segunda-feira, 12 de outubro de 2015

UM CASO ANTIGO DE BULLYING, ENVOLVENDO O POETA INGLÊS PERCY SHELLEY

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O poeta inglês Percy Shelley, um dos maiores da Inglaterra, nasceu em 1792, falecendo em 1822. O texto que posto hoje diz respeito à um primitivo caso de bullying envolvendo este célebre literato, o que se deu em sua juventude, no distante princípio do século 17.

“Os regulamentos da escola não passavam, para o seu espírito hipersensível, de açoites de opressão. Passeava pelo campus sozinho, infeliz, em atitude opressão. Os colegas chamavam-no ‘o louco Shelley’, e organizaram uma ‘sociedade de provocação a Shelley’. Sempre que se sentava a margem de um rio, para ler Shakespeare ou Voltaire, caiam sobre ele como um bando de cães de caça, perseguiam a sua presa pelo bosque e finalmente acuavam-na, obrigando-a a uma luta desesperada contra todos, em condições de desigualdade. A sociedade humana, conclui ele, é uma horda de bárbaros com uma camada de cultura. (...) Completamente absorto no mundo do seu sonho, caminhava como um estranho no mundo dos homens. Em geral, com efeito, evitava a companhia de seus semelhantes. Sentia-se mais à vontade entre as coisas da natureza. Passava a maior parte do tempo nos bosques, em meio as montanhas, ou em seu barco. Os rios conversavam com ele, as ondas do mar encrespavam-se em gargalhadas, as árvores desprendiam de seus galhos uma música inteligível, as nuvens passavam por sua cabeça como um bando de pássaros vivos, o vento, como um titã, descia precipitadamente das montanhas, arrastando cascalhos para o saco que trazia às costas e, espalhando-os, a gargalhar ruidosamente pelos campos.

Shelley pouco se importava com as agitações mesquinhas dos mortais. Preferia observar o nascer do sol, quando este soltava sobre uma nuvem e se lançava rapidamente sobre o horizonte, ou ‘aquela donzela em forma de orbe, vestida de alva claridade, que os mortais chamavam de lua’, enquanto dançava, deliciosamente pelo assoalho noturno dos céus. As estrelas eram um bando de abelhas de ouro. Ele ouvia o seu zumbido divino, traduzia-o em música, para que os ouvidos dos homens pudessem compreendê-lo.”

(Vida dos grandes poetas - Percy Shelley. Henry e Dana Lee Thomas, 1958)

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

RESENHA DE LIVROS E REVISTAS LIDOS POR MIM EM SETEMBRO DE 2015

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1-  O melhor de Vinícius de Moraes.  Cia. das Letras - Folha,1994. Poesias e textos que normalmente não vemos em livros escolares, infelizmente. Eu mesmo nunca havia lido tais textos (e textos antigos), e confesso que me surpreendi com a qualidade deles, sem falar no bom humor de nosso poetinha. Uma coletânea que vale como uma boa introdução para a criação literária extra-poesia de Vinícius.






2- O encanto da leitura - Textos inesquecíveis. Abril Cultural, 1981. Uma seleta de trechos de clássicos da literatura mundial compilada pelo grande Victor Civita, sim, o então chefão da Abril. Neste livreto, ele se propõe a introduzir novos leitores em textos escolhidos de autores de renome mundial como, p. ex., Shakespeare, Machado de Assis, Stendhal, Camões, Bilac, Tolstói, Nietzche, dentre outros gigantes da literatura. O livreto se divide em cinco temas: amor, mulher, trabalho, morte, guerra, liberdade e crime. Ao que o autor se propõe, o livro atinge em cheio a meta, funcionando  meio que aos modos dos antigos livros de Português, com suas ótimas seletas de clássicos, isto, sem ao "inconveniente" das partes gramaticais, de análises sintáticas e glossários.


