segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O TAL DO ANANIAS, UM TIPO POPULARÍSSIMO

“Ouviam-se, às vezes, no seu interior,
acaloradas discussões, que terminavam
sempre em ruidosas gargalhadas de
Noratão, animador desses debates
entre ele e pessoas imaginárias.”
(Memórias de outro tempo.
Francisco de Brito, 1980)
 


Diz a sabedoria popular que não se deve olhar nos olhos dos bêbados, pois eles pensam que é um conhecido e vem conversar com você... Desnecessário dizer que o tal do Ananias era um desses tipos, em sua mais completa tradução...

Ananias Geraldo Teixeira — eis seu nome de batismo! — era conhecido pelas crianças pelo carinhoso apelido de “Nanias Polenta Frita”. Tido por inconveniente, diziam que vivia sujo, fedido e bêbado. De estatura alta, com sua voz rouca, se exibia como um perfeito maltrapilho pelas ruas da cidade. Meio caboclo, meio mulato, uma barbicha rala de bode no queixo pontudo, “nariz de vidraça” (portanto achatado), o pescoço alto de galo índio; em suma, predicados que o tornavam um tipo altamente caricaturável!

Donos de botequim o evitavam o quanto podiam, pois queria beber não tendo dinheiro, no que arrumava grandes confusões. Por beber demais, perdia a noção de tudo e de todos. Costumava frequentar o bar do Paulo Pascotti a partir dos anos 1930 (foto ao lado), hoje, um estacionamento, na esquina em frente ao Parque Infantil “Hermínio Ometto”, assim como a venda do Petrucci (foto abaixo), próximo ao largo da Capela de Santa Cruz, onde passava o tempo suplicando aos boiadeiros que lhe pagassem um “mata-bicho”... No entanto, em que pese estas desabonações, depoentes confirmaram que, no Pascotti, o Ananias “era um amor de pessoa". 

Certa vez, para testá-lo, sem que este visse o Pascotti jogou discretamente uma nota de alto valor no quintal que o Ananias capinava. O negro, tão logo a encontrou, prontamente, foi entregá-la ao dono.

Dizem que quando o Ananias se via abatido pelos constantes porres, se dirigia até a “caixa d’água” da Avenida do Café (foto ao lado) e ali tirava uma tranquila soneca. Outro local em que costumava dormir era ali nas proximidades da mesma avenida, no antigo chalé do senhor Constante Archangelo, na rua Saldanha Marinho. Quando desaparecia da cidade, diziam que ele ia para a fazenda Mata Negra onde morava; por sinal, localidade onde outros dois tipos populares também residiam: os negros Jeremias e o Campeão. Depois de uma semana de sumiço, voltava para a cidade, todo sujo e bêbado como sempre. Meu primo “Zéca” Daltro cita que quando ele retornava dessas “excursões” rurais, sua mãe obrigava-o à um bom banho, e depois o alimentava fartamente. Bem alimentado e limpo, ele arrumava um cantinho e dormia por horas a fio. 

O Ananias, tirando um cochilo
em frente ao então “bar do
Zambon”, entre 1961 e 64.
Um dos diversos lugares onde o Ananias fazia às vezes de seu dormitório era sob uma das pontes do Ribeirão das Furnas, mas o lugar mais estranho e incompreensível, era na “mal-assombrada” santa cruz da estrada do matadouro (foto abaixo), hoje extinta, que se situava na bifurcação da estrada para a Vila Candinha e o Loreto. A opinião dos ararenses instados sobre o hábito do pobre negro, era a de que "era preciso ser muito homem para dormir ali”. Entre cacos de vidro, tocos de vela queimada e estátuas de santos quebrados e insetos, Ananias esticava o esqueleto e esquecia da vida!... O irônico, é que um outro famoso tipo popular, o negro Dito Flautista, que morava na chácara Independência (Loreto)  na época, tinha um verdadeiro pavor de passar por este recanto às desoras, pois também acreditava que o lugar era mal-assombrado.



Santa Cruz da encruzilhada da Vila Candinha, 1985.



















