
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GoffredoTelles Junior.
Quem se recorda dele servindo de modelo para o futuro quadro, era aquele que no futuro viria a se tornar um dos maiores juristas do país, o então menino Goffredo Telles Júnior (1915-2009), que passava os dias nesta fazenda de seus avós junto com o grupo de modernistas da Semana de 22 que aí frequentou durante a década de 1920:

"Lasar Segall, por exemplo, me fascinava. (...) Ele tinha um modo de olhar para as coisas do mundo como não vi em mais ninguém. Olhos muito abertos, infinitamente curiosos, numa fisionomia de extrema doçura... Extasiei-me ao vê-lo em plena criação, no terraço da fazenda, retratando, a carvão, na tela do seu cavalete, a cabeça do velho Olegário, antigo escravo de meus bisavós. Nenhum de nós podia imaginar que ali se estava produzindo o primeiro esboço do famoso quadro Bananal."
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quinta-feira, 16 de novembro de 2017

PHILL COLLINS E OS CONCERT TOMS - SUA MARCA REGISTRADA

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Mais precisa-mente a partir do disco "Wind & Wuthering" (1976), o Phill Collins assumiu de vez o uso dos chamados "Concert toms", ou seja, dos tambores tom-tons sem a pele de resposta ou pele de baixo (tons bimembranofones). A canção mais famosa do Genesis em que Phill usa esses tom-tons é a estranha "Mama", sucesso em 1983. A propósito, não sei até hoje como uma música sombria como essa fez sucesso comercial - coisas do gênio que é o Phill, ao que parece, caso único em se tratando de bateristas que se tornaram vocalistas e fizeram sucesso à nivel mundial não só como músico de rock progressivo (Genesis) e jazz rock (Brand X), como também como cantor pop de primeiro escalão!

A principal característica deste tipo de tambor é o som mais encorpado, ressonante e mais solto em relação aos tons com pele de resposta. O timbre obtido com esse tom é bem caracterítisco e inconfundível. Como ex-baterista, não concordo em seu uso como um fim, mas sim como um meio, como mais uma peça da bateria usada para criar determinados efeitos em arranjos que pedem grandiosidade ou agressividade. Assim, pessoalmente, não gosto muito de seu timbre ao ser usado normalmente como os tons com pele de resposta, mas funcionam otimamente bem quando usados como determinados efeitos especiais. 

Popularizado no final da década de 1960 pelo baterista Hal Blaine, se difundiram entre as bandas de rock setentistas e oitentistas, naquele fase tão marcante do rock em que se via acima dos bumbos-de-pé uma fileira enorme deles, como podemos checar na famosa "I love it loud" do Kiss, música em que mal se ouve o ritmo da bateria e imediatamente se sabe de que canção se trata. 

Hoje, sabe que o grande Phill Collins, o "baterista dos bateristas", faz uso exclusivo deles.

Outros rocks e canções pop famosos onde os concert toms se destacam:

- Rick Wakeman - "Myths and Legends of King Arthur and Knights of The RounD Table" (1975), na música "Arthur";

- Triunvirat - "Spartacus" (1975), nas músicas "The Capital of Power" e "The Burning Sord of Capua";

- Elton John - na canção "Goodbye Yellow Brick Road" (1973);

- Secos & Molhados - na canção "Flores Astrais" (1974);

- Guilherme Arantes - na canção "14 anos" (1978)

- James Taylor - "Fire and Rain" (1970).
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PRAGAS DE INÍCIO DE SÉCULO Nº 3 - AS CIGANAS PEDINTES