3- Baú dos Ossos - Memórias 1 - Pedro Nava. 1968. Numa palavra: assombroso. Sempre quis conhecer este auto-proclamado "poeta bissexto", tão bem dele falavam, mas lembro-me que a primeira vez que pus meus olhos num livro seu, jurei que nunca ia lê-lo, que os parágrafos são imensos — ele é torrencial e parece não gostar de pausas, de querer parar para respirar — vai muito além do Rousseau, que é perito nisto, e é coisa que desestimula até mesmo os que são viciados em leitura, que os parágrafos não raro atravessam páginas, e isto, mesmo mudando-se os assuntos. Aliás, Rousseau pediu desculpas pelos seus "detalhes insignificantes", mas Nova é "imperdoável".  Por exemplo, está falando dos vendedores ambulantes de doces, e já emenda com os compradores de ratos do Oswaldo Cruz! Mais estranho ainda, e surpreendente, descreve nuvens numa página inteira e não cita o nome de nenhuma , mas poucas páginas depois, vai falar do algodão doce e descreve-o usando cirros, estratos, cúmulos e nimbos!.... Felizmente, o acaso me salvou certo dia quando ele me colocou diante de dos três primeiros livros desta série, e os três à preço de banana. Mal comecei a ler suas 443 páginas e fiquei abestalhado, pois ele é eclético e fala de tudo e de todos. Ele tem memória prodigiosa e torrencialidade, à ponto de peitar o próprio Proust. Seus escritos tem sentimento, poesia, ternura, humor e raiva.  Não concordo com Raquel Jardim que disse que ele pouco fala de si, mas de outras pessoas — pelo menos neste primeiro livro, ele é o protagonista, e, mais surpreendente ainda, nesta estreia ele se revela um memorialista prodigioso, já burilado e totalmente seguro de si no que propõe. Se se pode dizer que há um "senão" neste seu livro (ainda não li os seguintes), é na parte "genealógica", onde desfilam pelas páginas milhares de pessoas, relatando parentes (parece o próprio Adão, de que todos são parentes!...), vizinhos e conhecidos, que são minuciosamente citados e descritos, isto para não falar na precisão das datas, das horas precisas,  dos nomes e número de ruas, do(a)s... Pelo teor e relativa semelhança (e com a mesma função e utilidade: um verdadeiro tesouro para os historiadores!) - analisando sua obra, Nava nos remete aos cinco  alentados volumes de "História da Vida Privada no Brasil"; aos três de "História e Tradição da Cidade de São Paulo" de Ernani Silva Bruno; e, finalmente, aos dez volumes da coleção "Nosso Século" da Editora Abril. Mas, enfim, Pedro Nava é fantástico,  e concluo que um literato de sua estirpe só pode ser descrito por meio dos mesmos elogios superlativos dirigidos aos grandes da área memorialística mundial! Assim sendo, chego ao ponto de dizer que, para mim, ele é o maior escritor brasileiro, um escritor de primeiro escalão que faz jus à um renome planetário ainda hoje, e que merece parear com os gigantes da literatura universal. Nava é um oportuno achado: um mestre supremo que nos humilha com seu estilo: sinto que, sob sua tutela, tenho de reescrever tudo o que produzi até agora!... Enfim, concluo que depois de conhecê-lo, preciso mesmo rever meus conceitos do que éseja Literatura. Nava. Assombroso.

4- Kohoutek 1973-F "O cometa do século". Nova Galáxia. 1974. Um revista documentando a passagem do novo cometa conhecido como Kohoutek (pronuncia-se Caútec), descoberto  acidentalmente pelo astrônomo tcheco Lubos Kohoutek em março de 1973. O cometa, de longe, não cumpriu as previsões quase unânimes dos astrônomos, as de que seria "O cometa do século", e, por isto mesmo, depois, foi considerado "O fiasco do...", o que foi uma grande pena, pois se as previsões se concretizassem, teríamos presenciado um dos maiores e mais belos cometas de todos os tempos, um cometa rasante e o que mais se aproximou do Sol. Fui um dos grandes infelizes, e duplamente, pois quando comprei esta revista, o fiz tardiamente e já em sua 3ª edição, e o pouco que pode ser visto do cometa já não mais oferecia atrações. Naquela época, ao contrário de hoje, obter informações precisas sobre este tipo de fenômeno era algo muito difícil e complicado. Por fim (e de todo modo), àquela altura, quando esta revista foi lançada (5-1-1974), a maioria dos astrônomos já sabia de antemão que o cometa não ia ser 10% de tudo aquilo que a mídia propalou a seu respeito, no entanto, a mesma não queria dar o braço à torcer... E fez-se o fiasco!...

5- Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) — Literatura Comentada. 1981.  Um dos livretos de uma série lançada pela Editora Abril com autores brasileiros, com "textos selecionados, estudo histórico-literário, biografia e atividades de compreensão e criação". Já conhecia o hilário (o do Febeapá), mas esta coletânea me surpreendeu com criações suas que eu desconhecia. Ele é ótimo, e seu humor incrível e moderníssimo nada deve aos gigantes do gênero.  Não se sabe se era cardisplicente como seu irmão de arte — o boêmio e multimídia Antonia Maria —, mas, do mesmo modo, tinha tanto ainda para oferecer e nos fazer rir, mas nos fez chorar sentidamente, pois morreu novo e do mesmo modo: do coração... Do livreto, recomendo como aperitivo três ótimas crônicas: "A velha contrabandista", "Era covardia" e "O anjo", hilaríssimas e com seus desfechos inesperados. A seleta é um ótimo convite à empanturração com as obras completas do notável hilário.