Cultor do psitacismo, era visto sempre falando sozinho: nada mais que monólogos, não fossem eles conversas secretas com entidades invisíveis que só ele enxergava!... Às vezes resmungava frases desconexas e ininteligíveis, numa repetição mecânica de palavras vazias e sem sentido tanto para ele como para quem o ouvia. Gostava das  crianças, mas se provocado quando bêbado, “virava fera” e com suas trouxas e quinquilharias amarradas num cabo de enxada, ameaçava reagir os que lhe provocavam, xingando com tudo quanto é nome feio. Quanto mais “brabo” ele ficava menos se entendia suas palavras, pois tornava-se tartamudeante. Apesar de suas constantes investidas contra a molecada malcriada, jamais tocara um dedo em nenhuma delas. Quando se sentia de bem com a vida, costumava cantarolar satisfeito uma musiquinha estranha mais ou menos assim: “Barú-fá-fá-fá”. 

O escritor José Carlos Victorello escreveu que, certa vez, a Ananias entrou cambaleando pelo portão da padaria São José, procurando pelo banheiro. Depois de algum tempo, voltou só de camisa, paletó, chapéu, sapato... mas, e a calça?! Oh, sim, a calça! A calça estava debaixo do braço!.. Foi um sufoco: ninguém na padaria sabia o que fazer com aquele negro pelado em plena padaria! Quando isto acontecia, as pessoas, e mesmo a polícia, cruzavam os braços ou fingiam agir. Por esta e por outras coisas condenáveis, com frequência, o danado do negro era recolhido à prisão.

  As crianças gostavam dele e da maneira descontraída e curiosa como narrava seus casos e façanhas. Entre elas, se antecipando ao mentiroso Civilico, se gabando de seus prodígios, dizia orgulhoso que certa vez pegou uma onça pelo rabo e a malhou numa árvore; noutra, derrubou um touro com um murro; noutra ainda, caçou um jacu em pleno voo, dentre outras mentiras mirabolantes que só mesmo as ingênuas crianças acreditavam: “Esse homem danado não precisa contar até quatro para fazer o mundo parar!” ou “Ele é mesmo o tal!” E quem é que o desmentiria diante dos pequeninos, desfazendo a doçura de suas ilusões?... 


 
Ananias foi mais um dos tipos populares que também morreram no anonimato. Cita-se que foi encontrado morto dentro do prédio da extinta Termoelétrica (foto acima). Victorello deu sua versão da morte do negro:

  “Quando caÍa de bêbado e ferrava no sono, era capaz de passar o dia inteiro dormindo. Nem o vento nem a chuva o acordavam. Parecia que estava morto, e, certa vez, ele passou o dia inteiro esticado debaixo de um rancho. Pensaram que ele estivesse dormindo. Só que nunca mais acordou”.

Sua última residência era uma casinha antiga que se situava na rua Santa Cruz, adiante do citado bar do Paulo Pascotti, no lado esquerdo da rua. Contemporâneos dele, dizem que seu enterro foi bastante concorrido, e uma multidão silenciosa acompanhou seu féretro até o cemitério. Nesta data, no final de julho de 1957, publicou-se no Jornal de Araras uma pequena crônica, sem autor, trazendo mais algumas facetas deste curioso tipo popular:

“NANIA. Era um bom. Era ingênuo, inofensivo. Destituído de tudo que representava preocupações de propriedade. Tinha um único bem, bem que é comum a todos — a vida.
Entretanto, para a criançada do lado do Parque Infantil, Nania dava a sua vida, a única propriedade que, possuia para atender a todos.
Arreliando aquela figura dormente, quase delirante, derreada pelo sofrimento e pelo vício, figura vencida de homem, os petizes, na sua inocencia, traziam àquela alma felicidade!
— Nania, pulenta fria.
— Toma banho na bacia...
A isso, somente a isso, é que o preto velho mostrava os dentes. Nesse momento é que seus olhos, quase sempre embaçados, deixava entrar uma luz, pela qual se podia ver a alegria do seu interior.
O Nania morreu. Seu nome, por certo, será lembrado no futuro, pela geração de hoje. Haverá mesmo algum historiador que a ele dedicará, uma de suas páginas relembrando dos tipos populares da cidade.
Seu único pecado era ser temido pelas criancinhas — até elas o conheciam. É que os pais, num tremendo erro educativo, querendo conseguir determinada coisa de seus filhinhos diziam:
— O Nania te pega.
Mas o preto velho, não fazia mal a ninguém.
As próprias crianças quando mais esclarecidas, amavam o Nania, brincavam com ele.
— Nania pulenta fria.
E o preto velho, o homem que era ‘rico’, com sua voz grossa, meio enrolada, dizia:
— Oitenta conto no banco.
Nania era tão ‘rico’ que ‘emprestou’ trezentos contos a muita gente na cidade.
Esta semana, seus amigos o conduziram à sepultura. Ali, Nania dormirá seu sono eterno.”