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Hoje, amigos, na última postagem da trilogia "PRAGAS DO INÍCIO DO SÉCULO", vamos entrar no território do Sidney Magal! Sim, vou falar de ciganas, mas sinto lhes dizer que não falarei da tal "Cigana Sandra Rosa Madalena"... Até gostaria, mas ela não se encaixa nesta crítica, mas até que a outra famosa cigana da canção, a tal de "Zíngara" ― romântica ledora de mãos e adivinhadora do futuro ―, cairia bem aqui, mas,  também não é o caso... Falemos, portanto das ciganas que não inspiraram músicas e estão aí pela cidade desinspirando (e pirando) muita gente...
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Pois bem. Me refiro às ciganas pedintes que, nos últimos tempos,  são encontradas diariamente por todos os lados do comércio central da cidade no nobre exercício de arrecadar dinheiro sem trabalhar. Embora, à primeira vista ― e com todo o respeito ―, possam ser confundidas com as chamadas "crentes", com aqueles seus cabelões e vestidões longos, as ciganas nada tem a ver, e diria que são até meio hippies, psicodélicas, ultra-coloridas. E vocês devem estar se perguntando aí: "Elas quase sempre estão carregando filhos, mas cadê os maridos que nunca são vistos" Realmente, um mistério tão intrigante quanto saber onde elas moram e de onde elas vem!... 
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Não implicaria com elas se não fosse o fato de que não é uma ou outra cigana que é pedinte ― praticamente todas são pedintes. Está certo, umas vivem da chamada Quiromancia, ou seja, ler as mãos, e não sou contra isto pois, de uma maneira ou de outra, estão prestando serviço e trabalhando, portanto, merecendo o dinheiro que cobram. O que não mais vi foi elas vendendo ouro pela cidade, mas deve ser a crise, e quiçá seja esse o fato de elas apelarem para a mendicância, afinal à esta altura, quem vai comprar ouro de ciganas?... Mas, convenhamos: ficarem sentadas num lugar qualquer pedindo dinheiro como se fossem inválidas ou doentes, aí não dá mesmo. 
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Porém, um rápido olhar revela que a maioria delas são invejavelmente magras e saudáveis, e muitas muito bonitas e atraentes, e já vi algumas que mexeram comigo e me remeteram aquela velha canção do Carlos Alexandre, aquele cantor brega setentista, que cantava na música "A Ciganinha": 
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"Você é a ciganinha
Dona do meu coração
Não tenho sangue cigano
Mas vou pedir a sua mão".... 
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E a gente vê essas danadas e se pergunta: "Pô, com uma beleza dessas essa moça podia ser uma modelo, e, no mínimo, uma secretária executiva!" Mas quem disse que elas querem trabalhar, ter um emprego fixo?...
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Sim, admiro os ciganos e sua música, o romantismo da raça, e me surpreende o fato de eles serem um povo ágrafo, isto é, sem o registro de sua próprio história e sua existência, mistério que se perde nos tempos, mas isto que as ciganas pedintes fazem, esse meio de vida deprimente, depõe contra seu próprio povo ― é humilhante, e, certamente, elas não precisam disso. Penso até que elas estão tão empenhadas em levar esse meio de vida adiante, que cigano já está se tornando sinônimo de pedintaria, de mendicância mesmo! Isso precisa acabar!
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Se eu permitisse que uma cigana lesse minha mão, a primeira coisa que lhe perguntaria seria: "Quando as ciganas ― uma raça tão linda, romântica e antiga ― vão aprender a se valorizar deixando de se humilhar com o exercício da mendicância?"...
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Para fechar este texto, gostaria de relembrar um fato curioso: há cerca de meio século atrás, os ciganos foram atração em Araras. Sim, isto mesmo! Pelo ibope que deu, acredito que foi a primeira vez que um grupo deles foi visto por aqui. Mas, porque escrevi "atração"? É que quando eles se instalaram num terreno baldio lá nos altos do Parque Industrial, os ararenses fizeram romaria para ir vê-los lá, eles, com suas tendas, suas crianças, sua música, seus violinos, as fogueiras e seus varais cheios de roupas coloridas. Dentre estas famílias curiosas que andaram bisbilhotando por ali, estava a nossa!... E lá fomos nós ― os caipiras da Usina Palmeiras! ― com nossa DVW ver aquela raça colorida e seu meio de vida nômade, num tempo em que suas mulheres ainda não se humilhavam como pedintes pelas ruas da cidade...
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