Caros leitores, esse era o tal do Ananias...



* Capítulo de um livro meu em andamento, "Tipos populares de rua da Araras antiga", onde disseco 36 tipos que viveram no século 20.
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quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

CAÇA E PESCA: LIVROS CINEGÉTICOS PUBLICADOS NO BRASIL

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Aqui, uma relação do principais livros cinegéticos publicados no Brasil a partir do século 19. Esta lista é resultado de minhas pesquisas realizadas nas últimas décadas. Aos poucos, conforme for obtendo-as, irei disponibilizando as capas de cada livro relacionado:



- "Por Campos e matas - Caças, Caçadas e Caçadores", Bento Arruda, Cia. Gráfico-Editora Monteiro Lobato. São Paulo, 1925.

- “Caça Grossa Brasileira – Narrativas de Um Caçador”, Milton Lança, 1963.

- “Armas e técnicas de briga nas regiões rurais de São Paulo”, Frederico Lane, 1958.”

- “Armas e munições de caça.”, Cristiano Frederico Buys- Edit. Globo,1934.





- "A Caça no Brasil - Manuel do Caçador em Toda a América Tropical", Francisco Adolfo Varnhagen. Rio de janeiro, 1860.



 



- "A Caça no Brasil Central", Henrique Silva, Rio de Janeiro, 1898.

- "Caças e caçadas no Brasil", Henrique Silva. Rio de Janeiro, 1906.

- “Aves de Caça do Estado de São Paulo”, Emílio Varoli, 1971. Ed. Chácaras e Quintais.

- "Pelos Sertões do Brasil", Amilcar A. Botelho de Magalhães, São Paulo, 1941.

- "Tiro ao Vôo", Bernardo de Castro, Rio de Janeiro: Edição do autor, 1925.

- "Caças e Caçadas". Eurico Santos. Edit. F. Briguiet, Rio de janeiro, 1950.

- "Manual do caçador ou o Caçador brasileiro". Alberto Pinto de Carvalho. Prudentópolis, Paraná, 1924.

- "Manual do caçador em toda a América Tropical". Francisco Adolfo Varnhagem., 1860.

- "Caçadas e Pescarias". Antonio Pereira Coelho Filho.

- "Vamos pescar... e trazer peixe". Fausto Lex. Tipografia Irmãos Clemente. São Paulo, 1941.

- "Amanhã pode chover". Sobre caçadas, histórias, viagens. Durval Rosa Borges. Ed. troféu.

- "Preparar, apontar, fogo!". Sobre histórias de caça e pesca. Synésio Ascêncio, Ed. troféu.

- "Caçadas e caçadores" Augusto Duarte da Costa (Edições Marânus, Porto, 1940)

- "Aquele mar seco - o Pantanal". Rogério Camargo.

- "Viagens e caçadas no Mato Grosso". Heitor Pereira da Cunha, 1918, Rio de Janeiro.

- "Cartas Matogrossenses". Antonio Carlos Simoens da Silva, 1927, Rio de Janeiro.

- "A caça e a pesca no pantanal de Mato Grosso". Alvaro Aguirre,Rio de Janeiro, 1935.

- Ernesto Vinhaes. Feras do Pantanal. Aventuras de um repórter em Mato Grosso. Rio de Janeiro: Jornal a Noite, 1936. .

- “A caça nos sertões do Seridó, Oswaldo Lamartine de Faria, 1961

- “Inferno Verde”, Julian Duguid.

- "Nos sertões do rio Paraguai". Otto Willi Ulrich, 1937, São Paulo.

- Sacha Siemel. "Tigrero" Librería Editorial Argos, S. A. (Barcelona)

- “Sertões do Noroeste, 1850-1945” – Edgard Lage de Andrade. São Paulo, 1945, 355p.

- “Selvas de Mato Grosso e da Amazônia” Silvio Lima Figueiredo

- “Além de Mato Grosso” Ayres Camara Cunha

- “As Peripécias de um Ex-Poaieiro Mato Grosso” - Adolpho Jorge Da Cunha

- Selvas e o Pantanal Goias e Mato Grosso” - Diaulas Riedel, 1961

- “Aventuras Em Mato Grosso - Raymond Maurais

- “Viagens e Cacadas em Mato Grosso” - H. Pereira Da Cunha

- “Expedição Sertaneja Araguaia-Xingu” – Leolídio Caiado

- “Entre sertanejos e índios do Norte” – S. M. Audrin, livraria Agir Editora, 1947.

- “O apóstolo do Araguaia” – Frei Gil Vilanova – P. Estevão Maria Callais, Gráfica Revista dos Tribunais, 1942]

- “Impressões da Comissão Rondon”, de Amilcar Botelho, 1929.

- “Escola de Caça e Monteria Paulista”. Joaquim de Paula Souza, 1863.

- “Caçando e Pescando Por Todo o Brasil” - Francisco de Barros Jr.
  1. Primeira série - Brasil-Sul - 1945 (350 páginas)
  2. Segunda Série - Mato Grosso Goiás – 1947 (408 páginas)
  3. Terceira Série - Planalto Mineiro; o São Francisco; Bahia - 1949
  4. Quarta Série - Norte; Nordeste; Marajó; Grandes Lagos; o Madeira; o Mamoré - 1950 (319 páginas)
  5. Quinta Série - Purus e Acre - 1952 (273 páginas)
  6. Sexta Série - Araguaia e Tocantins - 1952 (245 páginas)

- "Vocabulário de caça". Clado Ribeiro de Lessa. Casa da Filosofia, RJ, 1944. Ler o livro


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O BACURAU-MIGRADOR NORTE-AMERICANO (Chordeilles acutipenis) NA PRAÇA BARÃO DE ARARAS



Todo ano, entre o final do mês de Outubro e o princípio de Novembro, um grande número de pássaros, na condição de visitantes setentrionais abandona o inverno da América do Norte em busca do verão brasileiro. Dentre estas aves está uma espécie de bacurau, conhecido como bacurau norte-americano ou migrador (Chordeiles minor).  Na cidade onde resido, Araras, Estado de São Paulo, Brasil, estas aves são encontradas nas praças centrais, onde passam o dia, perfeitamente adaptadas ao conturbado ambiente urbano. Fazem deslocamentos coletivos ao pôr-do-sol, dirigindo-se para o leste, como que querendo apressar a chegada do noite, fugindo do poente, regressando logo depois, no escuro, como bem observou o ornitólogo Helmut Sick já falecido, em sua livro “Ornitologia Brasileira - Uma Introdução”. 

Abaixo, foto de novembro de 1991, na mesma praça, foto do finado Pérsio Galembeck Campos, encomendada por mim.



A árvore dominante nesta praça é a (Caesalpina peltophoroides, foto acima), conhecida popularmente como “Sibipiruna”, espécie muito comum na Mata Atlântica. Passam o dia repousando em seus galhos em posição contrária à da maioria dos pássaros, ou seja, no sentido do próprio galho, como que querendo se ocultar, estratégia comum entre as aves desta família. Ficam pousadas em galhos a partir de quatro metros de altura à sombra ou ao sol. Sua presença nestes locais não é facilmente notada, a não ser quando pousam em locais abertos ou saem voando ao crepúsculo ou no início de tempestades.

 
A observação mais relevante que fiz sobre esta ave foi em 16/1/1995 (foto), no centro da cidade. No início da manhã vi um destes bacuraus pousado no cano inclinado de um semáforo num local de tráfego intenso, e ali ele ficou até por volta do meio-dia. O curioso é que a ave não se mantivera pousada como o faz normalmente nas árvores, ou seja, no sentindo do longitudinal do galho, mas transversalmente como a maioria das aves. Pouco tempo depois passou para o cano oposto onde, sob sol intenso, ficou até o meio da tarde, quando procurou abrigo sobre a sombra da junção do cano onde repousava com o cano vertical que sustenta o semáforo; porém, com o deslocamento do sol, o pássaro voltou a ser iluminado. Nesta tarde, São Paulo teve o seu dia mais quente do ano após nove anos. A temperatura atingiu 42° centígrados, o que demonstra a enorme resistência que estas aves tem no se expor à luz solar direta. Convém lembrar que a cerca de 10 metros do semáforo havia o arvoredo da praça de uma escola. No mesmo local, em outra data, vi durante o dia, o que parecia ser uma destas aves pousada num fio elétrico como uma ave comum!

Um dia de chuva forte na praça principal, vi um bando de cerca de 22 destes bacuraus deixarem seus pousos e se dirigirem para o nordeste da cidade, mas devia haver mais indivíduos porque não pude visualizar todo o céu acima da praça.

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